sábado, 5 de maio de 2018

GASPARETTO de fantasminha camarada a homem integral.



Luis Antônio Gasparetto, voltou pra casa.

Esteve conosco por 68 anos. Suportou trabalhar com Picasso por mais de 60 anos, rsrrs. Só isso vale o céu, rsrsr. Creio eu que a média dos casamentos do mestre de Málaga não passou de 10, 12 anos.  De longe, com Gaspa foi uma das suas relações mais duradouras.
Então não há porque chorar, lamentar. Ele fumou até o último trago de ansiedade e pressa e expirou desejos de que fossemos fortes, corajosos; que fossemos além do que nos deram como horizontes.

Louco, divertido, irreverente, atrevido. Foi ao lado de Chico e Waldo Vieira o médium mais importante do final do século XX, XXI. Fez pela mediunidade brasileira coisas que demoraremos a entender, a assimilar. Primeiro despontou como um fenômeno notável. Poderia ter ficado nisso, mas quis mais e construiu um dos maiores centros espiritas da América Latina, os Caminheiros. Endeusado, admirado, rompe com tudo e cria o Espaço Vida e Consciência. Para muitos estava obsediado, não doando direitos autorais dos seus livros, propondo um movimento de mediunidade independente, fazendo talk shows, programas de rádio. Ganhando um espaço que era preenchido por ele, pelo dom dele. Valendo-se e aplicando a sua força, o seu dom e de posse desse potencial, os parceiros iam juntos. E juntos romperam barreiras e fronteiras.

Gasparetto libera a mediunidade brasileira dos centros espiritas. Liberta os médiuns dos aspectos religiosos, não que não sejam importantes, relevantes, mas ele abre mais o leque, as dimensões, as possibilidades. Pode-se ser médium, sensitivo sem que para isso seja essencial desenvolve-la num centro. Ele vai desvelando formas, técnicas para que o sensitivo perceba sua mediunidade como uma habilidade que ele deve aprender a usar em seu benefício e dos outros. Uma habilidade, uma ferramenta a ser utilizada, compreendida, estudada e a medida me que se faz isso, internamente, subjetivamente se aprimora. Esse aprimorar interno abre novos caminhos, meios, procedimentos, conquistas para os indivíduos. É uma mediunidade sem lágrimas, sem dor.

Gasparetto puxou a fila para que pudéssemos falar de médiuns independentes, de paranormais que cobram, de pessoas que fazem uso dos seus talentos e dons para auxiliar a si mesmo e o próximo, mas sem a soberba de uma caridade, de uma humildade disfarçada de orgulho e presunção. Gasparetto foi um dos primeiros médiuns espiritas a não mais alimentar economicamente, financeiramente, lideres espiritas que vivem de uma caridade que não é deles. Vivem de roubar direitos autorais de médiuns. Gaspa, Marilusa cortam isso. Criam suas editoras, suas gráficas. E isso pode parecer ruim aos incautos, mas ajuda até os infelizes que viviam dessa forma de exploração a crescerem, se mostrarem, se verem.



Essa é a força que permeia a energia de Gaspa em todas as etapas, a necessidade de se reinventar, se criar, se lapidar em busca de se tornar melhor do que se está. É um processo incessante, constante. De forma que com Gasparetto e Calunga alguns equívocos, alguns escapes, muitos deslizes, se fizeram impossíveis. Ele nos ensinou direta, ou indiretamente a não fugirmos de nós mesmos. Com ele fomos e somos convidados e obrigados a observamos a nossa dimensão subjetiva. Somos convidados a perceber o fenômeno mediúnico em correlação com nosso universo subjetivo e na confluência de ambos, ele desvelou o psíquico. Creio que poucas pessoas compreenderam no plano físico o psíquico com tanta profundidade, com tanta segurança, com tanta elegância quanto Gasparetto. Ele foi um dos poucos encarnados no século XX, XXI que viu o psíquico como veem os preto-velhos e amigos siderais. Um olhar que para dizer o mínimo e o simples, o psíquico é a força motriz do espiritual, ou o inverso, o espiritual se concretiza enquanto força motriz e fixadora no psíquico. Essa força não é um local como a mente encerrada em um aparato biológico como muitas teorias psicológicas desenvolveram.

Gaspa expandiu demais esse conceito de mente. Mente é ou pode ser inteligência coletiva. Inteligência coletivas, conscientes ou não desse aspecto conseguem modelar espaços, tempos, símbolos, memorias, lugares. Ou seja, a mente é uma dimensão e Gaspa entrava e saia dela como poucos. Localizava as pessoas em diversas camadas, níveis e conseguia retirá-las desses lugares. Gaspa fazia isso com muita elegância, como um grande artista que é, que foi, continua sendo. 



Essa relação do universo psíquico com o fenômeno mediúnico vai demorar mais 50 anos para academia levar a sério. Gaspa precisava ter uma linha de estudo, de pesquisa nas faculdades de psicologia de todo Brasil, assim como Lúcio Packter na de filosofia. Porém isso não vai acontecer, porque este escreveu em português e aquele praticamente não escreveu, não publicou. Seus ensinamentos estão em áudios, cursos que não tive paciência de fazer, mas que reconheço como brilhantes, sensacionais, inovadores e ponto de partida aos espíritos novos que estão chegando.
Igual os caras para conversarem conosco partiram de Freud, Jung, creio que para gente conversar com a geração que já está aí teremos que começar com Gaspa, Packter, Hellinger e outros.

Gaspa transcendeu a psicologia, ou melhor, concebeu uma psicologia profunda, xamanica, inspirada, integrada, na qual entidade, médium, dialogam num nível que ainda estudamos, mergulhamos parcamente. Outros censuram, recusam a ver, seja esses outros formados da área psi, ou médiuns, dirigentes, de centros espiritas, espiritualistas. Em ambos há um sistema de crença que se fecha ao novo. Em ambos os dogmas são mais fortes do que o prazer da descoberta.

Esse caminho inovador de Gaspa, sempre o levou a rupturas. Rupturas dolorosas, sofríveis para ele, mas que o amadurecia, o fortalecia, o colocava mais perto de si mesmo. Isso para dizer, que ele como todo buscador morreu várias vezes, teve várias fases, como o seu mestre, seu parceiro mais perto e dileto, Picasso. Várias fases, com diversas cores.

Certa feita o mestre de Málaga me disse algo como: “para cada amor uma cor, uma fase, uma inspiração. Isso faz com que a gente ame mais, ame melhor, aquelas que ficaram, aquelas que estão. Cada amor é uma superação. Uma re-invenção.” Foi nessa que eu inventei a fase azul, mas passado três meses uma grande amiga morreu.



Pensando nas rupturas, eu menciono com o CRP (conselho de psicologia). Depois com a união espirita, mais tarde com os kardecistas. Porém, longe de estar errado, ele estava abrindo espaço para nós que viemos depois. Nós que sendo médiuns não queremos subscrever o fenômeno numa única perspectiva e olhar. Nós que desejamos explorar essa dimensão numa perspectiva mais integrada, ampla, holística. Um olhar que passa por nós e se integra conosco, em nossa forma de fazer e estar no mundo. Se você faz psicologia, não se sente muito normal, busque um pouco do Gasparetto, creio que ele seja o que te falta para si compreender e conseguir compreender o outro.

Gaspa nos fez isso. Nos deu força, coragem. Assumindo a sua homossexualidade, quando isso era e é tabu no meio religioso. Expondo um orientador espiritual negro- Calunga. Num lugar que faz com que negros e índios sejam tidos como espíritos inferiores. Há casas kardecistas que desejam doutrinar preto-velho porque falam errado. Esse racismo não é da entidade, nem da doutrina e Gaspa, indiretamente, nos fez olhar para isso. Fez mais, deu um novo significado e uso para o “dai de graça o que de graça recebestes” e tirou a culpa de ganhar dinheiro, de ser feliz, de gozar a vida e buscar o melhor de médiuns e religioso. Ganhou dinheiro sem culpa, valendo-se da sua habilidade de compreender o universo interno das pessoas. Uma habilidade que lhe era natural, mas ele aperfeiçoou muito estudando com os melhores mestres e professores. Dispenso falar dos muitos médiuns que Gaspa auxiliou economicamente.

Para muitos, os que foram contemporâneo dele, ele é um proscrito, um maldito, uma aberração. Mas, para nós e os que virão depois de nós, ele será visto como um pioneiro. Alguém que acendeu archotes enquanto tudo estava escuro, obnubilado. Um dos que nos deu condições de chegarmos aqui e irmos além. Aquele que desvelou o fenômeno da pictografia como a co-criação de paisagens internas e dimensões coletivas. Aquele que conseguiu sair do universo do fenômeno, médium pictográfico, para homem notável, que se encontrou, se realizou em vida. Alguém que deixou de ser o fantasminha camarada, aquele amado por todos, como um prodígio, um fenômeno, que buscava agradar a todos de encarnados a desencarnados até se tornar o homem integral. Aquele que passou a se colocar em tudo o que fazia. Aquele que se fez artista de SI MESMO.


Gaspa nós te amamos!! Grato por tudo.


sexta-feira, 23 de março de 2018

TEOLOGIA DA PROSPERIDADE: a miséria espiritual.

Seria fácil falar da teologia da prosperidade numa perspectiva meramente religiosa. Gostaria de reduzi-la a esse nicho, apontar uma meia dúzia de igrejas, uma dezena de pastores e aclarar o que pretendo expor. Porém, é algo mais árduo, mais demorado, menos específico. O que pretendo denominar como Teologia da Prosperidade diz respeito a um conjunto de ensinamentos que se baseando numa concepção distorcida do sentido da gratidão, produzem sensação de fracasso, miséria moral e espiritual ao invés de dar solução. Preciso que venham comigo.

I- 


Há energia mais graciosa do que a GRAÇA? Há atributo mais abundante do que a GRATIDÃO? Eu lhes respondo, não há. Tudo que somos emana da Graça e tudo o que podemos ter e somos é fruto da Gratidão.
Esse pulsar preenche a existência. O que somos, o que podemos ser é fruto dessa relação. Posto isto a pergunta que se segue é: pode-se ensinar sobre a GRAÇA? Pode-se tornar alguém grato a Deus, à vida, ao outro? Provavelmente não, e isso é o início da miséria e das falácias que cercam essas palavras. Então, quando falamos de graça e gratidão conjuntamente estamos falando de FELICIDADE, PLENITUDE, PROSPERIDADE, RIQUEZA. Na tradição cristã há três símbolos que representam isso: Pedro, a rocha. Jesus, o Cristo. Maria de Magdala, a "amaldiçoada".

Pedro era um pescador. Era feliz dentro do seu mundo, pescando no lago de Cafarnaum. Tinha o necessário para viver. Não passava fome, tinha um teto, tinha família, possuía amigos. Pedro era rico, mais a frente vou aclarar o sentido de riqueza. Um dia, ele conhece Jesus. Este nasceu em uma manjedoura. Dele mesmo pelo que se sabe não tinha nada, talvez a carpintaria do pai em Nazaré. Mais nada. Não tinha duas túnicas, ou duas sandálias. Não tinha um travesseiro para repousar a cabeça. Não se fala dele com moedas no bolso. Dele mesmo, ele tinha o corpo, porque até a vontade ele atribuía a Deus, seu pai. 


Alguém ousa chama-lo de pobre? Alguém? Mas, economicamente ele era e isso nunca lhe importunou. Jamais foi ao templo orar pedindo dinheiro para o seu Pai que ele ensinou ser nosso também. Não se tem relatos dele organizando campanhas de doações para aumentar o tamanho dos templos. Não se tem notícias de que os que se aproximavam dele eram levados a fazer ofertas e apostas contra Deus para ele lhes honrar. Não obstante, conta-se que quando parou certa vez para ver as pessoas indo ao templo, chamou atenção para uma pobre viúva que dava parcas moedas e nos ensinou dizendo algo como: ela dá daquilo que ira lhe fazer falta, os outros tiram de onde há muito mais.” 

Sim, para o Neymar dar cem mil reais é muito, mas é pouco. Um assalariado dar 900 reais é pouco, mas é tudo. Em todo Novo Testamento a ideia de riqueza é outra. A riqueza no novo testamento não é a ostentação, a exibição pública, pelo contrário, são os atos internos, silenciosos, de completa cumplicidade entre o sujeito e Deus. Riqueza no novo testamento é o crescimento dessa relação intima com Deus sem mediadores, sem platéia. É assim que pode-se ver a passagem da viúva, é assim que pode-se ler os pedidos que Jesus fazia para que os curados não comentassem nada para ninguém. É assim que ele pode dizer: " Dai a Cesar o que é de Cesar. E em outro momento: "atire a primeira pedra quem nunca pecou." 


Em cada um desses ensinamentos, ele está ensinando sobre um tesouro onde as traças não roem. Ele está falando de uma riqueza imperceptível aos homens daquela e da nossa época. Tanto lá quanto cá compreende-se como riqueza as roupas de Salomão e os palácios que ele edificou, porém Jesus nos falava dos lírios do campo. Antes dele alguém tinha visto beleza nos lírios do campo? 

Pois bem, os adeptos da teologia da prosperidade captam a essência prospera de Jesus, mas o transforma em miserável quando constroem esse discurso de conquista, cobiça, querer, desejar, ostentar em detrimento de ser.  

Esse homem pobre, até mesmo se comparado a Pedro que tinha barco, casa, desvelou um mundo que Pedro pôde ver o seu tamanho. Pedro poderia ter morrido sem conhecer esse universo que Jesus lhe possibilitou. E ele seria sem esse conhecimento, porém quando conhece, ele ganha uma riqueza que o eleva e o posiciona como SER na melhor acepção da palavra. É sem dúvida um dos encontros mais lindos da Bíblia, porque aquele estranho de olhar doce o persuade a voltar ao mar. Segundo alguns faz mais: entra na embarcação e no alto do lago diz a Pedro: “joga as redes!” Pedro um teimoso, um orgulhoso, um vaidoso se nega e deve ter jogado com muita resistência. Talvez tenha jogado só com a intenção de provar que não havia peixes e humilhar aquele estranho atrevido que tentava lhe dar 'ordens'. 


Mas, depois de jogar a rede, depois de ter sido acolhido por aquele olhar, Pedro não seria mais o mesmo. Ele não sabia, não tinha como saber. Tirando a vez em que Krishna foi estreitar diálogo com Arjuna em pleno campo de batalha nunca mais na Terra tivera um encontro e um diálogo como aquele. Pedro, fica sem chão, sem referência quando ao arrastar a rede há centenas de peixes. Fica estarrecido quando o estranho lhe diz que ele não pescaria mais peixes e sim homens.

Pedro foi pescado, fora fisgado. Ele não sabia. Pedro podia ficar sem peixe mais uns dias, mais alguns meses. Isso fazia parte do mundo que ele habitava. Ele compreendia aquela natureza, aquele universo. Pedro conhecia aquele lago, aquele barro, aquele solo com cheiro de Mediterrâneo. Mas, o que ele tinha visto, ouvido, ele nunca ouvira falar. Aquilo que ele veio a conhecer e a ser, ele não imaginava. E como se paga isso? Como se retribui a GRAÇA? 

Pedro era apenas mais um pescador de Cafarnaum, por que ele? Por que um ser daquele tamanho, com aquela magnitude o escolhe? E, o escolhendo como ele pode retribuir? Como ele pode pagar? 

Não se tem outra possibilidade senão servindo. Pedro saiu da riqueza material para a riqueza espiritual. O pescador fisgado iria aprender a fisgar almas e quando ele acha que domina esse oficio, quando ele acha que é o especial, quando ele acha que pode ser o dono da GRAÇA, eis que Jesus, o seu amigo, o seu herói, o seu tudo, lhe olha no momento mais doloroso e angustiante da existência e lhe diz num tom que se saísse da boca de outro poderíamos pensar se tratar de raiva, mas era de alerta contra a soberba e a vaidade de Pedro, de cada um de nós: “antes que o galo cante, você ira me negar três vezes!!!”



Foi uma bomba no coração de Pedro. Ele que não era o mais esperto, nem o mais inteligente, nem o mais sensível entre os apóstolos, mas era o mais fiel. Acreditava ser o mais fiel. Ser acusado de traição, de traidor? Ele que deixara tudo para seguir o seu mestre e agora estava em Jerusalém, longe de casa, da própria vida. Doeu. Magoou, feriu. Mas, o mestre precisava alertá-lo. E quando o galo cantou e ele havia negado Jesus por três vezes, a decepção dele para com ele mesmo foi imensa, enorme. Onde um orgulhoso esconde seu fracasso? Em quem ele poderia lançar a culpa? Se não tivesse sido advertido pelo seu mestre, amigo, jamais se recuperaria. Jamais. A advertência foi a salvação psíquica dele. E, quando os dois se reencontram, Jesus lhe pergunta: “Pedro, filho de Jonas, você me ama? Apascenta as minhas ovelhas.” Ele repete a pergunta três vezes. Era fundamental ele afirmar esse amor três vezes. 
E gravado no coração, na alma, Pedro se torna o representante da Graça, o que ele liga na Terra está ligado no céu e o que ele liga no céu está ligado na Terra. Isso é PROSPERIDADE.



II- 

É estranho não reconhecermos o lado simbólico dessas representações. Mais estranho é não compreendermos o lado concreto dessas situações. E por ignorarmos isso somos confundidos, somos enganados, somos manipulados.

Para os judeus não há Messiah que não seja rei, ou seja, não há poder temporal sem poder espiritual. Por isso esperam ainda por um Messias, Jesus na concepção deles é apenas um profeta. Seria o enviado se tivesse lutado contra os romanos e garantido um poder de orgulho, ostentação e temor. Se tivesse livrado Israel do julgo romano seria o messias deles. Esse é o papel temporão, esse é o papel dos humanos que talvez coubesse a Jesus não fosse ele o Cristo. Esse é o diferencial entre os profetas, os reis, os que batizavam com água. Ele trás o fogo divino, nele o pai, ele e essa presença divina se fazem um. 


Ele se negou a fazer esse papel. Afirmou que o reino dele era de outro mundo. Tentou nos mostrar que essa luta não finda, não termina, precisamos de consciência. Uma consciência capaz de compreender que as dualidades são dois lados de uma mesma moeda. Energia.
Então, 'dinheiro é bom sim se essa é a pergunta'! Ter dinheiro e ser rico não é pecado, pelo contrário, porém isso é muito diferente de buscar a Deus para ter casa, carro, Smartfone. Transformar o evangelho nisso é de uma pobreza miserável descabível. Apenas miseráveis conseguem transformar a riqueza em teologia da prosperidade como estão fazendo. E fazem na música, no esporte, nos aconselhamentos, nos coach. Ficam ensinando a miséria e o pior é que ensinam isso roubando a riqueza das pessoas.

Pedro era rico, sempre foi. Não podia deixar de ser. Quando, ele conheceu Jesus, ele passou a ter riqueza material e espiritual. Pedro foi a lugares que nunca sonhou, esteve com pessoas que nunca imaginou que existia. Viu coisas que marcam a alma dele para o resto da existência. Mas, se Pedro estivesse no século XXI seria convencido de que era pobre. Seria convencido a achar que o universo devia alguma coisa a ele, que as pessoas devem alguma coisa a ele; por ele ser filho de Deus ele não pode aceitar a casa que ele tem, o barco que ele tinha. Ele tem que QUERER mais, DESEJAR mais, CONSEGUIR mais, porque só assim ele honra Jesus, ele honra DEUS. Pedro seria transformado em um miserável. Sentiria-se derrotado, porque as ambições dele não seriam atendidas, ou seja, ele não compreenderia que elas não são atendidas, justamente para que ele não perca o que há de divino e prospero nele. 



III
Quem promove esse discurso sabendo o que ele é, não serve a Cristo. Serve a outras forças. Percebam que Pedro melhorou a vida dele e isso é lindo. Entendam que você deve e pode melhorar a sua vida, a dos seus amigos, irmãos, pais, familiares, conhecidos. Entenda que essa melhora se faz pela GRATIDÃO e o caminho que os teóricos da prosperidade ensejam é o da provocação. Claro que funciona, óbvio que dá certo. Jaco lutou contra o anjo. Os dois exauridos, o anjo querendo ir embora e Jaco lhe diz: “ só te soltou quando o senhor me abençoar.” Ele recebe a benção do anjo e o mesmo dá a ele outro nome- Israel. E a vida dele muda.

Mas, você não precisa brigar com anjos todas as noites. Você não precisa desafiar os céus toda a sua existência. Basta aceitar a GRAÇA e ser GRATO. O crescimento disso não é imediato. Você não vai acordar amanhã numa mansão, a não ser que já more em uma. Porém ao longo dos dias, dos anos, sua vida vai sendo conduzida para isso, é o caminho natural. Simplesmente, um momento sua energia não cabe mais naquele ambiente, você cresceu, expandiu, igual feto na barriga da mãe; igual recém nascido que do berço vai para cama. O crescimento do universo é natural. 


É preciso muita força, muita violência, muita crueldade para que a pobreza, a feiura, triunfe, prospere e se reproduza. Elas não são naturais, pelo contrário, e agora caminho para o fim.








IV
Sabemos que há forças que fazem de tudo para que a gente enquanto humanidade não cresça, não avance. E, vocês devem imaginar, saber que há seres lindos e maravilhosos como Jesus que lutam por nós e conosco a cada instante, momento.

Conta a lenda que era preciso a gente compreender que a riqueza é divina, que Deus é rico, prospero, abundante. Precisavamos ensinar entre as pessoas, especialmente, as religiosas, que ser feliz, ser alegre, ser gostoso, fazer sexo em plenitude, gozar deliciosamente, gastar dinheiro, ter dinheiro, sentir prazer em ir a um bom restaurante, nada disso é pecado. Pelo contrário, Deus, os parceiros dele ficam altamente felizes e satisfeitos com nossa felicidade, com nossa plenitude. 

Assim, reza a lenda, que para isso acontecer, era preciso quebrar algumas dicotomias, quebrar uns paradigmas, isto é, modelos que a gente tem na cabeça, na sociedade. Sendo assim, muitas pessoas vieram com a missão de fazer isso. Estava dando certo. Os caras vieram ensinar que podemos nos apropriar das coisas e usufruirmos delas; mas qual foi a tentação, a casca de banana na qual temos derrapados, na qual transforma esse discurso de amor, de prosperidade em miséria moral, espiritual, econômica?

Antes da resposta, uma última referência, dessa vez a uma estória da mitologia grega. Gostaria que mentalmente, vocês comparassem esse rei a Pedro.

O nome do Rei é Midas. Midas era rico, tinha tudo o que o dinheiro podia comprar. Tinha filhos, esposa, mas ele desejava mais, queria mais. Por ironia do destino, Sileno estava perdido e foi levado a sua corte, onde foi muito bem tratado. Depois de quase duas semanas, Midas o leva de volta para Dionísio. Este agradecido garante a Midas o direito de fazer um pedido e o tê-lo concedido. Midas, seguindo a ambição do seu coração, o seu desejo de QUERER, CONSEGUIR, DESEJAR cada vez mais, pede para que tudo o que ele tocasse virar ouro.
Midas fica embasbacado com a sua capacidade, vai tocando os mais diversos objetos e todos vão se transformando em ouro. 

Aposto que ele deve ter organizado um banquete para mostrar a todos o seu poder, pura OSTENTAÇÃO. E, tudo caminhava bem, até que ao tentar se alimentar, os alimentos viravam ouro antes dele levar a boca. A água, o vinho tinham a mesma sorte. Até a filha que foi abraçá-lo se transformou em estátua de ouro. As pessoas foram se afastando, afinal a qualquer toque, elas perderiam a vida. Caminhando para um estado de inanição, Midas roga a Dionísio que desfaça aquele pedido, que ele possa voltar ao normal. Dionísio lhe pede para se banhar em água corrente que o dom desapareceria. Assim, ele faz e volta ao normal. Pode tocar as coisas, pode abraçar a filha. Mas, conta o mito que ele resolve largar tudo e seguir Dionísio, porém essa é outra estória, tem a ver com a Gratidão, com a retribuição, mas é outra estória. 

O legal é compreenderem como a teologia da prosperidade tem esse toque de Midas. Como que eles insistem nessa visão miserável de que transformar o mundo em ouro é riqueza. Porém no mito, riqueza é poder se banhar na água do rio, isto é, permitir o fluir da existência com suavidade, com alegria, com prazer. 


Riqueza é a de Pedro que pode pescar, sabe pescar, depois aprende a pescar almas. Não há riqueza maior. Porque quando estamos falando dela, o que a mede não é a conta bancária e sim esse estado de PLENITUDE e FELICIDADE que ela lhe garante e lhe assegura.






Claro que Pedro tinha uma dor, um vazio e foi preenchido por Jesus, por Cristo. Obvio que Midas tinha uma dor, um vazio, que num primeiro momento, ele preencheu com riquezas, depois com ouro. Mas, a vida pôde mostrar para Midas o quanto ele era MISERÁVEL e ao largar tudo e seguir Dionísio, ele encontra um sentido.


Os coaching que ensinam a vida como luta, os artistas da ostentação, os teólogos da prosperidade são todos MISERÁVEIS. E em suma, o que eles ensinam, no melhor estilo de praga dos infernos, de devoradores de almas, é a você vender a sua riqueza divina para obter a MISERABILIDADE FINANCEIRA que eles são portadores a partir da ilusão que vendem. 


“buscai o reino dos céus e tudo lhe será dado por acréscimo.” No Evangelho riqueza é aceitar o que se é. 











domingo, 4 de fevereiro de 2018

GRATIDÃO

Isso aconteceu lá nos meses finais do ano de 2017. Uma visita rápida, breve, apenas para saber como a moça estava se recuperando, como vinha evoluindo do quadro que se encontrava. Durante a visita algumas imposições de mãos, alguns toques específicos, furtivos, bem discretos e sutis, pois estamos no hospital.


Quando termino a realização dos toques, fico observando a moça deitada. Discretamente, olho para a irmã que a acompanha e naquele silêncio gracioso recebo um olhar que eu chamei de GRATIDÃO. Um olhar que entrou na minha alma por completo. Deixou-me ao avesso. Um olhar inesperado como beijo roubado, igual toque despretensiosamente mal intencionado no corpo do outro. Um olhar nu, desvelado, repleto de abundância. Um olhar que adentra minha alma, revira meu ser e destrava espaços, padrões, fechaduras e cadeados trancados a sete chaves, a setenta vezes sete segredos. O olhar daquela moça transporta uma candura, uma doçura, uma reciproca, um amor que está além de tudo o que convencionamos; além do que tento exprimir em palavras. O olhar dela abraçava meu ser de dentro pra fora, por inteiro. Um olhar acompanhado de uma fala que a única palavra que me lembro foi: obrigada. Mas, as palavras dela eram olhar e minha única ação diante dessa ação foi abraça-la. Até onde eu sei não tinha nada ali a ser feito a não ser permitir o encontro de dois corações. Deixa-los bater no mesmo ritmo, numa mesma cadência de felicidade e gratidão. 

II

O olhar da moça me retornou à dimensão da gratidão. Palavra ultimamente tão gasta, tão prostituida. Todos dizem gratos, pedem gratificação em vez de salário, pagamento como que associando o dinheiro a uma impureza e sublimando um sentimento que não se tem, não se possui, ao ponto de chamarem empregados e funcionários de colaboradores e manterem uma relação escravagista.


Quando acesso o olhar da moça, a energia transportada pelo olhos dela é algo que não tem preço. Não há nada que eu receba, não há preço que possa pagar a expressividade daquela moça. Como em certa medida, fazendo um deslocamento e indo em direção ao universo dela, posso insinuar que ela daria qualquer coisa, pagaria qualquer preço por aquele estado. Está troca é de uma riqueza impagável, incalculável. Esse nível de riqueza é o que mais se aproxima do dai de graça o que de graça recebestes.

A frase fala desse estado vibracional de imenso amor, carinho, respeito, sacralidade e despojamento no qual não se tem cobranças, não se tem o código de defesa do consumidor de um lado e a busca pela implementação do ISO 9000 de outro. Há uma entrega, um acolhimento, uma troca amorosa que culmina nesse estado de gratidão. Nessa plenitude graciosa e dadivosa.

E isso me empele de novo ao receber, agradecer, redistribuir. E esse ato não importa se você faz sem cobrar, ou se você cobra um bilhão de reais. O que de fato está sendo trocado, a magia que de fato está ocorrendo não pode ser paga por nenhum dinheiro, por nenhum imóvel, por nada material. Ao mesmo tempo em que o material apenas simboliza e por vezes interdita essa beleza de funcionar. Quero dizer que uma pessoa poderia te dar uma galinha, outra te dar uma ilha, outro uma fazenda, outra um carro, outra cem reais, outra uma bala, outra um abraço; porém tudo isso representaria, simbolizaria o olhar terno, mágico, leve, sagrado, grato da moça. É essa troca que vai além do comercial, do material. Essa troca envolve a engrenagem invisível que movimenta nossos feitos, nossos afazeres. Essa energia é sagrada e envolta no sacro-ofício que vai da carpintaria de Jose, relaciona-se com o ser veículo para a materialização de um novo ser tal qual Maria e todas as mães, ou como o sermão na montanha, ou lançar redes ao mar.  

III



O olhar da moça entrou em minha alma. Eu estava impotente diante daquilo. Não sabia o que falar, o que dizer, então eu apenas a abracei e recebi aquilo que ela me dava e o que ela dava não há dinheiro que pague. O que ela dava não tem nada material que seja capaz de valorar. Num olhar, ela se deu por completa, por inteira e os efeitos que isso causou em mim foram avassaladores. E se ela me desse todo ouro, toda mirra e todo incenso simbolizaria todo amor, toda prosperidade, toda luz que havia naquela troca.


No olhar daquela moça, eu vi o que meu trabalho produz. Consegui ter um vislumbre do que recebo e pude ver o movimento da GRATIDÃO  e os seus efeitos na minha alma. E talvez tenha se dado por ter sido tão inusitado, tão inesperado, tão indireto. Eu não estava esperando nada e aquilo foi tão glorioso que desci os seis andares de escada, caminhei toda Alameda Ezequiel, adentrei o Parque Municipal para compreender o que tinha acontecido. Que energia mais graciosa, encantadora. Que energia mais generosa e amorosa era aquela. Que coisa elegante é essa tal de gratidão.

Pessoas apressadas, desavisadas acerca da sutileza dessa energia tendem a confundi-la como sexual. Não que ela não seja. É que transportá-la para esse nível é uma redução selvagem, ogra. A gratidão está lá no sétimo céu e claro que a pessoa que demonstra isso para você tem afeto por você. Obvio que esse afeto pode se tornar e se fazer genital, mas é fundamental professores, alunos, mestres, gurus, compreenderem que essa afeição é de outra ordem e de outro campo.

Insisto no entendimento que quando falamos dessa diferença de nível não estamos elevando o espiritual  e diminuindo o sexual, tampouco separando-os. Estamos só querendo mostrar como isso é facilmente confundido, especialmente, em momentos de carência, de fragilidade, ou de ‘esperteza ao contrário’ como diria Estamira.


V

E aqui sugiro algumas coisas que aparecem no consultório, nas consultas, tem a ver comigo e talvez faça algum sentido para você:

UM: RECEBA!

Venho a muitos anos falando para muitas pessoas que o problema delas, enquanto dinâmica existencial, está em não conseguir receber. Grandes partes das pessoas que atendo não têm problemas em dar. São boas pessoas, estão e têm um padrão vibracional interessante, porém, elas não sabem receber. Aceitar receber, ter a HUMILDADE de receber o que a vida dá é tão difícil, porque mexe no orgulho. Quando você está dando, você se encontra numa posição que o seu ego acredita estar no controle, mas quando você recebe, para o ego, você está numa posição abaixo e esse contraste, essa oposição obstaculiza a vida, o fluxo do existir, porque nela há a dinâmica da troca. Uma troca que médiuns, espiritualistas quebram a corrente por acreditar que vieram no mundo para pagar, então eles só dão, só doam e a vida fica querendo nos dar, em nossa porta se acumulam flores e frutos e não os recebemos, por ORGULHO, PRESUNÇÃO, VAIDADE. Então aprenda a receber.

DOIS: PERCEBA

Aquela moça entrou em uma parte minha que estava trancada, travada e ela abriu mil portas com uma delicadeza, com uma elegância, com um desprendimento que não houve luta, não houve resistência. Ela me dava, se doava. Dava tudo o que ela tinha, doava tudo o que ela era e eu acolhia, recebia em mim. Fiquei percebendo a movimentação dessa energia na minha alma, nos meus espaços subjetivos.

Nessa dinâmica não tinha mais um ego que consciente ou não gosta de se elevar, gosta de acreditar que há uma superioridade no ato de dar. Ali o que eu recebia tinha o mesmo carinho, a mesma carga de tudo o que eu dou e só aí eu fui compreender o carinho de muitas pessoas para comigo, o respeito de muitas delas para comigo. Eu nunca compreendi e só não era mais seco, mais rude com isso, porque fingia ser sociável, mas definitivamente, nunca entendi até aquele olhar.

TRÊS: AGRADEÇA



Nesse dia, sincronisticamente, quando eu cheguei em casa, uma dupla de amigos que tínhamos combinado de irmos ver o jogo do Ronaldinho, depositaram um dinheiro para mais alegando que pagariam a minha. Em outro momento, eu não aceitaria. Em momentos anteriores, questionaria o ato, mas depois daquela dinâmica, eu só disse a eles que recebia de coração. E, recebia devido a isso, era um carinho para além do valor monetário. 




terça-feira, 26 de dezembro de 2017

A DANÇARINA


Meus olhos ficam fixos ao corpo dela. Um corpo que tem inteligência de alma, encanto de terra, tipo castelo de areia feito por crianças imersas no ato de brincar. O corpo dela se movimenta como serpente- pura sedução ondulante. Exala padrões como harpa alada. Fico olhando para ela e tentando traduzir o que os movimentos dela provocam em mim e sem descrever parte por parte, reparo que meus olhos cintilam, pulsam os sentimentos e desejos do meu peito. Mas, por um instante, quando consigo sair desse torpor que a sua dança e seus movimentos me envolvem, observo ao redor que o meu olhar não é único. Todos a olham. Todos a cobiçam. Todos a desejam e as moças a ‘invejam’. Do corpo dela sai padrões de luz que magnetiza o ambiente. Diante dela somos seres hipnotizados. E fico me perguntando: o que será de nós se ela nos escolher? Como um homem pode dar conta de toda essa energia? De toda essa sensualidade? Como compreender que isso é ela, dela e não deveria ser controlado?

O mais comum é que ela escolha um de nós que tem a força suficiente para orná-la, mas por ironia muda da vida, por despreparo, acaba-se por cerceá-la, limitá-la, podá-la e há casos até de espancamentos. Trágico e estúpido final do despreparo. O mais comum é que ela seja aprisionada. Afinal, como resistir a força dessa graça, dessa leveza, dessa beleza? Poucos resistem, poucos a compreendem. 



Estou buscando caminhos, indicações entre as dançarinas. Aqui, conto apenas alguns padrões que vi, observei de como que na privação da dança morre-se a alma. Como que na servidão voluntária a um amor, a um parceiro, a uma família muitas dessas mulheres se mortificam. O contraponto importante é que as mulheres comuns (não que seja possível ser comum e mulher), as mulheres que não dançam, se aprendessem a dançar; praticar a dança pode trazer a elas esse empoderamento, esse engajamento da alma com o corpo. Essa sedução sem culpa que amalgama o gozo com a beleza infinita do instante. Aquele brilho no olhar que acende estrelas e faísca corações. Esse caminho, esse encontro, se faz muito possível pela dança.

Bom, agora que já marquei o ritmo, demos uma cadência, posso fazer volteios, segure minhas mãos e já voltamos para os mesmos passos.  

A mitologia fala das sereias. Naqueles relatos somos levados a acreditar que o poder de sedução das mesmas vem do som, vem do canto, mas conversando com Ulisses ele me contou que não era bem assim.
Reza a saga que Odisseus/Ulisses em seu retorno a Itaca, sabendo que passaria pela ilha das sereias coloca cera nos ouvidos dos seus marinheiros e se amarra ao mastro do navio, dando ordens de que não o desamarrassem por nada. Odisseus o mestre das estratégias estava seguro que era o som, o canto daquelas sedutoras que causava naufrágios e desastres às embarcações. Não era bem isso como ele irá nos contar. 

Vejam, que Ulisses não podia se dar ao luxo de se deixar seduzir, porque Penélope sua amada o esperava. Enquanto todos o davam como morto, enquanto preparavam o casamento dela com outro, ela criou o ardil, a estratégia de se casar somente depois de tecer seu manto. E, assim durante o dia, a frente de todos, ela tecia e a noite, entre lágrimas esperançosa, ela desfazia o que havia tecido, enrolando seu casamento por anos. 

O que Homero não nos conta, mas nos deixa implícito é que ambos se moviam em direção ao seu amor. Ou melhor, ambos não se perdiam, porque tinham um amor para reencontrar, recuperar, dizer adeus e isso os uniu mesmo a distância. Isso os fez um, mesmo quando separados fisicamente.

O tempo de Penélope junto a Ulisses permitiu a ela encontrar ardis, estratagemas racionais capazes de congelar os desejos dos homens. Já Ulisses absorveu de Penélope a segurança de não se deixar hipnotizar por nenhum outro olhar afora o dela, nenhum outro corpo senão o dela e nenhum outro canto, senão o dela. Que ensinamento mais estranho é esse? Mas, é o ensinamento do corpo, é o ensinamento da dança.

Penélope me contou esse seu segredo que fez com que mesmo diante das sereias, seu amado voltasse, ela me disse: “eu danço para ele todas as noites!”

Os leitores e as leitoras mais desatentas, menos afeitas a essa energia guardada no corpo deve estar se perguntando: e acaso dançar para um homem faz com que ele retorne todas as noites para casa?

Penélope deve estar rindo, como somente as gregas riem, com aquela ironia que Sócrates aprendeu de sua mãe. Aquele riso cínico, estoico, brejeiro, debochado, vencedor, como quem diz: “não querida, dançar para um homem não faz com que ele venha para casa todas as noites, faz com que ele não tenha nenhuma outra morada fora do seu corpo.” 

É estranhamente mais forte. É estranhamente mais grego e isso Platão não compreendeu, consequentemente o cristianismo também não e repudiou o paganismo, enfim, eles censuraram o corpo, acharam que limitarias as mulheres quando na verdade castraram os homens. Qualquer sereia nos seduz. Não que as sereias não sejam encantadoras, é que elas são uma parte das mulheres e quando elas (mulheres) são privadas de lidarem com essa parte delas, nós desaprendemos a totalidade da entrega, da confiança, da segurança que Penélope possui. 

Antes que eu me esqueça, Penélope era uma eximia dançarina. Uma mulher grega aprende a reverenciar a deusa Héstia, a deusa da lareira. Um dos componentes fundamentais desse ritual é mexer os quadris. É acender o fogo, o caldeirão sagrado. Algumas precisam fazer isso para muitos homens, algumas apenas para um, mas todas elas fazem na dimensão do sagrado. 


Saio do mito e volto à realidade, porque essa energia da dança me fascina. Toda mulher deveria dançar, obrigatoriamente, uma vez por semana. Deveriam se reunir igual nós homens vamos jogar futebol, vamos ver futebol, mulheres deveriam se reunir para dançar. 
As escolas deveriam ensinar as meninas no ensino médio a dançarem e nessa dança que pode ser sagrada como a dança cigana, a dança do ventre, ou pode ser quadradinho de oito. 
A mulher só entende a sedução se ela dança. E é aqui que quero falar desse conflito, dessa ruptura. É aqui que quero retornar os passos que Odisseus me contou e Homero não relatou porque ele pediu segredo de 2700 anos. 

Ulisses falou que a sedução das sereias não era o canto, um cego as ouviria e sairia ileso. Não estava na beleza estonteante e impactante, seus marinheiros a viram, mas por não a escutarem continuaram. O segredo delas é que a voz é forma e a beleza é som. A sedução se dá na mistura fina, refinada do canto com o rosto; do rosto com o movimentar do rabo; o rabo com o movimento dos cabelos. Movimentos que Ulisses via todas as noites no bailar e locomover de Penélope e no centramento que ela lhe ensinou- amarre-se no seu mastro. Como ele acabou sendo colocado no navio. Contava ele que naqueles momentos, ele se conectava a sua amada em Itaca e só queria estar junto dela. A sedução das sereias uniu uma parte dele que lhe faltava consciência. E, quando as sereias não conseguiram seduzir, elas se perderam, dizem que morreram. Na verdade, elas despertaram para a beleza do ser mulher. 

Em suma, Ulisses me mostrou que toda transcendência é corpo, sensualidade. É o corpo que transporta a alma para outro nível.

Mentira, é uma linguagem que só pode ser mostrada, por isso Homero não disse nada, não escreveu nenhuma linha e eu me silencio agora. 


Voltando aos passos sem volteios:

Meu universo de pesquisa é pequeno, atendi apenas cinco partilhantes com esse padrão da dançarina. Conversei com outras dezenas, que esporadicamente dançam, mas os padrões não são tão fortes. O que me chamou atenção nas dançarinas é o que elas movimentam enquanto elas dançam.

Somos levados a acreditar que é o corpo delas que está movimentando, mas isso é um olhar superficial, apressado. O que está movimentando nelas é a alma. Não apenas a alma delas. Na dança elas se conectam a alma de muitas outras, a alma dos parceiros, dos amantes, dos maridos, o alcance é ilimitado e exponencial. De repente, elas estão preenchendo o ambiente e todos os olhares se voltam para elas. Nesse momento, ninguém vai acreditar, mas já não é mais uma mulher é uma deusa em movimento. Essa mulher é capaz de trazer para si tudo o que ela deseja, tudo o que ela quer. Nós homens nos rendemos diante dessa sacralidade. A sacralidade do corpo, da alma, do olhar, da boca. A sacralidade da alma que ao se permitir corpo, ao se saber corpo personifica e presentifica o espirito; a deusa, a mulher. 



Mas, como as dançarinas lidam com essa força? Com essa alma? Como que os companheiros lidam com essa alma e essa força? Não vi nenhum caso bem sucedido. Entenda por bem sucedido, meu olhar, minha decisão de quem tem a arrogância de estipular um mundo ideal para o outro. Muitas delas vivem bem, sentem-se bem. No entanto, eu vejo uma falta.

Algumas delas fecharam uma companhia de dança, porque os companheiros não suportavam os assédios que elas recebiam. Outras se casaram, largaram a dança, tem filhos, sentem-se bem, mas não conseguem compreender o motivo da vida delas ter parado. Literalmente parado, elas não conseguem fazer nada, realizar nada, trabalhar com nada e o que a alma dessas mulheres me pediam era música e movimento. 

E, as que voltaram a dançar, voltaram a movimentar uma energia na vida delas, na vida deles, mas que retoma a problemática de Ulisses e Penélope: o que nos torna casal? Continuamos sendo dois mesmo à distância?

Finalizando, o que eu percebi pelo relato delas é que os homens não dão conta de lidar com essa energia. Seja por insegurança, seja por desconhecimento, o movimento natural é de posse, de aprisionar, de controlar. Muitas aceitam esse movimento e matam o corpo, a alma, o espirito da deusa, desencontram-se de si mesmas, desconectam-se delas mesmas. Traem-se e sim, serão traídas. Porque o que enfeitiçou o parceiro foi o movimento da sereia, que ela perdeu, abriu mão e esse movimento seduz, arrasta, destrói se a própria dançarina não tiver ensinado o cara a se amarrar no mastro do navio.

O mastro do navio, nesse momento, para o encerramento desse post é a dança que a mulher faz para o seu parceiro. É o ensinamento silencioso, trocado entre ambos, que ajuda a cada um lidar com o sexo oposto e a contraparte interna de cada um. Não obstante, o manto a ser tecido é o estratagema que o parceiro deixa à dançarina e que Maiakowiski escreveu para Lila tão bem e belamente: “afora teu olhar, nenhuma outra lâmina me seduz.”

Reduzimos isso ao sexo, a penetração, as posições de kama sutra, mas isso diz respeito a um engravidar da alma, a compreensão de que aquela mulher é deusa. Nela se confunde e se mistura o profano e o sagrado, a puta e a santa. Quando ela dança para ele, ele sabe disso e reverencia. No caso reverenciar é olhar, tocar, pegar, cheirar, explorar os sentidos, ir além deles e voltar para casa. O sagrado grego, pagão é a integração de corpo e alma sem divisão, sem culpa, sem pecado. A oração se faz em vida, na imanência da carne, no desejo pelo corpo um do outro, na totalidade desse encontro. Essa casa que é morada dos dois. Casa que é lugar onde um habita o outro sem invasão. Casa que é a abertura de mundos possíveis e sonhos inimagináveis. A odisseia da vida na lareira dos quadris. 



                       Vem rápido dançar pra mim!