Isso aconteceu lá nos meses finais do ano de 2017. Uma visita rápida, breve, apenas para saber como a moça
estava se recuperando, como vinha evoluindo do quadro que se encontrava.
Durante a visita algumas imposições de mãos, alguns toques específicos,
furtivos, bem discretos e sutis, pois estamos no hospital.
Quando termino a
realização dos toques, fico observando a moça deitada. Discretamente, olho para
a irmã que a acompanha e naquele silêncio gracioso recebo um olhar que eu
chamei de GRATIDÃO. Um olhar que entrou na minha alma por completo. Deixou-me
ao avesso. Um olhar inesperado como beijo roubado, igual toque
despretensiosamente mal intencionado no corpo do outro. Um olhar nu, desvelado,
repleto de abundância. Um olhar que adentra minha alma, revira meu ser e
destrava espaços, padrões, fechaduras e cadeados trancados a sete chaves, a
setenta vezes sete segredos. O olhar daquela moça transporta uma candura, uma
doçura, uma reciproca, um amor que está além de tudo o que convencionamos; além
do que tento exprimir em palavras. O olhar dela abraçava meu ser de dentro pra
fora, por inteiro. Um olhar acompanhado de uma fala que a única palavra que me
lembro foi: obrigada. Mas, as palavras dela eram olhar e minha única ação
diante dessa ação foi abraça-la. Até onde eu sei não tinha nada ali a ser feito
a não ser permitir o encontro de dois corações. Deixa-los bater no mesmo ritmo,
numa mesma cadência de felicidade e gratidão.
II
O olhar da moça me
retornou à dimensão da gratidão. Palavra ultimamente tão gasta, tão
prostituida. Todos dizem gratos, pedem gratificação em vez de salário,
pagamento como que associando o dinheiro a uma impureza e sublimando um
sentimento que não se tem, não se possui, ao ponto de chamarem empregados e
funcionários de colaboradores e manterem uma relação escravagista.
Quando acesso o olhar da
moça, a energia transportada pelo olhos dela é algo que não tem preço. Não há
nada que eu receba, não há preço que possa pagar a expressividade daquela moça.
Como em certa medida, fazendo um deslocamento e indo em direção ao universo
dela, posso insinuar que ela daria qualquer coisa, pagaria qualquer preço por
aquele estado. Está troca é de uma riqueza impagável, incalculável. Esse nível
de riqueza é o que mais se aproxima do dai de graça o que de graça recebestes.
A frase fala desse estado
vibracional de imenso amor, carinho, respeito, sacralidade e despojamento no
qual não se tem cobranças, não se tem o código de defesa do consumidor de um
lado e a busca pela implementação do ISO 9000 de outro. Há uma entrega, um
acolhimento, uma troca amorosa que culmina nesse estado de gratidão. Nessa
plenitude graciosa e dadivosa.
E isso me empele de novo
ao receber, agradecer, redistribuir. E esse ato não importa se você faz sem
cobrar, ou se você cobra um bilhão de reais. O que de fato está sendo trocado,
a magia que de fato está ocorrendo não pode ser paga por nenhum dinheiro, por
nenhum imóvel, por nada material. Ao mesmo tempo em que o material apenas
simboliza e por vezes interdita essa beleza de funcionar. Quero dizer que uma
pessoa poderia te dar uma galinha, outra te dar uma ilha, outro uma fazenda, outra
um carro, outra cem reais, outra uma bala, outra um abraço; porém tudo isso
representaria, simbolizaria o olhar terno, mágico, leve, sagrado, grato da
moça. É essa troca que vai além do comercial, do material. Essa troca envolve a
engrenagem invisível que movimenta nossos feitos, nossos afazeres. Essa energia
é sagrada e envolta no sacro-ofício que vai da carpintaria de Jose,
relaciona-se com o ser veículo para a materialização de um novo ser tal qual
Maria e todas as mães, ou como o sermão na montanha, ou lançar redes ao mar.
III
O olhar da moça entrou em
minha alma. Eu estava impotente diante daquilo. Não sabia o que falar, o que
dizer, então eu apenas a abracei e recebi aquilo que ela me dava e o que ela
dava não há dinheiro que pague. O que ela dava não tem nada material que seja
capaz de valorar. Num olhar, ela se deu por completa, por inteira e os efeitos
que isso causou em mim foram avassaladores. E se ela me desse todo ouro, toda
mirra e todo incenso simbolizaria todo amor, toda prosperidade, toda luz que
havia naquela troca.
No olhar daquela moça, eu
vi o que meu trabalho produz. Consegui ter um vislumbre do que recebo e pude
ver o movimento da GRATIDÃO e os seus
efeitos na minha alma. E talvez tenha se dado por ter sido tão inusitado, tão
inesperado, tão indireto. Eu não estava esperando nada e aquilo foi tão
glorioso que desci os seis andares de escada, caminhei toda Alameda Ezequiel,
adentrei o Parque Municipal para compreender o que tinha acontecido. Que
energia mais graciosa, encantadora. Que energia mais generosa e amorosa era
aquela. Que coisa elegante é essa tal de gratidão.
Pessoas apressadas,
desavisadas acerca da sutileza dessa energia tendem a confundi-la como sexual. Não
que ela não seja. É que transportá-la para esse nível é uma redução selvagem,
ogra. A gratidão está lá no sétimo céu e claro que a pessoa que demonstra isso
para você tem afeto por você. Obvio que esse afeto pode se tornar e se fazer
genital, mas é fundamental professores, alunos, mestres, gurus, compreenderem
que essa afeição é de outra ordem e de outro campo.
Insisto no entendimento
que quando falamos dessa diferença de nível não estamos elevando o
espiritual e diminuindo o sexual,
tampouco separando-os. Estamos só querendo mostrar como isso é facilmente
confundido, especialmente, em momentos de carência, de fragilidade, ou de
‘esperteza ao contrário’ como diria Estamira.
V
E aqui sugiro algumas
coisas que aparecem no consultório, nas consultas, tem a ver comigo e talvez
faça algum sentido para você:
UM: RECEBA!
Venho a muitos anos
falando para muitas pessoas que o problema delas, enquanto dinâmica
existencial, está em não conseguir receber. Grandes partes das pessoas que
atendo não têm problemas em dar. São boas pessoas, estão e têm um padrão
vibracional interessante, porém, elas não sabem receber. Aceitar receber, ter a
HUMILDADE de receber o que a vida dá é tão difícil, porque mexe no orgulho.
Quando você está dando, você se encontra numa posição que o seu ego acredita
estar no controle, mas quando você recebe, para o ego, você está numa posição
abaixo e esse contraste, essa oposição obstaculiza a vida, o fluxo do existir,
porque nela há a dinâmica da troca. Uma troca que médiuns, espiritualistas
quebram a corrente por acreditar que vieram no mundo para pagar, então eles só
dão, só doam e a vida fica querendo nos dar, em nossa porta se acumulam flores
e frutos e não os recebemos, por ORGULHO, PRESUNÇÃO, VAIDADE. Então aprenda a
receber.
DOIS: PERCEBA
Aquela moça entrou em uma
parte minha que estava trancada, travada e ela abriu mil portas com uma
delicadeza, com uma elegância, com um desprendimento que não houve luta, não
houve resistência. Ela me dava, se doava. Dava tudo o que ela tinha, doava tudo
o que ela era e eu acolhia, recebia em mim. Fiquei percebendo a movimentação
dessa energia na minha alma, nos meus espaços subjetivos.
Nessa dinâmica não tinha
mais um ego que consciente ou não gosta de se elevar, gosta de acreditar que há
uma superioridade no ato de dar. Ali o que eu recebia tinha o mesmo carinho, a
mesma carga de tudo o que eu dou e só aí eu fui compreender o carinho de muitas
pessoas para comigo, o respeito de muitas delas para comigo. Eu nunca
compreendi e só não era mais seco, mais rude com isso, porque fingia ser
sociável, mas definitivamente, nunca entendi até aquele olhar.
TRÊS: AGRADEÇA
Nesse dia,
sincronisticamente, quando eu cheguei em casa, uma dupla de amigos que tínhamos
combinado de irmos ver o jogo do Ronaldinho, depositaram um dinheiro para mais
alegando que pagariam a minha. Em outro momento, eu não aceitaria. Em momentos
anteriores, questionaria o ato, mas depois daquela dinâmica, eu só disse a eles
que recebia de coração. E, recebia devido a isso, era um carinho para além do
valor monetário.
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