quinta-feira, 5 de abril de 2012


Mandalas e composições neurais





A psicologia de forma geral apresenta técnicas temporais, dimensionais, que funcionam sobremaneira em pessoas lineares. São pessoas lineares aqueles que no outro post retratamos como tendo um funcionamento cerebral sem fissuras, que conseguem ter um ordenamento seqüencial, esquematizado, causal. Entendam que a linearidade pode ser profunda (vertical), mas não deixa de ser linear. Os junguiano são profundos, mas são lineares. Realiza-se um bom trabalho com eles ajustando o tamanho da escada.
Todavia, quer me parecer que os esquizofrenicos não são lineares. Na verdade, eles trazem outras tessituras. Eles têm outras Mandalas. As aranhas deles fabricam outras redes e conexões, criam novos caminhos e parâmetros, deslocam a temporalidade e a dimensionalidade, co-criam uma outra realidade, porque as mandalas são antes de tudo um grande sistema de captação das ondas. Uma antena parabólica. De maneira que as tessituras deles são diferentes. São loucas. Tecem e rearranjam sua aparelhagem psíquica de uma forma não habitual, convencional e não estamos preparados para isso.



Hoje a gente diagnostica e cura a maioria das doenças corporais. O que a gente consegue fazer com o corpo físico é fantástico e sobrenatural. Damos uma sobrevida a milhares de seres que sem os avanços tecnológicos não seriam capazes de continuar vivendo por três segundos. Dentro dos avanços médicos temos observado a quantidade de relatos que retratam que alguns corpos físicos são diferentes dos outros, diferentes demais; não na sua forma externa e sim no funcionamento sistêmico. Os super humanos de Stan Lee têm exposto isso. Na literatura espiritualista fala-se e descreve-se crianças índigos, cristais, ressaltando e revelando que elas possuem uma nova aparelhagem genética. Ainda dentro dessa temática o ponto mais intrigante são os das Quimeras (pessoas que se caracterizam por terem em si mesmas dois DNA).
Sabemos de tudo isso, mas ainda, a psicologia de forma geral, assim como filósofos e educadores acreditam na modalidade cartesiana de mente, eles acreditam na categoria kantiana de razão e sensibilidade. Modelos que caíram com Einstein, com a relatividade. Acreditam que todos nós temos a mesma estrutura psíquica. Acreditam que a partir da demarcação de normalidade, isto é, de racionalidade definida por Kant, mais tarde apropriada por Freud podemos definir o que seja loucura, perversão e outros. Novamente, quer me parecer que esse modelo deveria ser atualizado, colocado frente a novas teorias da física que serviram de esteio ao modelo kantiano de razão e racionalidade. Faço toda essa explanação para levantar a hipótese razoável de que alguns entre nós possuem uma estrutura psíquica diferente, com um rearranjo muito diferenciado.
Se não levarmos isso em consideração vamos continuar sem entender nada da esfera psíquica, vamos continuar no caminho louco de medicar com lítio e outros antipsicóticos as pessoas, inclusive, crianças. Vamos continuar acreditando que podemos mensurar o espaço mental com uma régua e com um compasso, mensurando desvios e trazendo cérebros normais, mas com um fuincionamento diverso a um funcionamento que não é o dele, praticamente o adoecendo.
Muito da doença psíquica vem do não entendimento de que talvez a apreensão de realidade não seja tão universal quanto desejamos e queremos. Do não entendimento de que assim como temos pessoas com aptidões e corpos físicos diferenciados é uma hipótese razoável conjecturarmos que algo similar, no que tange as cognições neurais, sinápticas, na sua forma de capturar e compreender a realidade pode estar se dando com outras pessoas. Um exemplo significativo dessa hipótese pode ser dada a partir do conceito de inteligência. Por milênios acreditou-se que havia apenas um tipo de inteligência e hoje (década de 1980) Howard Gardner fala de 9 tipos, sem contar as badaladas inteligência emocional, espiritual e outras. Não podemos continuar acreditando que o espaço mental abriga apenas o que a consciência coloca e que o inconsciente pode ser traduzido por uma linguagem racional e estruturada.

Assim como Kant, o tutor filosófico deste modelo, realizou a revolução copernicana ao retirar os objetos do centro do universo e colocar o sujeito. Talvez seja hora de considerarmos a possibilidade de convertermos o consciente ao inconsciente e não o inverso. Talvez seja o momento de realizarmos a revolução einsteniana na qual pensemos não em centro e sim em centros, ou ousarmos ainda mais e realizarmos a revolução quântica, na qual a consciência seja colocada no centro do universo, o que nos forçaria a prescrutar novamente o inconsciente por um novo prisma, um novo olhar. 

segunda-feira, 26 de março de 2012

Chico Anisio/Personagens



II
Sinto a falta de Chico, porque sinto falta do humor. A palavra humor me parece com húmus, humanidade. Um estado de espírito maior, um olhar maior para a vida. Algo que umedece o espírito, amplia e irriga a humanidade. O humor de hoje é carregado de indelicadeza, de aspereza, o humor de hoje quando não é uma ofensa é uma humilhação. Não tem finesse, sensibilidade. Falta no humor de hoje graça e inteligência. Porque o riso não é o mesmo que o humor. As vezes o humor prescinde da risada. O ser humano, naturalmente, ri da ofensa, da desgraça, da humilhação do outro. Mas, o humor.... o humor alegra nossa alma, desperta em nós uma consciência, uma ciência, que não tínhamos e possuíamos. O humor acende algo em nós. E aí os personagens de Chico são geniais.



Justo Verissimo: “Pobre tem que morrer. Pobre vive de teimoso.” Podem não acreditar, mas a criticidade política da minha e dos meus colegas veio desse personagem. Ali aprendíamos o olhar que a classe política, mediante os seus feitos, nos direcionava. Não era um dito entre eles, mas era um feito contra nós, que Chico ampliava e nos fazia ver.

Haroldo era o personagem que eu mais gostava: “sabia que eu te mordo, eu te mordo todinha, você sabia? Te mordo e te arranho!” Esse era um gay que agora se dizia hetero. Tinha uma “amiga” que o chamava para voltar para o reduto. Haroldo é um símbolo belíssimo, divertidíssimo. Fala dos conflitos, do dilema em assumir a homossexualidade, na busca patética em querer ser hetero para agradar a sociedade. Jean (ex BBB) na sua marcha contra a bancada religiosa da câmara federal, poderia lançar Haroldo como sendo o homossexual curado pelo poder do divino espírito santo, a pomba louca.
Estranho, que a mesma simpatia que eu tinha por este personagem, eu não tinha pelo Coalhada. Aquele jogador de futebol fracassado, alcoólatra, me perturbava, me incomodava. Mas é um símbolo recorrente. Na minha adolescência poderíamos falar de Josimar (lateral direito), hoje podemos pensar em Adriano, Jobson e tantos outros.


Jovem foi a referência discursiva minha e dos meus colegas. Jovem fez uma aproximação entre nós e nossos pais. “Pô pai, jovem é outro papo!” nos mostrava a singularidade de nosso discurso, as vezes até a baboseira e a sandice dele.


Professor Raimundo o preferido de muitos, da maioria era o espaço em que Chico manifestava sua solidariedade com antigos colegas esquecidos, novos colegas que chegariam. Tom (Canabrava) foi um que teve as portas abertas e como não poderia deixar de ser diferente, a fechou na cara de Chico. Nerso da Capetinga. Era um quadro genial.

Alberto Roberto era mais do que o Máximo. Era o excepcional. Para mim a representação do artista que se acha. Pena Luana Piovani nunca ter visto Alberto Roberto, talvez ela se situasse um pouco mais, ou melhor, um tanto menos, bem menos. Aquele ator cuja época já tinha passado, que vivia de um glamour que já não possuía mais. No entanto, tirava sarro dos próprios artistas: “novela das sete! Novela das oito!”

Alguns eu nunca entendi ou gostei, como Beto Carreiro o vampiro brasileiro que era de um sucesso estrondoso, mas que eu não achava graça.

E meses atrás quase liguei para meu filho, que gosta de imitação, gosta de humor, para ver Chico. Hoje tem o pessoal do stand up e eu fico pensando: “por favor, voltem a sentar! Façam humor sentados” Como esta cansativo esse humor sem graça, esse humor que acredita que rir é ridicularizar e caracturizar o outro. É um humor sem graça, como o humor do Pânico, do Zorra Total e tantos outros por aí. O que não significa que não tenha talento, eles só não tem graça, embora aqueles que assistem consigam rir. 

Chico Anisio


CHICO ANISIO


Quando o humorista desencarna, o céu sorri. Eu ouvia as gargalhadas no astral, era um dos seus melhores retornando. Um retorno difícil pela sensação estranha de incompletude que acompanhava o comediante. Pelo temor esquisito de ter desapontado, a quem? A ele mesmo? Ao pai? A mãe? Ao avó? Realmente não sei. Mas, havia uma vergonha esquisita, um sentimento de não ter dado conta, de não ter conseguido superar as expectativas. E o que dizer quando o maior artista da sua geração retorna a pátria espiritual com essa percepção? Como demovê-lo e levá-lo a perceber tudo o que fez?
Fico me perguntando se não foi esse temor, esse receio que o prendeu tanto tempo ao corpo. Que mesmo sendo chamado a seguir, a vir embora, ainda mantinha-se preso, agarrado, esperando alguma outra coisa que em carne não receberia mais. É difícil partir, largar, deixar para trás. Esse altruísmo e despojamento é da esfera dos espiritualistas, os artistas se prendem aos seus feitos, as suas obras. Debruçam-se sobre suas realizações e é difícil deixá-las para trás, seguir adiante, quando o que nos apresentam da morte é a sensação de perda de identidade, um vazio, um nada. E como deixar para trás não o que se fez, mas quem se foi? O desencarne dos artistas mesmo fatigados não é fácil. Primeiro, porque amam o viver, gostam da vida, dos prazeres que ela proporciona. Segundo, porque a esse temor da morte, da perda definitiva de quem se é, de quem se foi. Finalmente, aquele peso terrível da aposta de Pascal: e se não tiver nada do outro lado? Mas e se tiver? Abandonar o corpo, sair de cena para nunca mais voltar não é fácil, os pensamentos arqueiam mais que a mão de uma criança.
Mas, Chico, como todo mortal tem que partir. Como todo artista, chega uma hora que as luzes do palco se apagam, que as cortinas não abrem, que os acontecimentos passam a se dar na coxia. E aí se esta no momento mais solitário da existência. E foi nesse lugar que encontrei com Chico. É nesse lugar que eu me encontro com meus convidados, meus entrevistados. É na coxia, nesse instante em que as mascaras caíram, o novo figurino não esta pronto, que eles sentam e me contam suas impressões acerca da vida. Foi aí que Chico me falou do amor pelos seus filhos, do amor pelos seus personagens, do amor pelos seus netos. Foi lá que ele pediu perdão a duas de suas ex-esposas por motivos que não interessam. Foi onde também reviveu seus personagens, seus múltiplos eus, desdobrados em outros, que eram e não era ele.
Perguntei a pergunta que meus dois mestres sempre me orientam a fazer: viveria tudo de novo, igualmente? Valeu a pena? E ele com um sorriso lacrimejante no rosto disse SIM. E nesse sim as portas de outro palco lhe abriram. Aplausos estrondosos sacudiram os céus. A vida aplaudia Chico, seus colegas o aplaudia, e um ser risonho, me parecia menino Jesus, o colocou no colo e lhe pediu para contar aquela anedota de que ele gostava tanto.
E Chico sem entender o que ele dizia, sem saber do que ele falava, tentava dizer, que nunca teve a honra de contar anedota para o menino Jesus. Este com a sabedoria da pomba que o consagra, lhe mostrou:
“Todas as vezes que fizestes um dos seus irmãos sorri e os transformava novamente em meninos, era a mim que fazias sorrir. Todas as vezes que ensinava um menino a arte da graça, era a mim que alegrava. E as vezes sem conta que acudiu e acolheu um dos artistas esquecidos no anonimato, era a mim que acolhia. Recordas de mim agora?”
Chico ficou meio sem jeito de dizer que nunca acreditou nessas coisas, desse jeito, que nunca fez isso por este motivo, mas não importava. Aquele menino tirava dele todo peso e lhe devolvia, lhe insuflava todo amor que doou, deu, ofertou, ofereceu ao mundo. Chico o olhava e ia remoçando. O cansaço da respiração ofegante ia diminuindo. O pulmão voltava a ser de criança que nunca vira cigarro, a fala retornava a mesma articulação e os pensamentos voltavam a ficar rápidos, céleres mais até do que fora outro instante.   
E nesse momento a gente já não aplaudia e só chorava, porque a beleza do riso é uma hóstia consagrada, é uma comunhão com o universo e do universo. Aqui entre nós o orgasmo é misto de dor e alivio, em outros planos o orgasmo é uma risada, estrondosa, que cria mundos, geram e preparam seres. Chico preparou toda uma geração. Cada um dos seus personagens personificaram aspectos nossos. E como é divino aprender a rir de si mesmo. Reconhecer-se no outro e rir de si mesmo. Chico ensinou minha geração a rir. Seus personagens eram radiografias, criticas sócias, falarei um pouco daqueles que mais gostava, ainda gosto.

sábado, 17 de março de 2012

Aranha e realidade


REALIDADE e PSICOSE: Aracne e a tessitura da realidade



De fato, o psicótico perde a dimensão do que vamos denominar real. Todavia é um absurdo que no século XXI depois de Planck, Einstein, David Bohn, Welher e tantos outros, médicos, filósofos, psicólogos, psiquiatras continuem mantendo uma concepção de tempo, espaço e realidade nos moldes newtonianos. É simplesmente absurdo acreditar e conceber que todos nós estejamos vivendo o mesmo tempo e acessando ao mesmo espaço só porque estamos encarnados no planeta Terra no século XXI e compartilhamos o mesmo tempo cronológico. Os escritores reconhecem os tempos subjetivos, os físicos falam abertamente da relatividade do tempo e do espaço e alguns mais ousados de mundos parelos e outras dimensões, meditadores não apenas falam desses tempos e espaços não locais como os descreve e os freqüenta. No entanto, academicamente, ainda resiste-se a essas possibilidades e padroniza-se um conceito de realidade.

Os hindus gostam de representar o mundo físico como Maya. E uma das representações de maya são as teias de aranha. Teias que simbolizam a sutileza, a leveza da aranha que no seu ato poietico[1] fia o mundo a partir de si mesmo, a partir de suas ações. O seu viver é o seu fazer e o fazer dela é o seu próprio fiar. Nesse ato esconde-se e revela-se a força dançante de Aracne[2] que se compara a imagem de Shiva que dançando cria e destrói o universo, ou a de Isis que com seu véu esconde o seu verdadeiro ser. Essas representações míticas do universo serviram de base para Fritjof Capra escrever o seu "Tao da Física" estabelecendo um pararelo entre a física quântica e as cosmogonias orientais. De forma que tudo isso nos serve de auxilio para mergulharmos no símbolo dessa aranha tecelã que fabrica suas teias = mundo.


 Geralmente, vemos uma teia de aranha, somente, depois de termos nos embolado nela. Para avistar uma teia de aranha necessita-se da luz do sol, da atenção, da cautela.  Não são atoa que esses são alguns dos componentes da meditação, assim como a tentativa de iluminar a escuridão interna e a atenção para que perceba essa iluminação. O erro das escolas meditativas, iniciáticas e até mesmo psicológicas é que elas querem acreditar que meditar e se autoconhecer é acender um farol dentro da alma. E nada é mais distante da iluminação do que a luz solar dentro da esfera psíquica. Esse desejo é uma tentativa de racionalização, de comandar algo cujo entendimento se dá por um outro plano e dimensionalidade. No plano psíquico as coisas funcionam no escuro, por uma inteligência que não é racional, direta, sistemática, objetiva, linear, clara.
Heisenberg nos contou no seu princípio da incerteza que não é possível calcular com precisão a posição e a velocidade de um elétron ao mesmo tempo. Ou, se foca em um, ou se foca em outro. Bohr depois nos fala do princípio da complementaridade. Esses caras falaram isso no milênio passado, nas primeiras décadas do século XX. E todas essas descobertas embora sejam amplamente documentadas por meditadores ao longo da história são ignoradas e desconhecidas de psiquiatras, neurocirurgiões, psicólogos, filósofos, educadores e outros tantos. Mas, meditadores de forma geral, sabem que de forma similar ao princípio da incerteza, não se pode querer a um só tempo focar a aranha e a sua tessitura. Ou bem se avista a aranha, um processo de entrada na senda meditativa, ou bem se é tomado pelas tessituras da aranha. Sendo que a literatura fala de um momento de conexão em que não se distingue mais o eu, a aranha, suas teias e suas milhares de tapeçarias. Seria a completude. Uma completude que se dá não na mente, mas para além dela. Se faz por ela, mas não nela como querem os neurocientistas com suas sinapses neurais.
O que desejo enfocar é que quando se deseja colocar luz no inconsciente, abre-se as portas para se avistar o que já esta lá. O que esta sendo construindo e remodelado, desfeito, desmanchado a partir desse novo olhar, não pode ser avistado ao mesmo tempo. E aqui no ocidente não é avistado em tempo nenhum. Essa tapeçaria psíquica não é completamente ignorada graças a Freud e os seus, mas a observação mecânica, cartesiana dessa tapeçaria impede a visualização da multiplicidade do fazer lúdico, poético de cada esfera psíquica, de cada ser no mundo, ator de sua história. Impede que se abra a possibilidade de compreender cada estrutura psíquica como uma Mandala singular, com conexões, ilustrações, cores, formatos diversos de alguns seres para outros. Sem respeitar isso, incompreende-se o que mora tacitamente em cada processo neural, em cada caminho sináptico da consciência. Ignora-se o eu tecelão que fabrica mundos, sonhos, realidades. E a questão é que grande parte dos denominados psicóticos, especialmente, os esquizóides tem uma configuração energética de outra ordem e natureza. Parece-nos poeticamente possível, ver em cada neurônio, algo similar a um filamento das teias da aranha. Dentro dessa premissa os neurônios nas suas sinapses formariam teias, seriam teias que capturariam a realidade. Esta realidade seria apreendida pelas redes neurais, constituindo algo próximo a Mandalas. Há uma crença de que todas as mandalas psiquicas são iguais porque possuem a mesma estrutura, que Kant denominou de razão e sensibilidade. Nós defendemos há décadas a idéia de que essas estruturas não são iguais e atualmente elas teriam novos formatos, novas tessituras.


[1]A palavra arte  é uma derivação da palavra latina “ars” ou “artis”, correspondente ao verbete grego “tékne”. O filósofo Aristóteles se referia a palavra arte como “póiesis”, cujo significado era semelhante a tékne. A arte no sentido amplo significa o meio de fazer ou produzir alguma coisa, sabendo que os termos tékne e póiesis se traduzem emcriação, fabricação ou produção de algo”. (Professor Lindomar. Disponivel em: http://www.infoescola.com/artes/o-que-e-arte/ acessado em 20/02/2012

domingo, 11 de março de 2012

Surtado


Surto ou Parto?  O parir a si mesmo.


A dificuldade do acompanhamento do surto é que se desconhece quase que completamente o que é uma gravidez anímica. Embora seja uma fala comum entre artistas e cientistas, ela é desconhecida de forma geral. A sensação de estar prenhe de idéias, de conceitos, de visões, enfim estar prestes a parir centauros como Nietzsche menciona no século XIX, não é algo tranqüilo. Os artistas e médiuns falam dessa gravidez que literalmente os possui, que eles precisam dar vazão para que não sejam destruídos, aniquilados por ela. Sartre, o próprio Nietzsche já mencionado e outros relatam como saiam esgotados de seus processos de criação. Os artistas sabem quando esse momento esta se aproximando: alteram o humor, consomem mais álcool e as vezes drogas, tem alteração de humor, se confinam, se isolam até que produzem, colocam para fora esse caos interno. Somente aí retomam a normalidade.
Todavia, de forma geral, desconhecemos completamente, quando estamos prestes a parir e menos ainda, quando vamos parir a nós mesmos. Somos muito opacos no que tange a conhecimentos psíquicos. Temos a nítida impressão de que esses fenômenos não podem acontecer conosco, seres normais. Na nossa visão tais fenômenos acontecem apenas com um tipo especial de pessoas.  
Como é possível cogitar que dentro de nós nasça um outro eu? Isso é tão absurdo de conceber que expor isso revela ser um caso clínico. Revelar que na maioria das vezes, um surtado, esta querendo nascer. Nascer não mais fisicamente, mas espiritualmente, energeticamente, dar a luz a si mesmo. E esses nascimentos acontecem, ocorrem, com mais freqüência que pensamos e imaginamos.

De forma que se imagine grávido e as pessoas  ao seu lado ao invés de lhe dar acolhimento, lhe ajudar no pré-natal, lhe prestar algumas orientações, já fiquem preocupadas em lhe aplicar uma anestesia para acabar com sua dor. Ao invés de uma anestesia local, eles aplicam uma geral. Você com seu corpo inerte e um ser dentro de você querendo sair? Imagina! Primeiro ninguém sabe da sua gravidez, nem você mesmo. Mas, intuitivamente, você abre as pernas. Nesse ato, o psicólogo interpreta como exibicionismo puro e gratuito. O psiquiatra entende como tentativa vulgar de manipulação. Os espiritualistas como manifestação da pomba-gira, no caso, obsessor. Em todos e para todos, você é um doente, esta cada vez mais fora de si mesmo e sem controle de si mesmo.
A pergunta é: como não estar? Dores lancinantes dentro do seu ser, dentro do seu corpo, simplesmente, porque as passagens foram bloqueadas. A analogia é que se no parto a mulher precisa da musculatura pélvica, dos membros inferiores, no surto é importante as conexões sinápticas, neurais, mas estando anestesiadas, imobilizadas, dopada com antipsicoticos, antidepressivos e os anti da vida como fazer? Tem sentido isso?
Mas é dessa forma que procedemos com as pessoas que surtam. Nos procedimentos ocidentais nós as afastamos delas mesmas, nós a aproximamos mais do fórceps, mais do aborto, do que de um parto natural. Em verdade, com essas medidas as dores se acentuam, porque o parto fica interminável e quando é cortado pelo fórceps (medicação) há uma sensação de vazio, de falta que nunca é preenchida. Afinal, como preencher em si a ausência de si mesmo? Como conviver com a amputação de uma parte não do seu corpo, mas de sua alma? Quanto tempo se faz necessário para que essa alma fantasma cresça? Quanto tempo um ser necessita para receber de novo o seu ser?
Essas perguntas dificilmente retiram a pessoa da sensação pos surto. O pos surto é seguido por uma culpa interminável, uma lassidão maldita.

O PARIR-SE


O problema é que esse nascimento traz desconforto, desestabilização, lança a pessoa num oceano de percepções, sensações, que não são convencionais, habituais. Essas sensações não são passiveis de ser compartilhadas intersubjetivamente. A voz que pede para que você pule, ou que mate seu ente querido; a luz que chega em sua direção, os cheiros que o cara capta ao entrar em determinado lugar, nada disso pode ser compartilhado no mundo ordinário. Mais estranho ainda é que a pessoa não controla as suas reações, então, ela atenta contra a vida do ente querido, ou tampa o nariz numa sala muito asseada e limpa, ou se esconde da luz que esta vendo. Ou grita, chora, xinga, vocifera, etc... Tudo muito próximo da mediunidade, do despertar mediúnico, mas ainda assim, bem diferente.
Na mediunidade, em quase sua totalidade, você observa, sente o obsessor realizando esses atos. Na psicose você não identifica esse ser exógeno, mesmo porque, muitas vezes, na maioria, não tem mesmo. É a própria pessoa liberando pulsões, estados internos que estavam a muito aprisionados. Mas como isso é liberado? Por que é liberado? Por que em algumas pessoas isso é liberado e a energia faz um caminho tranqüilo e em outras faz esse estrago, as conduzindo para o surto?
Até onde consigo explicar diz respeito a vidas passadas associado a padrões desta vida. O ponto é que nunca é tranqüilo, nunca é suave e sempre se tem a certeza de que esta enlouquecendo. Eu via insetos e bichos repugnantes quase que o tempo inteiro rastejando no chão, andando nas paredes. Em sua maioria eram repteis, pequenos repteis. Década depois ao tomar o Daime, pela primeira e única vez, “vomitava” repteis pré-históricos, gigantescos, e a cada um que saía eles iam me dizendo: isso é a sua vaidade! Isso é o seu orgulho! Isso é.... cada um daqueles seres horripilantes e amedrontadores era um aspecto meu não visto, não quisto, não desejado, não percebido, completamente ignorado, que se apresentou a primeira vez como repulsa. Não sei como lidei com eles diretamente, mas essas seriam as forças que poderiam e podem me enlouquecer a qualquer instante.
Lá atrás, no momento em que avistava esses pequenos largartos, salamandras, calangos, ratos e similares rastejando tive a certeza de que estava ficando cego. Aquelas luzes infernais, aquele ponto preto, aquelas imagens na parede eram a prova de que estava enlouquecendo e para piorar, ficando cego. Louco e cego! Quando fiz o exame de vista acabou. Os óculos, um ente externo, objetivo, corrigiu uma fenda psíquica que tinha sido aberta. Ajudou ao meu cérebro naturalizar uma informação que eu não sabia processar, entender, digerir. Aos poucos fui entendo isso. A importância do cérebro racionalizar a informação, naturalizar os dados.
Conta a medicina que Stewe Wonder é um cego que teve a aparelhagem visual corrigida, mas ele continua sem enxergar, porque há um momento sináptico da primeira infância em que os neurônios aprendem a decodificar a luz e ensina o cérebro a captar as imagens. Como ele não recebeu essa informação, mesmo capacidado, ele não consegue ver, o cérebro não sabe ler. Em outras palavras não são os olhos que vêem, nem os ouvidos que escutam, nem as mãos que tocam é o cérebro. E para além dele sabemos que também este é um instrumento. Existe alguma coisa em nós que processam, agrupam, reúnem, traduzem essas informações e se ignoramos esse fator, produzimos abortos, espontâneos ou não.
Exponho tudo isso para dizer que a minha vidência esta aberta, mas eu não vejo como vejo o mundo físico. Na infância acho que só enxergava o mundo espiritual, mas hoje só vejo o mundo físico, porque quando ela voltou, eu fiquei tão histérico, que isso representa uma ameaça brutal a minha sobrevivência. Minha vidência em diálogo estreito comigo, simboliza minha loucura, minha cegueira. E já fui louco e cego em outras vidas, o que ajuda a aumentar o pavor. Ou seja, ver seria uma violência contra mim mesmo, assim só vejo indiretamente. Vejo o que os videntes vêem quando os olho nos olhos, vejo pelo espelho. Eu preciso de um reflexo, de um espelho para que eu veja. E o espelho que aprendi a criar, que naturalizei com meu cérebro foi o de realizar o ritual de tirar os óculos, fechar os olhos, assim, eu volto a ver e a ler tudo o que esta acontecendo. Todas as cenas ficam gravadas, armazenadas, se eu conseguir relembrá-las, sou capaz de voltar àquele cenário e ver quem estava presente. Preciso de um disfarce e acho que a maioria dos videntes com habilidades profeticas necessitam. É o que os direciona para as cartas, as mandalas, as runas. No jogo mesmo tem muito pouco, mas tudo aquilo serve de disfarce para que o cérebro seja enganado. 

quinta-feira, 1 de março de 2012

Uma breve História da Loucura




Começando por Focault constata-se que a loucura, a esquizofrenia e a epilepsia eram sagradas, eram tidas como manifestação dos deuses. Essa visão permanece até a idade média, ganhando ares messiânicos. A transformação vai se dar na idade moderna quando desenvolvemos um outro tipo de modo de produção. É sempre interessante constatar como que as mudanças no mundo concreto acionam e despertam novos imaginários, novos desejos e orientações. Naquele momento, todo tipo de ócio era uma espécie de vagabundagem, afinal aquele que não produz é visto como um pária. Daquele momento em diante é que se observa a criminalização do desemprego, da rebeldia, assim como o confinamento dos loucos. É a construção de internatos para punir esses desviantes e a de escolas e fábricas para vigiar e impedir novos desvios. Ou para ser mais preciso, é a universalização da educação para que dentro da escola se ensine o adestramento do corpo na utilização do maquinário fabril. Àqueles que se rebelam contra essa instrução tem-se as cadeias e manicômios. Vigiar e Punir.
É nessa concepção que Ronald Laing[1], David Copper[2] (antipsiquiatras[3]) vão observar a loucura, mais especificamente, a esquizofrenia como sendo política, cultura, industrial, operada dentro das dimensões do mundo do capital e do trabalho. Eles vão dar os passos iniciais para a luta antimanicomial.


Em Emergência Espiritual livro de Stalislav Groff[4] e a sua esposa trazem esses e outros autores como interlocutores ocultos, e, nem tanto, para demarcar que o tratamento que dispensamos aos esquizofrênicos na lógica da produtividade, do trabalho, do individualismo, do capital é sobremaneira diferente das pessoas que vivenciam os mesmos transtornos em culturas tribais cuja lógica é menos individualista e mais coletiva.
Eles salientam que há relatos de transtornos psíquicos em todas as culturas, mas a forma de tratamento dispensada é muito diferente. Essa pessoa que passa por esse despertar espiritual, essa emergência espiritual é afastada do convívio da tribo pelo xamã que a acompanha e a ajuda a mapear sua viagem, sua “cartografia mental”. Sem uso de camisas de força, antipsicóticos, eletrochoques a pessoa vai se afinizando com a sua nova carga energética. Aqueles impulsos loucos e insanos vão sendo controlados e administrados pelo próprio corpo. O próprio corpo vai sendo alterado em conjunto com sua estrutura energética, impedindo os choques elétricos, os curtos circuitos.
O contato direto com a natureza ajuda a mente serenar-se e tranqüilizar-se. Assim como a presença segura de um orientador que: 1- naturaliza e explica os acontecimentos, 2- traduz as vozes, as imagens, as visões; 3- auxilia no contato mais sombrio e obscuro com as sombras, a escuridão, não apenas da própria mente do esquizóide, mas de toda a coletividade que eles fazem parte. O esquizofrênico passa por todo esse encontro, esse percurso interno, no qual o mundo externo se translitera em símbolos internos, até que em um determinado momento do processo irrompem os símbolos pessoais. É este o momento que marca o fim do surto, mas também o início da impossibilidade de retornar ao mundo natural. Nada mais será como antes. Toda a estrutura energética foi alterada. Já não se é mais quem se era. Você voltou a ser ou esta nas passadas de recuperar aquele que você sempre foi, sempre é, sempre será. E daqui nasce uma outra angustia, uma busca por um sentido que não se é dado de imediato, afinal: por que eu? Por que não outro?
Só quem não passou por isso que acha os transtornos mentais fascinantes, maravilhosos. Somente quem observa o resultado final é que lança olhares de admiração querendo ser igual ao xamã, ao médium, ao artista. Porque a vivência do processo é dolorosa. Na sua maioria todos nós gostaríamos de estar fazendo outras coisas, mas não podemos. Perdemos esse direito de escolha. No nível físico, para se ter tranqüilidade psíquica, emocional, mental, você não tem o que denominam de livre-arbítrio. Mas, tudo isso é uma outra história. Agora nos importa sinalizar que em outras culturas se tem outras abordagens, mas em nenhuma delas a crise existencial passa. Você aprende a lidar com o surto e a tratar o de outros no momento oportuno. O aprendizado do surto é a não interferência na dinâmica da energia do outro. É o reconhecimento de que há um processo inteligente que se seguido, se puder se manifestar conduz a pessoa a um encontro consigo mesmo. O surto psicótico pode ser analogamente comparado a um parto. Você pode tê-lo sozinho. Você pode buscar o contato com uma equipe médica, você pode recorrer a uma parteira. 

PARA SABER MAIS:



[1] Aqui o autor apresenta um bom resumo da vida e da obra desse belo ser humano: http://www.cobra.pages.nom.br/ecp-laing.html acessado em 23/02/12

[2] Nunca é das melhores referências, mas na falta de tu, vai tu mesmo: http://pt.wikipedia.org/wiki/David_Cooper acessado em 23/02/12

[3] Discordo da abordagem, da visada, mas ela é boa, ou divertida e faz um contraponto muito especial e até mesmo complementar ao que estou escrevendo, vale a pena dar uma conferida: http://www.olavodecarvalho.org/convidados/victor.htm acessado em 23/02/12

[4] Embora em inglês é possível a tradução pelo próprio Google: http://www.stanislavgrof.com/ acessado em 23/02/12


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Kundalini e Psicose



Tento escrever sobre esses dois temas, porque me perguntaram: como é que o despertar da kundalini resulta em despertar espiritual em uns e psicose em outros?

A pergunta é boa. E na pergunta já se parte de um pressuposto de que essa tal da energia kundalinica é responsável direta pela alteração do funcionamento dos mecanismos psíquicos. E nisso se tem um pouco de razão.

Não buscarei definir nenhum dos dois conceitos. Partirei do pressuposto que todos já sabem o que é. Não sabendo, encontrarão definições na web melhores e mais claras. De todo modo, a literatura indiana ilustra a Kundalini como sendo duas serpentes que ficam adormecidas na base da coluna vertebral. Quando elas despertam e esse despertar pode se dar tanto por práticas meditativas como de maneira espontânea, ela vai irrigando todos os centros energéticos do corpo (chakras) até o topo da cabeça.

Não sou da área médica, nem da psicológica, nem da terapêutica, arrisco a filosófica, mas vou mesmo enveredar pela literária, de cunho ficcional. Sou um ficcionista. Deixei no armário a camisa de força e peguei a fantasia de escritor.

E lá de onde venho, nas histórias encantadas do mundo assombrado, nunca avistamos nenhum terráqueo que não fosse psicótico. Não estou falando neurótico não, estou dizendo psicótico. Para precisar ainda mais: esquizofrênico e paranoico com mania de perseguição. Ambos frutos de medos, receios, vozes que de tanto serem ditas pelos normais ficam gravadas na memória e as vezes impossibilitadas de serem deletadas. Já esboço assim, o início de uma causa que passa desapercebida a maioria. Mas há alguns seres que registram o universo de forma diferente da nossa. Como uma esponja sugam todo espectro astral do ambiente que se localizam. Seriam gravadores naturais que reproduziriam os estados mentais, neurais, emocionais, sentimentais das pessoas a sua volta, do meio no qual se inserem. 




De modo que nos estranha reputar apenas alguns como psicóticos, quando a psicose parece ser a forma escolhida para se viver no planeta. Toco esse ponto brevemente e retorno a nossa idéia. 

Observem que somos uma sociedade esquizoide, que separa, classifica e distingue tudo. Quando alguma coisa sai fora do lugar, quando perdemos o controle das nossas separações e distinções ficamos perdidos, nos sentimos fragilizados, temos certeza de que há um complô no universo contra nós, que há forças grandiosas querendo nos pisar como se fossemos formigas. Nesse momento como autômatos repetimos o ritual civilizatório que nos ensinaram desde sempre para aplacar a ira dos deuses, para instaurar, novamente, a ordem em nossas vidas. Nos  voltamos para qualquer símbolo religioso, uma cruz por exemplo, ajoelhamos, prometemos que não mais deixaremos de fazer aquilo que fazíamos, desde que a ordem retome a nossa vida. Nos submetemos aos maiores desatinos e absurdos, a todo tipo de vigarista e charlatões que abusam manipulam não a fé das pessoas e sim o desespero, a crença e a esperança que temos em algo que seja maior do que nós, que nos transcende, que nos faz sentirmos como formigas, mas que não permitirá sermos tratados como tal. Falo de pseudos pais de santos, bispos, pastores e um rol interminável de trambiqueiros, nos quais podemos inserir advogados, psiquiatras, psicólogos, terapeutas. Fomos ensinados a acreditar que cumprindo o ritual, o mundo volta ao lugar. Nas universidades se ensina procedimentos ritualísticos que se aplicados conforme sempre foi feito dará certo, a isso denominamos metodologia. 


Mas, como hoje a crença religiosa é tida como mítica e eu sou um dos últimos a acreditar nesses personagens lendários, fabricaram-se novos deuses: Prosac, Lexotan, Rivotril e uma série de outros antipsicóticos e antidepressivos. Já consigo ver daqui alguns séculos a nova Cosmogonia ocidental. No princípio era a depressão, depois o Rivotril habitou entre nós. Ou outra saga similar, mas mais à grega. Da desordem psíquica que invadia a mente dos seres, saiu Fobos. Da união de cortisona e lítio criamos um novo Panteão olímpico, ou melhor, antipsicótico, hoje dominado pelos imbatíveis Haloperidol e Ferfenazina.



O incrível é que dar lítio para criança, aumentar/diminuir a dopamina das pessoas e outras coisas do gênero, como deixar milhares de pessoas passarem fome, gastar bilhões com armamento nuclear ou não, é algo super NORMAL. Ninguém questiona a sanidade mental de Bush, Hussein, Fidel, Serra, Anastasia, Aécio Neves. São tão normais que chegam a ser nossos representantes eleitos pelo voto normal da maioria. 

Enfim... guerra, fome, extermínio, destruição em massa, tudo isso é tido como um comportamento normal, alias, normalíssimo. Para ajudar, estamos retomando dentro desse prisma algumas forças que estavam escondidas, mas que voltam a ocupar espaço: diabo, capeta e companheiros do inferno. São eles os atuais Irresponsáveis por todo tipo de coisa que foge ao ordenamento lógico que desejamos encontrar na vida. Ontem conversava com Tranca-Rua e ele me contava: Lúcifer vai se render. Cansou de ser responsabilizado por tudo.

Assim, aos nossos olhos, é estranhíssimo que a gente repute psicótico, esquizofrênico, justamente aquelas pessoas, que conseguem ver uma conexão e uma integração nas coisas e nos seres. Aqueles que conseguem romper com um paradigma cartesiano de idéias claras e distintas, isto é, separadas, classificadas, racionalizadas como bem pontuou Kant seguindo os passos de Newton. 

E não veja critica a visão de mundo apresentada a nenhum desses grandes pensadores, pelo contrário, a critica é a quem se diz cientista, não conseguir perceber que tudo isso é um modelo. A critica é a não criticidade de perceber que estamos fabricando novos deuses, de um materialismo que chega a doer de tão hediondamente concreto. Dar antipsicóticos para qualquer um, especialmente, para crianças é tão absurdo quando a pratica da lobotomia. Mas, isso é o tempo que vai dizer. Infelizmente, para alguns o bom senso só chega com a secularização.

De todo modo, vou aceitar a alegação, que alguns possam estar fazendo de que estou romantizado a psicose. Sim, estou, mas faço isso para retirá-la da demonização. E entenda-se o tratamento dos esquizofrênicos com base em lobotomia, internação, dopagem como demonização do processo psíquico. Sendo assim, eu diria o que Laing (antipsiquiatra) disse na década de 60/70 estamos psicotizando nossa sociedade e aqueles que de alguma forma consegue escapar e, ou fugir são diagnosticados, rotulados como esquizofrênicos, psicóticos. Qualquer um que apresentar um segundo de sanidade nessa sociedade é convidado a beber cicuta- Sócrates, crucificado- Jesus; silenciado ou com os livros queimados, quando não o corpo, ou envenenados- Reich, Osho. 

Sei que entusiasmei e não respondi a que me propus, espero conseguir ou terei que mudar o titulo do que pretendia escrever. É que os textos são seres vivos, que possuem aqueles que lhes escreve. Quisera eu conseguir sentar e escrever aquilo que pensei que escreveria. Quando sento e começo as idéias saltam, as imagens vêm, o discurso se altera, eu sou eu e mais milhares de inconformados que sabemos fazer melhor e mais acertado. Pelo amor de Deus, escuta a gente. Nós somos doidos, sabemos, mas nós entendemos dessa coisa. Nós podemos auxiliar a vocês no tratamento dessas pessoas. Mas é imprescindível carinho, respeito e se conseguirem amor.

Assim, nosso pedido e a nossa abordagem ficcional tenta demonstrar que é possível entender esse estado de dentro, por dentro, sem que para tanto se necessite ficar psicótico, ou menos ainda lobotomizar o cérebro. Essas técnicas de compreender o outro, esse não eu, a partir de mim mesmo é amplamente conhecida por xamãs e meditadores. Eles conseguem fundir a consciência deles a de outros seres, a de outros estados. Fundem-se, registram, mapeiam, conhecem e retornam. Mas, esse cenário é tido para muitos cientistas, filósofos como visionário, lunático, esquizofrênico. Todavia, quer me parecer, que sempre foi esse apelo não local que algumas pessoas conseguem explorar da sua própria mente, que deu a loucura um ar sagrado.

Pelo menos é esse enfoque que podemos vislumbrar com Foucault em A História da Loucura, Vigiar e Punir e com Groff em Emergência Espiritual. Vejamos: