Na semana que escrevia sobre isso, Luana Piovani dava mais um chilique e Zezé Polessa era acusada na impressa pelo infarto de um motorista. Na mesma semana (27/1/2013), tive a felicidade de assistir a “peça” teatral “Assunta Brasil” do Saulo Laranjeira. Durante a peça, na qual estou até agora impressionado em todos os sentidos e em todos os âmbitos, inúmeras questões passaram pela minha cabeça, em especial uma que retornava: a relação da representação com a incorporação. Essa é para mim uma grande questão a ser pensada.
Nos
meios mediúnicos nada é mais hostilizado do que a mistificação, isto é, fingir
estar incorporado quando não se esta. A mistificação é complicada, porque ela
fere o princípio de veracidade. A crença que se tem, dado ao espaço em que se
está, e pela moralidade do que se faz naquele momento de que naquele espaço
sagrado, ninguém abusaria da fé e da confiança de outrem. Abusar disso é um ato
indefensável e de covardia.
Não
obstante, a incorporação tem muitos atributos da representação, o que me faz
retomar o caráter mágico e sacro do teatro. Entre os gregos e para os gregos o
teatro era o espaço do sagrado. As encenações realizadas eram partes dos
rituais orficos cujo grande centro era o culto a Dionísio. O teatro em sua
essência é uma celebração aos deuses. Era um momento no qual o ser humano
deixava de ser quem era para assumir outra identidade, outra persona. Parte
dessa celebração esta inserida na missa.
Persona
é o nome que era dado à máscara utilizada pelo artista na encenação. É também o
nome que utilizamos para falarmos de uma identidade, de um algo que nos
apresenta e nos identifica. Aceitamos e até confundimos a personalidade como
sendo nossa própria identidade. É similar ao artista que acaba acreditando que
é o personagem que encena. E igualmente trágico ao médium que assume as
dimensões e personalidade do espírito que incorpora. Tudo isso em cada lócus
especifico apresenta problemas e dificuldades aos seus.
Mas, porque trago tudo isso? Por que a cada momento, acho mais tênue a linha que separa a representação de alguns personagens no palco da mediunidade de incorporação. E não estou falando aqui de mistificação, pelo contrário. Estou falando mesmo de como esses dois espaços que foram separados na sociedade atual parecem compor um mesmo cenário.
Mas, porque trago tudo isso? Por que a cada momento, acho mais tênue a linha que separa a representação de alguns personagens no palco da mediunidade de incorporação. E não estou falando aqui de mistificação, pelo contrário. Estou falando mesmo de como esses dois espaços que foram separados na sociedade atual parecem compor um mesmo cenário.
Saulo
explora essa relação mágica, mística, do teatro. Essa possibilidade de um ser
vários, ser muitos, ser tantos e ainda assim, continuar sendo si mesmo. Há
personagens de Saulo, encenados por Saulo, que denominamos encenação e representação
unicamente por ele se dizer artista e estar no palco. Caso, ele estivesse em um
centro, ele estaria “incorporando” ou melhor incorporado. E seria mistificação?
Não
creio. E isso é novamente um outro terreno sutil. Em Saulo e em alguns médiuns
o espírito não é um ente externo que chega e se aproxima; parece mais um ente
interno no qual o ser se avoluma, cresce de dentro para fora, como se de fato,
ele estivesse incorporado. De maneira similar as pessoas que não retiram a
mascara do que foram ou do que gostariam de ser.
Vendo
Saulo eu vi um médium. Sem sombra de dúvidas. Vi uma platéia encantada, que não
compreendia a força fabulosa, mágica, encantadora, sagrada que se manifestava
ali. Imersos a risadas mediantes falas e trejeitos do ARTISTA, a energia da
platéia era transmutada. Permitam-me dizer mais, a energia do Vale do
Jequitinhonha e de lugares similares nos quais grande parte da miséria é fruto
da indiferença dos governantes, esses lugares recebiam uma revitalização
energética. Saulo estava no teatro da Alterosa e também no Vale do
Jequitinhonha. Saulo estava nos conectando ao mundo, um mundo que estamos
perdendo, que estamos esquecendo, mas um mundo que o artista retoma, nos trás
para dentro e o deixa semeado em nós.
Esse
mundo é sagrado. Não o mundo em si, mas a operação realizada para que os
expectadores sejam transportados até ele. As forças invisíveis que atuam no
palco são as mesmas que atuam nos centros. A transmutação energética realizada
é formidável e o que o ARTISTA consegue plantar, semear em cada expectador é
igualmente esplendoroso.
Saulo
é um artista renomado. Quero diferenciar renomado de famoso. Os atores
televisivos são famosos. A fama os engole, os envolve, os devora. Não sei se os
atores são eles mesmos. Não sei se os atores conseguem avaliar qual persona
eles vestem. É nesse sentido que quero registrar a simplicidade de Saulo. Há
nele uma pessoa, um ser, que não esta envolvido por uma máscara. Há nele a
dimensão humana que os famosos perdem se tornando e se fazendo personagens de
si mesmos, alguns até, caricaturas.
Diante
dessa espetacularização cada vez maior fico me perguntando: qual o sentido do
ARTISTA? O sentido dele esta em não permitir que ele se sinta maior do que a
arte que ele faz. Essa simplicidade retoma o teatro no seu sentido clássico: celebração
à vida, uma forma de religar(e) os seres. O teatro é a representação da
existência. É o palco do existir.
De
maneira se nos centros o problema é a mistificação, na arte o problema é a
fascinação. Saulo não é um fascinado, um deslumbrado. Saulo não é uma Luana
Piovani.
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