Surto ou Parto? O
parir a si mesmo.
A dificuldade do
acompanhamento do surto é que se desconhece quase que completamente o que é uma
gravidez anímica. Embora seja uma fala comum entre artistas e cientistas, ela é
desconhecida de forma geral. A sensação de estar prenhe de idéias, de
conceitos, de visões, enfim estar prestes a parir centauros como Nietzsche
menciona no século XIX, não é algo tranqüilo. Os artistas e médiuns falam dessa
gravidez que literalmente os possui, que eles precisam dar vazão para que não
sejam destruídos, aniquilados por ela. Sartre, o próprio Nietzsche já
mencionado e outros relatam como saiam esgotados de seus processos de criação.
Os artistas sabem quando esse momento esta se aproximando: alteram o humor,
consomem mais álcool e as vezes drogas, tem alteração de humor, se confinam, se
isolam até que produzem, colocam para fora esse caos interno. Somente aí
retomam a normalidade.
Todavia, de forma
geral, desconhecemos completamente, quando estamos prestes a parir e menos
ainda, quando vamos parir a nós mesmos. Somos muito opacos no que tange a conhecimentos
psíquicos. Temos a nítida impressão de que esses fenômenos não podem acontecer
conosco, seres normais. Na nossa visão tais fenômenos acontecem apenas com um
tipo especial de pessoas.
Como é possível
cogitar que dentro de nós nasça um outro eu? Isso é tão absurdo de conceber que
expor isso revela ser um caso clínico. Revelar que na maioria das vezes, um
surtado, esta querendo nascer. Nascer não mais fisicamente, mas
espiritualmente, energeticamente, dar a luz a si mesmo. E esses nascimentos acontecem,
ocorrem, com mais freqüência que pensamos e imaginamos.
De forma que se
imagine grávido e as pessoas ao seu lado
ao invés de lhe dar acolhimento, lhe ajudar no pré-natal, lhe prestar algumas
orientações, já fiquem preocupadas em lhe aplicar uma anestesia para acabar com
sua dor. Ao invés de uma anestesia local, eles aplicam uma geral. Você com seu
corpo inerte e um ser dentro de você querendo sair? Imagina! Primeiro ninguém
sabe da sua gravidez, nem você mesmo. Mas, intuitivamente, você abre as pernas.
Nesse ato, o psicólogo interpreta como exibicionismo puro e gratuito. O
psiquiatra entende como tentativa vulgar de manipulação. Os espiritualistas
como manifestação da pomba-gira, no caso, obsessor. Em todos e para todos, você
é um doente, esta cada vez mais fora de si mesmo e sem controle de si mesmo.
A pergunta é: como
não estar? Dores lancinantes dentro do seu ser, dentro do seu corpo,
simplesmente, porque as passagens foram bloqueadas. A analogia é que se no
parto a mulher precisa da musculatura pélvica, dos membros inferiores, no surto
é importante as conexões sinápticas, neurais, mas estando anestesiadas,
imobilizadas, dopada com antipsicoticos, antidepressivos e os anti da vida como
fazer? Tem sentido isso?
Mas é dessa forma que
procedemos com as pessoas que surtam. Nos procedimentos ocidentais nós as
afastamos delas mesmas, nós a aproximamos mais do fórceps, mais do aborto, do
que de um parto natural. Em verdade, com essas medidas as dores se acentuam,
porque o parto fica interminável e quando é cortado pelo fórceps (medicação) há
uma sensação de vazio, de falta que nunca é preenchida. Afinal, como preencher
em si a ausência de si mesmo? Como conviver com a amputação de uma parte não do
seu corpo, mas de sua alma? Quanto tempo se faz necessário para que essa alma fantasma
cresça? Quanto tempo um ser necessita para receber de novo o seu ser?
Essas perguntas
dificilmente retiram a pessoa da sensação pos surto. O pos surto é seguido por
uma culpa interminável, uma lassidão maldita.
O PARIR-SE
O problema é que esse
nascimento traz desconforto, desestabilização, lança a pessoa num oceano de
percepções, sensações, que não são convencionais, habituais. Essas sensações
não são passiveis de ser compartilhadas intersubjetivamente. A voz que pede
para que você pule, ou que mate seu ente querido; a luz que chega em sua
direção, os cheiros que o cara capta ao entrar em determinado lugar, nada disso
pode ser compartilhado no mundo ordinário. Mais estranho ainda é que a pessoa
não controla as suas reações, então, ela atenta contra a vida do ente querido,
ou tampa o nariz numa sala muito asseada e limpa, ou se esconde da luz que esta
vendo. Ou grita, chora, xinga, vocifera, etc... Tudo muito próximo da
mediunidade, do despertar mediúnico, mas ainda assim, bem diferente.
Na mediunidade, em
quase sua totalidade, você observa, sente o obsessor realizando esses atos. Na
psicose você não identifica esse ser exógeno, mesmo porque, muitas vezes, na
maioria, não tem mesmo. É a própria pessoa liberando pulsões, estados internos
que estavam a muito aprisionados. Mas como isso é liberado? Por que é liberado?
Por que em algumas pessoas isso é liberado e a energia faz um caminho tranqüilo
e em outras faz esse estrago, as conduzindo para o surto?
Até onde consigo
explicar diz respeito a vidas passadas associado a padrões desta vida. O ponto
é que nunca é tranqüilo, nunca é suave e sempre se tem a certeza de que esta
enlouquecendo. Eu via insetos e bichos repugnantes quase que o tempo inteiro
rastejando no chão, andando nas paredes. Em sua maioria eram repteis, pequenos
repteis. Década depois ao tomar o Daime, pela primeira e única vez, “vomitava”
repteis pré-históricos, gigantescos, e a cada um que saía eles iam me dizendo:
isso é a sua vaidade! Isso é o seu orgulho! Isso é.... cada um daqueles seres
horripilantes e amedrontadores era um aspecto meu não visto, não quisto, não
desejado, não percebido, completamente ignorado, que se apresentou a primeira
vez como repulsa. Não sei como lidei com eles diretamente, mas essas seriam as
forças que poderiam e podem me enlouquecer a qualquer instante.
Lá atrás, no momento
em que avistava esses pequenos largartos, salamandras, calangos, ratos e
similares rastejando tive a certeza de que estava ficando cego. Aquelas luzes
infernais, aquele ponto preto, aquelas imagens na parede eram a prova de que
estava enlouquecendo e para piorar, ficando cego. Louco e cego! Quando fiz o
exame de vista acabou. Os óculos, um ente externo, objetivo, corrigiu uma fenda
psíquica que tinha sido aberta. Ajudou ao meu cérebro naturalizar uma
informação que eu não sabia processar, entender, digerir. Aos poucos fui
entendo isso. A importância do cérebro racionalizar a informação, naturalizar
os dados.
Conta a medicina que
Stewe Wonder é um cego que teve a aparelhagem visual corrigida, mas ele
continua sem enxergar, porque há um momento sináptico da primeira infância em
que os neurônios aprendem a decodificar a luz e ensina o cérebro a captar as
imagens. Como ele não recebeu essa informação, mesmo capacidado, ele não
consegue ver, o cérebro não sabe ler. Em outras palavras não são os olhos que
vêem, nem os ouvidos que escutam, nem as mãos que tocam é o cérebro. E para
além dele sabemos que também este é um instrumento. Existe alguma coisa em nós
que processam, agrupam, reúnem, traduzem essas informações e se ignoramos esse
fator, produzimos abortos, espontâneos ou não.
Exponho tudo isso
para dizer que a minha vidência esta aberta, mas eu não vejo como vejo o mundo
físico. Na infância acho que só enxergava o mundo espiritual, mas hoje só vejo
o mundo físico, porque quando ela voltou, eu fiquei tão histérico, que isso
representa uma ameaça brutal a minha sobrevivência. Minha vidência em diálogo
estreito comigo, simboliza minha loucura, minha cegueira. E já fui louco e cego
em outras vidas, o que ajuda a aumentar o pavor. Ou seja, ver seria uma
violência contra mim mesmo, assim só vejo indiretamente. Vejo o que os videntes
vêem quando os olho nos olhos, vejo pelo espelho. Eu preciso de um reflexo, de
um espelho para que eu veja. E o espelho que aprendi a criar, que naturalizei
com meu cérebro foi o de realizar o ritual de tirar os óculos, fechar os olhos,
assim, eu volto a ver e a ler tudo o que esta acontecendo. Todas as cenas ficam
gravadas, armazenadas, se eu conseguir relembrá-las, sou capaz de voltar àquele
cenário e ver quem estava presente. Preciso de um disfarce e acho que a maioria
dos videntes com habilidades profeticas necessitam. É o que os direciona para
as cartas, as mandalas, as runas. No jogo mesmo tem muito pouco, mas tudo aquilo
serve de disfarce para que o cérebro seja enganado.