Um colega de pelada
recebeu anestesia geral, quando acordou já tinha sido rasgado, costurado e não
tinha lembrança de nada. A única coisa que nos dizia como um mantra era: "a
gente não vale nada!!!"
Outro colega de pelada tinha
comido, bebido no final de semana e no meio da outra semana veio a óbito por
taquicardia. Não deu tempo para nada. Para dizer eu te amo a esposa, aos
filhos. Estava de viagem marcada e os que foram na frente tiveram que acabar
voltando. Como sempre, ninguém esperava. Nunca esperamos.
Um aluno voltando de um
show que realizou de madrugada acabou dormindo e se chocando contra uma
caçamba. Acordou no dia seguinte no hospital sem se recordar de nada. Todos os
três homens em idades diferentes. Todos os dois sobreviventes unânimes em sua
afirmação: "a gente é muito frágil. Nós não valemos de nada." Eles na preocupação
masculina diziam que se foram abusados, violentados nem se recordam.
Mas, no que tange ao "não valer nada" alguém ousaria discordar?
Acho que não. O corpo é frágil. Ele é o que mais se adaptou as intempéries da
natureza, mas ainda assim é frágil. No entanto, a fragilidade maior não é do
corpo, a fragilidade maior é o significado que damos, ou que não damos à vida.
Somos muito despreparados para lidarmos com a morte e isso nos fragiliza diante
da vida. Poucos de nós damos conta da vida mesmo. Poucos de nós sabem lidar com
a separação, a traição, o amor, a ofensa, a injustiça, a dívida material. Diante
dele, nos perdemos, nos descabelamos. Ficamos aturdidos.
Falo disso, porque nós
homens reconhecemos as nossas fragilidades materiais, físicas, mas a
fragilidade que de fato nos deixa expostos é a emocional. Escuto os relatos, as
conversas das mulheres em todos os lugares. Elas se queixam que os parceiros
não interagem na discussão, que elas falam para as paredes. Que é preferido
falar sozinha, que eles se sentem solitárias.
As mulheres captam e
lidam melhor com a fragilidade emocional. Elas reconhecem que esse é um terreno
no qual a gente depende do outro, precisa do outro. Elas não têm problemas em
pedirem ajuda, conselhos, buscarem alternativas. Por outro lado, são raros os
homens que empreendem a mesma busca. Num primeiro momento da nossa existência a mãe adivinhava o
que nós sentíamos, num segundo momento essa tarefa passa para as namoradas, parceiras, amantes,
esposas. São poucos os que conseguem expor aquilo que sente
sem necessidade de auxilio e sentirem que vão morrer após terem dito. São mais
raros ainda os que são capazes de mostrar que há uma fragilidade nessa área. E
como somos frágeis.
Esse parece ser o motivo
de tensão entre homens e mulheres. Homens de forma geral tendem a se expressar emocionalmente somente
diante da morte, do termino, da separação, o que acaba muitas vezes se dando de forma mais atropelada e atabalhoada. O que me faz
recordar um caso de uma amiga. Na concepção dela, ela namorava um eremita
autista. Quando terminou com o cara, ele falou assim: "eu estou comprando casa,
arrumando moveis, fazendo isso, aquilo, e você vem com isso?" Naquela altura, ela apenas respondeu, entre
surpresa e perplexa: “ você nunca me falou nada!!!”
Ele jamais tinha
manifestado tudo isso, nem mesmo o afeto. Quando manifestou foi tarde, era
tarde, ela já tinha ido embora. Quando ele foi capaz de expor a fragilidade
dele largado no mundo sem ela, já era tarde; ela já tinha ido embora e ele estava só.
Para nós homens é difícil percebermos que é essa fragilidade que fortalece o vinculo entre as pessoas, que é essa fragilidade física, material, emocional, mental, espiritual que nos leva
ao encontro do outro, na troca com o outro. É na tentativa de cada um de nós
crescermos que trocamos, nos realizamos, nos fazemos humanos. É pelo paradoxo
da fragilidade que nos fortalecemos e nos humanizamos. Alguns casam, constituem
família, criam filhos, formam família. No entanto, ainda assim não aprendemos
que são nas fragilidades que nos constituímos.
A fragilidade deve ser
considerada a nossa maior força, assim como a reflexão sobre a morte a nossa
melhor maneira de viver melhor. Esperar os minutos finais de vida para se fazer
tudo o que se deseja é um desperdício existencial. Na mesma medida em que esperar os
momentos de tensão, de ruptura para se falar do que somos, do que desejamos, do
que sentimos é também um desperdício da relação, um tiro arriscado que pode dar certo, mas que não vale o desgaste.
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