Sistema
Inteligentes
É para mim a parte
mais louca do filme. Porque atualiza todo os ritos primitivos dos iorubas, dos
ameríndios e de tantos outros povos pagãos que viviam em ressonância direta com
a natureza. O filme avança e mostra uma relação que é dita, falada pelos pajés,
babalorixas, mas cuja apreensão nos é muito difícil, perceber: a natureza como
luminosa, florescente, viva. O cara consegue dar pistas disso e conduzir os
expectadores para uma analogia direta com os sistemas integrados e
inteligentes.
Na ficção
científica hollywoodiana todos estes sistemas inteligentes referiam-se a
máquinas, a computadores. Em determinado momento eles ficavam inteligentes e
dominavam os humanos: Matrix, Eu Robô, IA são os que eu lembro e trabalham
nessa linha.
Avatar abre para um
sistema inteligente orgânico, no qual tudo e todas as coisas estão
interligadas, associadas. Toda natureza dialoga com todos os seres viventes.
Predador e presa, árvores e bichos, humanos e animais compõem uma rede
sistêmica na qual todos se afetam, se comunicam e compartilham de um mesmo
princípio inteligente. A sabedoria esta no reconhecimento dessa conexão e no
uso consciente da mesma. Aqui a piração foi total, porque recordei de uma
psicografia que estávamos fazendo sobre o povo africano. E a moça que passava
as mensagens chamava esse mundo de Encantado. E pelos olhos dela, eu ia vendo o
Encantado. A saber, a natureza viva. Toda planta, todo bicho, cada arvore como
sendo um ser brilhante, luminoso, falante de suas potencialidades e de seus
usos. Nada era secreto, nada tinha segredo. Elas estavam lá falando do que
viram, do que sabem, de onde vieram, dos nossos antepassados, em especial aqueles
que conseguiam ver o mundo assim. Tão bem retratado, ilustrado em Avatar.
Em Avatar além
deles nos levarem para esse mundo encantado, luminoso, no qual a natureza é
viva, inteligente e comunicante; eles exploram o recurso ficcional das
"fibras óticas" para mostrar como se dá essa conexão. Cada ser teria
em si mesmo o seu plug com os demais seres. Mostrando relações que seriam
exclusivas e outras que poderiam ser coletivas. O filme então descortina um
universo energético, campos energéticos que ignoramos, que desprezamos, mas que
estão aí. Os índios ao montar em um cavalo dialogam com a alma dele, os
indianos ao tirarem leite da vaca dialogavam com a alma delas, os africanos ao
caçarem dialogam com a alma do animal a ser abatido. Tudo se conecta. Tudo se
encontra conectado e integrado.
Esse processo de
conexão fica melhor representado quando da tentativa de cura da doutora. Ali
tudo se une, inteligentemente, harmonicamente. É belo.
É um filme belo.
Não vi os recursos de 3D que são revolucionários. Não sei das pistas e do mito
e a saga do herói captada por muitos. Para mim o fundamental é que foi o
primeiro filme de grande produção que vê a natureza como um sistema integrado,
inteligente. Com isso re-estabelece e da um novo olhar para as ditas culturas
primitivas que sempre souberam disso. Ali no filme se aposta que não há
necessidade de desacordo entre tecnologia e natureza, que evolução se faz com
blocos de cimento ou com chips de silício; o filme aponta, diretamente, que
tecnologia se faz com alma. Avançado tecnologicamente são os povos que sabem
utilizar da sabedoria da natureza, a adaptando e a alterando de forma
harmônica. Foi isso que Somater me disse em 1996, quando eu lhe pedia e
reclamava que todo mundo recebia técnicas alienígenas e eu nada. Ele me mostrou
o que eles entendiam por tecnologia e ficamos passeando por lugares e paisagens
muito similares as de Avatar. Lugares com imensas grutas, grandes arvores,
lagos, flores, no qual nunca faltavam o céu e o ar livre, nunca. E as
possibilidades de cada povo ali eram imensas, os usos do magnetismo e de outras
forças eram espantosas devido às impossibilidades instrumentais, mas os lagos
eram telas de LCD, ou de plasma, as arvores eram bibliotecas digitais, eles
viam e liam tudo o que havia para ser lido e visto, isto no nosso passado muito
recente e igualmente muito distante.
Depois ele me levou
a lugares no qual havia grandes prédios, imensos laboratórios, todos os lugares
hermeticamente fechado, higienicamente limpo, tudo branco, alvo, quase translucido.
Eram imagens perfeitas de laboratórios científicos e logo pude reconhecer que
se tratava de alta tecnologia. Qual não é a minha surpresa ao ver que estávamos
no umbral. Tecnologia de ponta, que vem da exploração e extinção dos recursos
naturais, da utilização de mão de obra escrava, da exploração do trabalho, da
supra valorização da inteligência em detrimento do emocional e espiritual,
enfim da desarticulação entre os seres humanos e os outros seres vivos. Os
humanos dominam tudo e ficam maquinais. Otto Lara Resende ao fazer uma visita
aos países desenvolvidos na década de 60 voltou de lá com um comentário que
Nélson Rodrigues imortalizou: " o desenvolvimento humaniza as maquinas e
maquiniza os homens."
Creio que Avatar
seja o primeiro filme de ficção que quebra esse ciclo. É o primeiro que
re-integra os humanos a natureza. Aponta para a necessidade de se ter e de se
criar corpos em melhores condições para suportar a energia luminosa do
espírito. Mostra que uma civilização não precisa destruir a outra, elas podem
cooperar mutuamente e aprenderem uma com a outra. Eu presto homenagens a
Avatar, que se transforme em febre, que ative na memória de cada humano do
planeta um momento no qual se vivia em harmonia com a natureza e tinha-se um
profundo desenvolvimento tecnológico. Nem sempre instrumental, mas às vezes
também.
Kélsen André
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