terça-feira, 26 de setembro de 2017

MU-DANÇA

Uma amiga querida, lendo o post anterior, me sugeriu que eu escrevesse o que fazem as pessoas que tem mais facilidade de mudar. Eu fui até algumas, recordei dos ensinamentos de alguns outros amigos que trabalham com essa energia de mudança e resolvemos falar um pouco delas, mas antes algumas explicações.

Muu é o gemido da vaca e também como muitos mestres da tradição zen budista respondiam algumas perguntas dos seus discípulos em forma de koan.   

Dança é essa expressão corporal que tenta equalizar corpo e alma, ritmo e movimento. A dança é a vida e saber dançar parece ser uma forma que traduz e diferencia algumas pessoas de outras. Então nesse texto eu brinquei com a palavra Mu-dança assinalando esse componente enigmático da resposta- MU! Ao mesmo tempo que a abrimos para dança, para o movimento como explicação e entendimento para qualquer passo. 

A relação com a dança surge, porque colhendo as informações das pessoas com maior facilidade de aceitar a mudança, a ideia tácita que elas deixam é a de que a vida é uma dança e é a partir dessa metáfora que iremos conversar.



Algumas pessoas só conhecem um passo de dança, com muito esforço, elas arriscam mais um. Em dias de chuva elas dançam tango, nos dias de sol, elas dançam tango. Quando estão tristes, elas dançam tango e quando estão felizes, elas também dançam tango. Se a vida lhes apresenta um bolero, elas ainda se movimentam, mas se a vida virar samba ou valsa, acaba o encanto. Elas se recolhem do salão. Elas ficam sentadas, ou pedindo encarecidamente que alguém toque tango para elas. Alguém desavisado a chama para dançar, mas ela(e) só sabe tango e tem dificuldade de aprender novos movimentos, de se permitir mover por outros ritmos.

Reparo ainda que é muito habitual, demasiadamente comum, nossos engessamentos em um só ritmo, em uma só forma de se mover e movimentar. Por esse espectro, diria que primeiramente, o pessoal que tem maior facilidade de mudança, recebe a pecha de irresponsáveis. Eles têm uma soltura, um desapego, que aos nossos olhos beira o descompromisso. 

Creio que esse lado é verdadeiro, mas não é inteiramente real. Sabe a figura do malandro? Sabe a figura da prosti? Aquela concepção caricata de que ser alguém que tendo um limão faz caipirinha? Aquela ginga nos quadris, nos olhos, nos ombros de quem dribla as dificuldades, de quem rebola diante das adversidades? Pois bem, esse é um padrão de quem lida bem com as mudanças. 
São tidos como irresponsáveis, porque eles têm menos peso, menos pressão, estão mais soltos. Conseguem se libertar das situações com mais desenvoltura.  

Em síntese, muda-se com mais naturalidade, com mais facilidade, com menos dor, quem tem menos apego. Seja a um padrão, seja a um ritmo, seja a uma meta, seja a um desejo, seja a vida.

E aqui entramos num embaraço, num nó que cala mais fundo, afinal: quando é hora de mudar de ritmo? Ok! Mudar de ritmo é fácil desde que estejamos atentos a escuta da vida. A vida fala. A vida conversa. A vida se conta, se mostra, se espelha para nós de muitas formas, porém não a escutamos. Se não a ouvimos trocamos o ritmo, tropeçamos sobre os nossos pés, erramos os trajes, perdemos os passos, embolamos. E embolamos em nossas próprias pernas, em nosso descompasso. Nos prendemos em nossos apegos. 



Imagine que Joaquim tenha 25 anos, seu ritmo de vida seja a valsa e ele se veste de fraque para estar sempre pronto e apto para dançar. Seu colega o chama para uma festa Rave e ele vai de fraque. Tudo está relativamente tranquilo até começarem a dançar. Nesse momento, ele destoa, tromba, ele é tido como esquisito. A pergunta que fazemos é: vale a pena, ele aprender Techno para curtir a balada? Vale a pena, ele pegar uma mina na balada e tentar um relacionamento mais duradouro?
Longe de dar respostas efetivas, apontaria que o importante é ele si escutar e conhecer o próprio ritmo e a partir disso fazer as escolhas que melhor convir, como por exemplo, aceitar que aprender bolero lhe dói menos do que Techno. Cogitar a possibilidade de encontrar uma parceira mais velha do que ele. 
Se ele gravita entorno do ritmo dele as coisas são mais fáceis. Ele se conhece, ele amplia o leque de mudanças e de permanências. 


Nessa perspectiva, eu diria que o apego é o nosso ponto de resistência. O apego a um padrão, a um ritmo e ao desconhecimento desse ritmo e desse próprio padrão. Encontramo-nos e nos perdemos nisso e nesses passos atravessados, a vida se delineia, se desenha. Mas, respondendo então sem muitas metáforas. O que fazem as pessoas com mais facilidade de mudar?

Elas mudam. Como o nível de desapego delas é menor, elas não precisam criar uma arquitetura mental, moral, epistemológica que lhe assegure um quadro seguro e irrefutável que saindo do ponto A, ela chegara no ponto B em dois meses. Elas não necessitam de uma elaboração conceitual que lhes de segurança e confiança de que a mudança será boa. Elas não se sentem constrangidas de no meio da pista outra música, com outro ritmo está iniciando. Elas continuam dançando, até encontrar os passos confortáveis. 

Elas, não fazem o movimento reflexivo de sair da vida, para tentar analisar a vida, para novamente voltar a viver; elas simplesmente, DANÇAM. E, na dança o movimento do corpo e da alma se entrelaçam. A reflexão e o movimento se fundem. O ritmo e a cadência se instauram. E dentro desse fluxo gravitam, aproximam-se, chegam milhares de oportunidades, de possibilidades e eles as vivenciam. 

Quer me parecer então que a melhor dica para mudarmos é aprendermos a dançar. Há na dança uma sacralidade que unifica nosso ser, que movimenta a nossa alma e não a deixa parar, não a deixa ficar girando sem que ela faça do corpo seu parceiro. 

Algumas pessoas são mentes sem corpo. Outras são corpos sem mentes, mas para as duas a dança seria um parceiro. O movimento no qual um e outro se dão as mãos, encontram o ritmo, caminham em direção da leveza. Não deveríamos pensar nenhum corpo sem dança. Nenhuma mente sem corpo. Nenhuma mente que não esteja roçando a própria alma e nenhuma alma que não se faça espírito. E espírito é a unidade dos corpos, das almas, das mentes. Precisamos de dança para nos equilibrarmos e nos integrarmos em nossos muitos corpos. 

Mas, por que paramos de dançar conosco? Com a vida? Com o outro? Quem roubou nossos pés de nós mesmos? Quem nos tirou o ritmo de nossa alma? De onde vem essa dureza conceitual? Essa inflexibilidade? Essa dificuldade de rebolar e de aceitar as circunstâncias? Onde nos desequilibramos? 


Estar no momento! Equilibrar-se! Isso é a dança. Ela te chama para o agora. Se por um segundo o seu pensamento não seguir o seu corpo a gente tropeça. A dança é presente. Aproxima corpo e alma. Precisamos dançar, porque o bailar equilibra o espirito, a alma, a vida, o corpo, tudo num hálito divino, numa proteção cósmica. O único Deus que não dança é Jeová, todos os outros dançam. Porque dançar é saudar e honrar a divindade. Grande parte das religiões do mundo celebram esse movimento de se harmonizar com o todo. Os orixás dançam. Os deuses indianos e indígenas dançam.  

Mas, dançar é muito mais do que colocar uma música no play. Dançar é ser capaz de ouvir o ritmo da vida e torná-la nossa parceira. É ter a confiança de dançar com ela, juntos, trazendo mais pessoas, dançando sozinho. Dançar implica em compreender um sentido inaudível da existência, que seria: há ritmos a ser aprendidos. Há ritmos a ser integrados em nossa vida.

Dançar é compreender e se conectar ao que há de mais puro na vida: a mu-dança. Mudança que nos chama para a quebra de nossos apegos, o aprendizado de novos ritmos, uma maneira de compartilhar e se integrar na vida.

Uma forma dinâmica de equilibrar-se.



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