Uma amiga querida, lendo o post anterior, me
sugeriu que eu escrevesse o que fazem as pessoas que tem mais facilidade de
mudar. Eu fui até algumas, recordei dos ensinamentos de alguns outros amigos
que trabalham com essa energia de mudança e resolvemos falar um pouco
delas, mas antes algumas explicações.
Muu é o gemido da vaca e
também como muitos mestres da tradição zen budista respondiam algumas
perguntas dos seus discípulos em forma de koan.
Dança é essa expressão corporal que tenta equalizar corpo e alma,
ritmo e movimento. A dança é a vida e saber dançar parece ser uma forma que traduz
e diferencia algumas pessoas de outras. Então nesse texto eu brinquei com a palavra Mu-dança assinalando esse componente enigmático da resposta- MU! Ao mesmo tempo que a abrimos para dança, para o movimento como explicação e entendimento para qualquer passo.
A relação com a dança surge, porque colhendo as informações das pessoas com
maior facilidade de aceitar a mudança, a ideia tácita que elas deixam é a de que a vida é
uma dança e é a partir dessa metáfora que iremos conversar.
Algumas pessoas só
conhecem um passo de dança, com muito esforço, elas arriscam mais um. Em dias
de chuva elas dançam tango, nos dias de sol, elas dançam tango. Quando estão
tristes, elas dançam tango e quando estão felizes, elas também dançam tango. Se
a vida lhes apresenta um bolero, elas ainda se movimentam, mas se a vida virar
samba ou valsa, acaba o encanto. Elas se recolhem do salão. Elas ficam
sentadas, ou pedindo encarecidamente que alguém toque tango para elas. Alguém
desavisado a chama para dançar, mas ela(e) só sabe tango e tem dificuldade de
aprender novos movimentos, de se permitir mover por outros ritmos.
Reparo ainda que é muito
habitual, demasiadamente comum, nossos engessamentos em um só ritmo, em uma só
forma de se mover e movimentar. Por esse espectro, diria
que primeiramente, o pessoal que tem maior facilidade de mudança, recebe a
pecha de irresponsáveis. Eles têm uma soltura, um desapego, que aos nossos
olhos beira o descompromisso.
Creio que esse lado é verdadeiro, mas não é
inteiramente real. Sabe a figura do malandro? Sabe a figura da prosti? Aquela
concepção caricata de que ser alguém que tendo um limão faz caipirinha? Aquela
ginga nos quadris, nos olhos, nos ombros de quem dribla as dificuldades, de
quem rebola diante das adversidades? Pois bem, esse é um padrão de quem lida
bem com as mudanças.
São tidos como irresponsáveis, porque eles têm menos peso,
menos pressão, estão mais soltos. Conseguem se libertar das situações com mais desenvoltura.
Em síntese, muda-se com mais naturalidade,
com mais facilidade, com menos dor, quem tem menos apego. Seja a um padrão,
seja a um ritmo, seja a uma meta, seja a um desejo, seja a vida.
E aqui entramos num
embaraço, num nó que cala mais fundo, afinal: quando é hora de
mudar de ritmo? Ok! Mudar de ritmo é fácil desde que estejamos atentos a escuta
da vida. A vida fala. A vida conversa. A vida se conta, se mostra, se espelha
para nós de muitas formas, porém não a escutamos. Se não a ouvimos trocamos o
ritmo, tropeçamos sobre os nossos pés, erramos os trajes, perdemos os passos,
embolamos. E embolamos em nossas próprias pernas, em nosso descompasso. Nos prendemos em nossos apegos.
Imagine que Joaquim tenha
25 anos, seu ritmo de vida seja a valsa e ele se veste de fraque para estar
sempre pronto e apto para dançar. Seu colega o chama para uma festa Rave e ele
vai de fraque. Tudo está relativamente tranquilo até começarem a dançar. Nesse
momento, ele destoa, tromba, ele é tido como esquisito. A pergunta que fazemos
é: vale a pena, ele aprender Techno para curtir a balada? Vale a pena, ele
pegar uma mina na balada e tentar um relacionamento mais duradouro?
Longe de dar respostas
efetivas, apontaria que o importante é ele si escutar e conhecer o próprio ritmo e
a partir disso fazer as escolhas que melhor convir, como por exemplo, aceitar
que aprender bolero lhe dói menos do que Techno. Cogitar a possibilidade de
encontrar uma parceira mais velha do que ele.
Se ele gravita entorno do ritmo dele as coisas são mais fáceis. Ele se conhece, ele amplia o leque de mudanças e de permanências.
Se ele gravita entorno do ritmo dele as coisas são mais fáceis. Ele se conhece, ele amplia o leque de mudanças e de permanências.
Nessa perspectiva, eu
diria que o apego é o nosso ponto de
resistência. O apego a um padrão, a um ritmo e ao desconhecimento desse ritmo e
desse próprio padrão. Encontramo-nos e nos perdemos nisso e nesses passos
atravessados, a vida se delineia, se desenha. Mas, respondendo então sem muitas
metáforas. O que fazem as pessoas com mais facilidade de mudar?
Elas mudam. Como o nível
de desapego delas é menor, elas não precisam criar uma arquitetura mental,
moral, epistemológica que lhe assegure um quadro seguro e irrefutável que
saindo do ponto A, ela chegara no ponto B em dois meses. Elas não necessitam de
uma elaboração conceitual que lhes de segurança e confiança de que a mudança
será boa. Elas não se sentem constrangidas de no meio da pista outra música,
com outro ritmo está iniciando. Elas continuam dançando, até encontrar os
passos confortáveis.
Elas, não fazem o movimento reflexivo de sair da vida,
para tentar analisar a vida, para novamente voltar a viver; elas simplesmente,
DANÇAM. E, na dança o movimento do corpo e da alma se entrelaçam. A reflexão
e o movimento se fundem. O ritmo e a cadência se instauram. E dentro desse
fluxo gravitam, aproximam-se, chegam milhares de oportunidades, de
possibilidades e eles as vivenciam.
Quer me parecer então que a melhor dica para mudarmos é aprendermos a dançar. Há na dança uma sacralidade que unifica nosso ser, que movimenta a nossa alma e não a deixa parar, não a deixa ficar girando sem que ela faça do corpo seu parceiro.
Algumas pessoas são mentes sem corpo. Outras são corpos sem mentes, mas para as duas a dança seria um parceiro. O movimento no qual um e outro se dão as mãos, encontram o ritmo, caminham em direção da leveza. Não deveríamos pensar nenhum corpo sem dança. Nenhuma mente sem corpo. Nenhuma mente que não esteja roçando a própria alma e nenhuma alma que não se faça espírito. E espírito é a unidade dos corpos, das almas, das mentes. Precisamos de dança para nos equilibrarmos e nos integrarmos em nossos muitos corpos.
Mas, por que paramos de dançar conosco? Com a vida? Com o outro? Quem roubou nossos pés de nós mesmos? Quem nos tirou o ritmo de nossa alma? De onde vem essa dureza
conceitual? Essa inflexibilidade? Essa dificuldade de rebolar e de aceitar as
circunstâncias? Onde nos desequilibramos?
Estar no momento! Equilibrar-se! Isso é
a dança. Ela te chama para o agora. Se por um segundo o seu pensamento não
seguir o seu corpo a gente tropeça. A dança é presente. Aproxima corpo e alma.
Precisamos dançar, porque o bailar equilibra o espirito, a alma, a vida, o
corpo, tudo num hálito divino, numa proteção cósmica. O único Deus que não
dança é Jeová, todos os outros dançam. Porque dançar é saudar e honrar a
divindade. Grande parte das religiões do mundo celebram esse movimento de se
harmonizar com o todo. Os orixás dançam. Os deuses indianos e indígenas dançam.
Mas, dançar é muito mais
do que colocar uma música no play. Dançar é ser capaz de ouvir o ritmo da vida
e torná-la nossa parceira. É ter a confiança de dançar com ela, juntos,
trazendo mais pessoas, dançando sozinho. Dançar implica em compreender um
sentido inaudível da existência, que seria: há ritmos a ser aprendidos. Há ritmos a ser integrados em nossa vida.
Dançar é compreender e se
conectar ao que há de mais puro na vida: a mu-dança. Mudança que nos chama
para a quebra de nossos apegos, o aprendizado de novos ritmos, uma maneira de
compartilhar e se integrar na vida.
Uma forma dinâmica de equilibrar-se.
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