sexta-feira, 18 de setembro de 2020

1º RELATO- TRANCA-RUA.


Esse é o vídeo do relato em nosso canal no Youtube. 
INSCREVA-SE. 
Abaixo o texto para ser lido na sua integra. 





Não podemos correr, esconder, ou largar a nossa sombra, sob pena de perdermos nossa luz.

Domingo, madrugada de segunda-feira. Feriado Nacional (21/4/2003). Estou ao lado de Tranca-Rua. É assim que se chama e se declara esse irmão de caminhada que se apresenta aos olhos dos videntes como um ser alto, pele negra, queimaduras no corpo que cada vez mais vai voltando ao normal, assim como algumas cicatrizes. Pernas cambotas, pés e mãos que cristalizam como fossem garras. Olhar penetrante e impactante de quem conhece todos os desejos e reconhece o gosto de cada um deles. Noutrora, ele carregava muitos cadeados junto ao seu corpo, hoje possui uma única chave, um símbolo que carrega na altura do peito representando o poder e a força de abrir e fechar caminhos. Abrir e fechar caminhos, entrar e sair são os movimentos basilares e essenciais dos Exus. Eles lidam com as energias das repressões, dos tabus, do escondido, do confinado, do não dito, do não pensado, do não expresso. Lidam com a energia sexual no seu estado mais primário. Lidam com a energia do querer, do possuir, do conquistar, do desejar no seu estado mais básico. Nossos medos, nossas fantasias, nossos recalques, nossas privações tudo isso alimenta Exu, tudo isso lhe proporciona o banquete de ser quem ele é, nos ajuda a limpar, escamotear, uma parte nossa que envergonhamos, lutamos para não ter e fazemos de tudo para esconder. Reprimir essa energia cria e ocasiona os mais diversos graus de transtornos, mas isso é outro assunto[1].

É usualmente comum visualizarmos Tranca-rua e outros EXUS com o corpo retorcido, rosto transfigurado, pernas tortas, dedos em formato de patas, pelos espessos ao longo do corpo, dente em formas de presas, cadeados ao longo do pescoço e na cintura. Olhos avermelhados como chamas de fogo e ira. Um aspecto impactante para atemorizar, espantar, causar medo e pavor, numa representação bem perto de uma Carranca, de uma Gárgula, com a distinção que é bastante comum encontrar com o mesmo Tranca-Rua numa forma menos animalizada, vestindo-se de roupas de centurião, saia curta, sandálias trançadas até a altura dos joelhos, dorso nu, mostrando várias cicatrizes. Rosto pesado, colossal, denso, com um olhar penetrante, impactante. Um ser que faz uso dos seus conhecimentos de magia, feitiçaria, encantos e especialmente militar para proteger, inibir, desestabilizar os inimigos daqueles que ele foi escalado para proteger, defender com a própria vida. O aspecto animalesco é uma roupagem utilizada por ele e outros para trabalhar e prestar socorro nos vales das sombras, das drogas, do tráfico, da violência e da morte. Um trabalho extremamente pesado e desgastante e que sempre temos que prestar esclarecimento.

Respondem sob a alcunha de exu um sem número de seres, dos mais diversos, nos mais variados níveis. Sendo assim é preciso distinguir os Exus, dos exus. Quando estivermos falando de Tranca-Rua, um Exu estamos falando de seres que não são orixás (ESÚ), e sim de seres que se aproximam e se identificam dessa forma-força arquetípica se prestando aos mesmos atributos de mensageiros, comunicadores, brincalhões, obstinados, protetores. É comum vermos e lidarmos com vários Exus que modificam sua roupagem de acordo com o ambiente em que se encontram. Tranca-rua nas casas espiritistas apresenta-se com características humanas normais como descrevemos e é o protetor espiritual, defensor, guardião de nossa casa e algumas outras. Nessas atividades, ele pode ser chamado ou reconhecido como centurião Arnaldo, ou como coronel Xisto, porém é o mesmo amigo, irmão, que ao descer no lodo, caracteriza-se com outras feições. Em cada uma dessas casas e lugares, Tranca-rua auxilia e coordena na parte da defesa e proteção dos médiuns, dos visitantes, do ambiente, dos que chegam, dos que pretendem chegar, assim como a negociação das dívidas com outros seres.

 


Na madrugada de domingo, ele e outros vieram me chamar para iniciarmos nossos trabalhos. Ao sair do corpo fomos levados a uma região do Umbral, na Crosta Terrestre, local de muito lodo, muita escuridão e um sentimento no ar de medo, desassossego, sendo necessário muito equilíbrio interior para não se deixar afetar pelas cenas dantescas e pelos seres dantescos que por lá passeiam e habitam. A moralidade dos trabalhadores da luz tende a considerar esses lugares e seus habitantes como irmãos necessitados, espíritos endividados e coisas do gênero, o que de fato são. O inusitado é ouvir Tranca-rua e outros nos esclarecer que o lugar que eles habitam, a energia que eles usam e especialmente quem eles são, deve-se a nossa dificuldade de lidar com nossos desejos. Aqueles lugares eram criados pela dificuldade de olharmos para o nosso querer, nossa vontade e reconhecer a fúria, a raiva, a inveja, a cobiça, a ira, a tristeza, o egoísmo, o orgulho, a vaidade e tantos outros pontos que por não reconhecermos em nós, acabamos por co-criar e dar mecanismos de perpetuação de tudo isso em outros. Numa perspectiva energética em que nada se perde e tudo se transforma não é difícil considerarmos que nossas energias de recalque vão parar em algum lugar. No caso, Tranca-rua nos mostra que ela alimenta o umbral e seres umbralinos dos mais diversos matizes. Insistentemente, ele tenta nos mostrar que esse lugar não é um lá e aqueles habitantes não são um eles e sim, que aquele lugar é um aqui (apontando para si mesmo) e um nós, indicando uma relação complexa de identificação que não cabe por hora falarmos. Pelo menos não era há treze anos. Hoje é imprescindível que falemos desses espaços. Os espaços astrais que percorremos, adentramos, são construções coletivas, fruto de pensamentos, sentimentos, vibrações que se consolidam. O umbral é formado, é composto por nossa inconsciência no sentido mais irresponsável. É a somática de nossos desejos, vontades, não declarados, não manifestos. Nessa concepção, o sentido básico por ele relatado é o que somos todos um. Não um apenas com as partes luminosas, ascendidas e esclarecidas. Somos um também com as partes sombrias, por vezes trevosas que fogem da luz e da consciência. Essas partes que não desejamos ver, que escondemos, camuflamos, ocultamos e pior, apontamos nas outras pessoas. É fundamental olharmos para essas partes nossas que por vezes obsedam a nós mesmos e a pessoas que amamos.

Tranca-rua assim como outros EXUS tem uma base de apoio justamente nessa localidade, onde trabalha com outros irmãos de luz no auxílio a seres que fizeram da vingança, do ódio e do medo à razão de suas vidas. É um lugar terrível, onde o único sentimento, se é que podemos qualificar assim, que impera é o do vazio interior, o nada existencial. Às vezes, alguns desses seres são chamados na superfície e é aí que se inicia parte do trabalho de Tranca-Rua e a falange de EXUS. Auxiliar num processo de despertar consciencial de todos os envolvidos. A matriz de entendimento para isso é coletiva, plural, sistêmica, desdobrando-se como raízes de uma árvore para diversos pontos. Não importa o ponto no qual se faça a observação todo ele é plural e coletivo. Se o foco é um médium, logo estamos diante de suas entidades, que se desdobra para uma casa espiritual que ele trabalha. Se estivermos diante de uma casa espiritual, logo nos são apresentados seus membros e, por conseguinte, suas entidades. Se o foco é um visitante, logo estamos diante de sua família e de seus contatos. Não importa por qual via, por qual estrutura, todos são um e percebidos como componentes de uma rede. Um sistema holográfico no qual a parte desvela e revela o todo. Um fragmento comporta toda a característica do todo e este ‘todo’ fragmenta a visão de todas as partes. Por essa via de movimentação é que situamos a diferença do espectro consciencial desses seres, de ESÚ a exu. O sentido desses seres, que trabalham nesse fragmento da totalidade, é espelhar, produzir e reproduzir uma cadeia na qual promova a justiça. Uma Justiça que se atrela as leis do karma, que se estende do passado ao presente, do presente ao passado. Quanto mais ciência dessa temporalidade, maiores os recursos, as potencialidades dos mensageiros. Praticamente, é nesse cenário que os EXUS trabalham.

Imaginemos como:

·        Uma pessoa que deseja e procura ajuda de quem pretensamente pode movimentar energia espiritual para obter o seu intuito;

·        Um médium e a casa que se faz de intermediários entre esse desejo e a sua realização;

·        Os seres desencarnados que motivados e incentivados pelas oferendas irão aceitar o contrato;

·        A pessoa alvo da ação;

·        Os demais seres (encarnados e desencarnados) que indiretamente receberão essas ações.

Na visão material, física cada um desses pontos é visto como uma fase isolada. Na perspectiva espiritual e isso é que caracteriza e diferencia um Exu de um exu tudo isso é visto como uma rede, relações intricadas e interligadas, com poucas possibilidades de separação. Ou seja, mostramos uma parte bem visível desses elos sem entrar nos méritos pessoais de cada um, mas o trabalho dos Exus é acompanhar todo o processo e interferir apenas se forem conclamados. Os Exus respeitam as leis da vida, isto é, do carma e da justiça divina. É muito raro, raríssimo encontrar um Exu que fez parte de algo que contraria essas regras, pelo contrário, eles são os que a fazem cumprir.

Peguemos um caso concreto no qual a mulher solteira se apaixona pelo homem casado. Entendam que isso é normal, são pessoas bonitas, saudáveis, interessantes e afins, porém um fez um voto de fidelidade e deseja cumprir. Lidássemos melhor com nossos desejos, o marido diria para esposa:

- Conheci uma moça que está tirando o meu sono.



Sim, ela ia tirar o sono, mas esse homem conseguiria dormir, acordar, aproximar e levar uma vida sossegada. Porém, esse homem tem um sistema de crença muito rígido, bem consolidado do que representa o matrimônio. Nessa visão esse desejo é pecado. Para ele a moça é tentação do diabo, luxuria colocada na vida dele. Ele vai lutar, ele vai fugir e é dessa energia, é dessa falta de luz e consciência que as forças desarticuladoras vão fazer uso. Elas se alimentam do medo, da omissão, da falta de clareza. Elas se alimentam do medo. A moça vai até uma casa de sortilégios e encomenda a separação do casal para ela ter o que deseja, sonha.

Nosso trabalho enquanto Exu é tentar proporcionar ao casal a expressividade dos desejos, a busca por luz e esclarecimento seja psíquica, espiritual, religiosa. Esclarecimentos que não criem medo/culpa e sim apresente clareza. Não há escuridão que resista a luz. Porém o habitual é a condenação do desejo é o aumento da culpa e da vergonha e essas energias não beneficiam a saúde psíquica do indivíduo, nem do familiar, nem do social. Essas energias geram o umbral, alimentam o inferno. O inferno não é o desejo e sim a ocultação dele, a vergonha dele. Não é ilícito sentir, desejar, imaginar. A ilicitude está em negar isso, negar tanto e até o ponto que outro fara por você. Construir situações nas quais por não se dar conta e nem consciência do desejo um terceiro o realiza e nessa realização você ainda condena, julga, joga pedra, não reconhece que ele fez a expressão da sua vontade, do seu querer[2]. Quando falamos de energia do astral, quando falamos de umbral, estamos falando da soma de todos esses recalques, de todas essas inconsciências. Estamos falando de tudo o que negamos ser e julgamos, condenamos, criticamos. Há aspectos nossos que vivem nesses lugares e que nós os alimentamos. Essa é a complexidade que gostaríamos de falar e não é fantasioso dizer que muitas vezes o obsessor que nos atormenta é uma parte nossa que jogamos na escuridão por medo, culpa, vergonha.

Dar clareza aos nossos desejos movimentá-los e especialmente materializá-los esse é o trabalho dos Exus. Eles são aqueles que intermediam de forma mais clara os planos materiais e espirituais, a “alta energia” e a “baixa energia”, o em cima e o embaixo. Enfim, são seres que dominam os dois lados da energia e optaram conscientemente por fazer esse movimento do lodo para as nuvens. Esses outros que pousam/baixam nos diversos centros e se autodenominam exus, são na verdade, irmãos ignorantes, muitas vezes manipulados, muito longe da sabedoria desses amigos injustamente ultrajados. Essa é uma longa conversa que já podemos contar com obras bem escritas, percebidas e elaboradas que mapeiam e descrevem essa distinção. Podemos citar Tambores de Angola de Robson Pinheiro e algumas outras que distinguem o que é exu de ESÙ, EXU e exus, malandros, aproveitadores que desencarnados permanecem dando golpes e se alimentando dos vícios de outros. Quando as pessoas chegam ao centro tramando por vingança, eles acabam por alimentar àqueles seres que por sua vez dão força para que sejam realizados os trabalhos desditosos de amor, luz e compreensão.

 

Nesta noite fui levado e apresentado a dois casos: um no seu período inicial e outro no seu período final.

CASO UM.

Tudo começa quando Marcos conhece Joana (nomes fictícios) mulher casada, mãe de três filhos, trabalhadora. Marcos também pai de família, casado, dois filhos com a companheira atual e alguns outros com outras mulheres que nunca assumiu, nem o relacionamento e nem os filhos.

Marcos é o que podemos denominar de médium ainda que não trabalhe ostensivamente, mesmo sendo um frequentador assíduo de casas espirituais onde impera a maldade. Compreenda por maldade casas que tem como proposito e meta fomentar a vingança, o desejo, a cobiça a qualquer preço sem levar alguma coisa em consideração a não ser a satisfação própria. Esses lugares como quisemos deixar claro e vamos aclarando a todo instante servem para alimentar seres perversos, cruéis numa retroalimentação doentia e satânica. Marcos e Joana são ‘companheiros’ de trabalho e ele a desejou fisicamente desde o primeiro instante. Quando digo ele, refiro-me tanto ao próprio Marcos, quanto e especialmente aos amigos que o acompanha energeticamente. Uma simbiose complexa de auto obsessão e obsessão, um processo de ressonância em que está em jogo não apenas os entes físicos e encarnados, mas muitos dos entes espirituais e desencarnados. Talvez a frase: “meu anjo da guarda; meu santo bateu, ou não bateu com o dele” ilustre essa simbiose, que facilita ou dificulta, impossibilita inúmeros relacionamentos.

Joana tem um marido e um lar que passa por dificuldades, entre outras coisas pela falta de um tempo para a espiritualização. Parte dos conflitos do casal tem um fundo espiritual: vingança karmica. Compreendendo esse espiritual como a força que aglutina, direciona, abriga, que conforta as demais esferas da vida- econômica, física, emocional, financeira. O espiritual é o que consegue dar sentido, preencher o vazio de uma vida calcada apenas em valores materiais.  No que se refere à vingança ficava-nos claro astralmente a presença de uma mulher e de um homem que foram cônjuges respectivamente de Marcos e Joana e que ainda por ciúmes, inveja, vingança, um amor doente, não permite e não aceita a união atual deles. Para aqueles dois seres desencarnados, eles estavam sendo traídos e juntos se unem para separá-los, pois no entendimento comum que tinham sobre os fatos- Marcos e Joana eram deles. Marcos passa a ser o ‘cavalo’ de Tróia que será utilizado para arruinar o tanto o próprio lar, quanto o da Joana. Envolvido que estava pelos lugares nos quais frequenta, pelos desejos que vibra, Marcos invoca forças de baixa vibração para ter Joana para si sem saber que por trás do seu desejo, ele está sendo igualmente manipulado. Ele está dando forças e abrigo para que seres de outra e mesma monta o arruíne por vingança, cobiça, inveja.

Talvez o leitor mais cético duvide, que algo possa ser tão fácil de ser realizado. Perguntam-se: afinal, cadê a proteção divina? Perguntas válidas, mas que não alteram os dispositivos, as engrenagens atrativas da força do desejo, do querer, seja ele qual for. Não dissuadem seres que tem a coragem de lidarem com o próprio desejo, mas que não se responsabilizam com o que isso pode causar. A sua maneira, Marcos desperta esse desejo e ele tem atrelado em seu campo áurico seres que por diversas aparelhagens e mecanismos conseguem atrair e movimentar esse querer os materializando. Esses seres dão forças aos médiuns e a algumas entidades para terem os seus fins realizados nesse conluio escuso de forças.

Marcos consegue o seu intento: dorme com Joana. Dessa relação há uma gravidez. Como já era esperado, Marcos não assumi, o marido de Joana desconfia e descobre. Joana aborta. Marcos a despedi por um motivo banal, o marido se separa dela.

Joana se sente injustiçada, quer vingança e encontra quem a faça. Paga por ela, alimentando o médium, a casa, os seres e o ciclo não para, a dor não cessa, a luz não entra, o sofrimento impera e permanece. Joana quer vingança contra Marcos. Marcos fica impotente, em seguida neurastênico, mais tarde depressivo, desenvolve câncer na próstata, desencarna. Antes de seu corpo virar pó, ele já está aprisionado no vale das sombras por criaturas que irão continuar sugando o resto de energia vital que ele ainda possui. Quando não conseguirem retirar mais nada, eles os enviarão para ser Zumbi, isto é, trabalhar como exu, se alimentando de sexo, cachaça, raiva e rancor nos becos, nas encruzilhadas, nas esquinas, literalmente incorporando em cachorro para se alimentar. Quase nunca ocorre a esses seres refletirem sobre o que fazem, fizeram e continuam fazendo. Permanece com eles o desejo inconfesso de algum dia, serem os maiorais, continuam alimentando a roda de dor e sofrimento continuam dando vazão aos seus desejos acreditando que eles não podem ser realizados ‘pela luz’. Continuam escondendo-se nas trevas, na escuridão e impedindo de crescerem e serem melhores. Continuam o ciclo de inconsciência e escuridão. Algo que se dissipa, calmamente, assumindo o próprio desejo. No caso de Marcos e tantos outros, aprendendo a lidar com o magnetismo pessoal e o liberando. As formas para isso são imensas, inúmeras, vai do passe a dança, do ganhar dinheiro ao uso ostensivo da mediunidade.

 

Esse é só mais um exemplo de inúmeros outros que ocorrem, como o do empresário passado para trás, o do político ganancioso e outros tantos e inúmeros outros casos assustadores e terríveis.

O trabalho de Tranca-Rua é o de conscientização dos médiuns e dos seres do vale sobre o alto preço dessas atividades e suas afetividades. Uma tentativa de unir e clarear as duas pontas da corrente. Na verdade, as pessoas do vale são em sua grade parte médiuns de outrora que se disponibilizaram para ser veículo de escândalo entre os dois planos. Esse conluio energético prende, aprisiona, interconecta esses seres por muitas vidas. Trabalhar mediunicamente com bases no amor, no esclarecimento, mais do que cuidar dos outros é lançar luz em nossas próprias cadeias e elos conscienciais. Para cada um que falamos, com cada um que conseguimos explicar os pontos de estrangulamento do jogo kármico é a nós mesmos que estamos clareando e esclarecendo. Tranca-Rua ajuda a desfazer essas correntes karmica perniciosas, daí a alcunha do seu nome- Tranca rua. Não só no sentido comum de fechar e abrir caminhos no campo material, profissional, sexual e alguns outros; como também no de liberar e fechar energias que aprisionam e libertam os seres. Estamos falando, basicamente, da ENERGIA SEXUAL. A Kundalini, a serpente, a corrente que ele detém o poder de manipular e explorar o funcionamento travando e liberando o fluxo, ajudando os seres a se desprenderem desses laços (correntes). Esse é um caso que eles nos apresentam e parte do seu trabalho na espiritualidade.

Se ao invés de Joana ter buscado uma casa de vingança e encontrado uma de luz, estaria acionando um grau de consciência a todos os que a cercam. Teria sido realizado uma “puxada”, ou desobsessão na qual todos os irmãos desditosos, paulatinamente, seriam chamados a se conscientizarem dos seus atos, ações e pensamentos. E essa luz seria novamente devolvida ao nosso irmão médium que poderia esclarecer Marcos. Por essas vias o trabalho de conscientização romperia o elo vingativo da corrente, introduzindo um novo padrão de luz e vibração a todos os envolvidos direta e indiretamente. Podemos pensar a corrente como sendo uma condutora elétrica, o choque de consciência em um dos elos é reproduzido e amplificado para todos os demais, numa força e grau bem mais rápido e forte do que provocado pela força ‘exógena’ das entidades.

O trabalho dele(s) não para aí, além de examinar cada caso, eles veem até que ponto pode interferir no processo de conscientização, esclarecimento e como farão isso. Qual o grau de merecimento para resolverem o problema e qual o nível de consciência para que ele seja solucionado, indo desde locais de apoio e estruturação para os envolvidos até as pessoas que cruzam o caminho. A conversa afiada, assim como a obstrução das entidades que querem obstinadamente o mal é parte do trabalho desses amigos.

 

Tenho que acordar, levanto, mas após o almoço sinto sono e volto a dormir. Estou de volta com os meus amigos ao local do nosso encontro. Lá saímos por incursões no astral. É Tranca-Rua conduzindo seres (amigos) ao umbral. Discorrendo sobre cada lugar com muita propriedade e falando da energia dos moradores das cidades. São cicerones, algo similar a guias turísticos do Umbral. Creio que ninguém vagueie por lá sem contar com o auxílio desses amigos.

Outro aspecto do trabalho deles é militar: montar guardar e desmantelar ‘quadrilhas’ umbralinas. Retirar casas espirituais, médiuns, entidades de circulação por estarem tumultuando e dificultando a circulação de luz aos seus laços. Essa já é uma arquitetura mais sofisticada que conta com diversos tipos de elaboração e entidades para ter funcionamento. Concomitante a tudo isso, eles dão apoio e estrutura as casas espirituais na qual trabalham e frequentam e aos médiuns que assistem de forma direta. São capazes de impedir vampirização energética, pensamentos negativos destinados aos médiuns. Assim como cuidar de pessoas da assistência que recebem vibrações para não irem à reunião, passando por fatos mais intricados relacionados à materialização- como o desviar balas das pessoas, evitar acidentes, retirar pessoas intactas de dentro de um carro com a lataria completamente retorcida.

Finalmente, a eles cabem a regulagem de quem entrara na sessão espiritual. Ficam na porta (umbral), ou nas adjacências (encruzilhadas) montando guarda, enviando seres e impedindo outros de adentrarem a reunião. Durante as mesmas, nas desobsessão ou até mesmo nas de esclarecimento e conscientização levam essas criaturas recolhidas ao longo do dia ou da semana para ouvirem, falarem se esclarecerem. No término conduzem cada participante até a sua residência para que nada fora dos desígnios do alto ocorra.

Olhar para os EXUS e os virem como seres que promovem toda desordem no astral é pré-conceito de quem deveria buscar a luz tanto para si quanto para melhor iluminar. São seres que em grande parte dos casos não precisam mais fazer uso do corpo físico, podem trabalhar, evoluindo, fora da matéria, mas em contato com ela. São mediadores celestiais. Precisam de uma roupagem pesada não por serem duros e lhes faltarem evolução como muitos videntes acabam interpretando. Usam essas formas em geral por residirem e trabalharem nos locais nos quais se encontram. Locais nos quais o dantesco, o burlesco tem mais valor do que o belo e o harmônico. Nesse papel barroco que eles têm: equilibrar os contrários. São seres amantíssimos que nos indica que o mal exterior, a obsessão nada mais é do que os sonhos interiores que todos desesperadamente querem ocultar.

Os EXUS nos ensinam que para chegarmos à luz precisamos iluminar e esclarecer nossas sombras interiores, os nossos porões internos. É isso que eles fazem, movimentam a nossa energia fantasma: a sexualidade. Mostram-nos que não podemos correr, esconder, ou largar a nossa sombra, sob pena de perdermos nossa luz. Precisamos utilizar nossa sombra com carinho e sabedoria para ajudar a esclarecer e acolher os elos que trazemos e carregamos. Eles são mestres do equilíbrio, são bailarinos do astral o que desvela o trabalho deles mais importante- o de senhores da lei e do karma. Mas, antes de desvelarmos isso, eles nos ensinam a arte de caminhar na corda bamba da existência sem medo e ou preconceitos morais, espirituais, sexuais. São seres abertos que se fazem e se pintam horripilantes para que consigamos suportar a beleza da sua luz, a majestade do seu gesto, de se fazer pequeno e habitar com os perdidos sem serem percebidos a sua grande elevação espiritual. Sem percebermos o trabalho deles de aplicadores da Justiça divina nas mais diversas formas que cada consciência compreende para o seu processo de crescimento e amadurecimento.

É esse equilíbrio que lhes dota do merecimento de serem agentes da lei do Karma. Longe dos palácios suntuosos da Justiça divina na qual os seres que por lá se encontram fazem com que a lei se cumpra mediante a capacidade amorosa e consciencial de cada um, os Exus são os juízes fardados que aplicam as medidas e as sanções. A imagem que me foi mostrada é a de que cada consciência tem o seu tribunal. Um tribunal que desconhecemos a amorosidade. Esse desconhecimento nos faz acreditar que tudo funciona pela dor, pelo sofrimento, pela culpa e pelo castigo. A maioria de nós não consegue aprender pela docilidade, pelo entendimento, pela fala amorosa, a maioria de nós só concebe aprendizagem quando ela está associada ao sofrimento, a dor, ao castigo. Os Exus são esses seres que regulam essas medidas nos planos mais densificados. São eles que ‘abandonando’ a sua amorosidade fazem uso de uma regulação mais instintiva, visceral, aplicando as leis de causa e consequência sem perdão, quase que nos moldes da lei de Talião.


Postulem, que o legislador celestial, imaginou que cada ser na sua experiência terrena, ao ser chamado para o Criador iria retornar de braços abertos e saltitantes. Porém, houve um desvio e nesse encontro diante desse ser amoroso, a gente começou a fugir desse contato por culpa e vergonha por não ter amado como somos amados. Diante dessa vergonha inventamos uma Suprema Corte para nós julgar. Todavia, não havia juízes, porque não há julgamento, mesmo assim a gente insiste e insistia que devemos ser julgados. Eles passaram a nos julgar dizendo: “vá em paz! Renasça outra vez! Faça melhor dessa feita!” A gente não entendia, voltava, renascia, cometia as mesmas coisas e não amávamos. Criamos o Tribunal para que fossemos corrigido o mais breve possível e com mais peso. Adiantou pouco e assim como tem um código civil que normatiza ações da sociedade e dos homens em sociedade, há um código penitenciário que se aplica aos que se encontram encarcerado. Os Exus são esses caras que dão para nossa consciência o grau de punição que a gente se aplica, com o intuito da gente despertar à consciência de que não tem ninguém nos punindo a não ser nós mesmos.

Crimes e castigos que nos impomos por não conseguirmos lidar com o amor divino que não nos pede, não nos cobra, não nos julga, apenas nos ama. Quando aprendemos a lidar com isso, a suportar esse amor que não nos pede nada em troca, não quer nada de nós, não espera nada da gente, nem mesmo que o amemos.... Tornamo-nos seres melhores, mais gratos. Os Exus ensinam isso da forma que nós compreendemos: cobrando e bem caro por nossas conquistas, por nossas faltas.



[1] Preciso e importante destacar a diferença entre ESÚ, que reportaremos como sendo uma força orixá, EXU que são esses guardiões e Exus que são seres desencarnados que praticam qualquer tipo de trabalho em troca de cachaça, dinheiro. Embora a força dos orixás, nos seus apelos míticos transpasse cada um dos outros dois polos, não estamos falando do mesmo nível consciencial e de trabalho. São e estão em espectros conscienciais diferentes.

[2] As imagens destas e outras cenas são inúmeras. São portas que vão se abrindo a cada linha, entre cada uma. É esse lugar que chamamos de livro, as imagens, os sons, a musicalidade que cada autor nos fornece e nos proporciona. Agora enquanto relia, desdobrava a cena em que Jesus se ajoelha diante da adultera e pede a multidão para atirar a pedra, aqueles que não tem nenhum pecado. Enquanto leio Tranca-Rua essa imagem e toda a história daquela mulher vem a mente. Uma história linda que é melhor compreendida como parábolas, alegorias. Diante da vida mesma precisamos de metáforas para darmos conta de suportar a existência.

domingo, 30 de agosto de 2020

24 HORAS: INTRODUÇÃO



Frases da Série 24 Horas Para Status » Querido Jeito
O projeto 24 horas nasce em 2003 como um desdobramento natural das atividades que desenvolvíamos semanalmente no grupo Espiritualista Flor do Amanhecer. Àquela altura queríamos saber e compreender o que acontecia e como os amigos que nos assistiam realizavam suas atividades, seus afazeres antes e depois das nossas reuniões. Fomos percebendo o trabalho de limpeza e preparação por parte dos Exus, o trabalho de esclarecimento por parte dos pretos-velhos, o trabalho de imantação e ideoplastia por parte dos mestres ascensos.

Os focos dos relatos são às 24 horas da segunda-feira dia em que tínhamos uma reunião espiritualista. É esse registro do que antecede a reunião e o que a sucede o nosso foco. Importante destacar que os relatos foram realizados em 2003, porém por motivo de mudança parte deles acabou perdido, esquecido. Nesse ano de 2017 resolvemos digitar as partes que possuíamos e acresce-las com as informações e conhecimentos que temos hoje. Isso acabou configurando uma re-visão que irá acompanhar grande parte dos trechos escritos, uma percepção de 2003 que é revista, acrescida, re-interpretada e até mesmo reescrita 14 anos depois.

Como os autores salientaram e ressalto:

A princípio essa não é uma obra psicográfica, pelo contrário, ela é a elaboração e o registro de etapas realizadas em desdobramento astral e algumas outras práticas aventadas para vencermos as impossibilidades de o ser encarnado estar presente e consciente em todo esse processo. Nos períodos em que está no estado de vigília utilizamos de outros aspectos para que registre as lacunas, seja mediante alguns segundos de cochilo, seja como a visualização de cenas e dos acontecimentos. Dito isso e especificado por alto esses fatos iniciaremos.

Nesses moldes, 24 horas narra o dia de um ser espiritual. É um ensaio que tem a pretensão de relatar por vias mnemônicas os acontecimentos no período de 24 horas de alguns entes espirituais mais próximos de nós, buscando obter o que fazem? Como procedem? Onde residem? E outros fatos que reputamos importante.

Com fé em Deus e na Providência Divina relatamos às 24 horas de sete seres espirituais:
·        Tranca-Rua (Exu);
·        Paulinha e Ricardinho (Erês);
·        Júlio (Cigano);
·        Alícia (Cigana);
·        Pai Jeremias (Preto-velho);
·        Oran (Mestre Ascenso).




segunda-feira, 3 de agosto de 2020

NOVO NORMAL: netuno e desapego


Meses atrás quando escrevi esse post, eu o chamei de Netuno e o desapego. Hoje quase quatro meses depois, chamei de Novo Normal.

Temos falado muito da 40tena astrológica, essa conjunção de Saturno, Plutão e Júpiter em Capricórnio. No entanto, outros aspectos chamam igualmente atenção e um deles é Netuno. Mas, o olhar que lançarei sobre ele vai mais na dimensão das nossas posses, das nossas resistências, do que nos meios esotéricos temos denominados de EGO e a dificuldade de largá-lo. Não vou incorrer sobre o ego, é uma discussão estimulante, mas há vastas explicações para todos os gostos e orientações. O diálogo com o ego que estabelecerei é em relação ao NOVO NORMAL. É em relação a nossa dificuldade de aceitação das mudanças, das transformações que a vida nos traz, nos coloca e por vezes nos impõe. De modo geral, resistimos. Adotamos posições de combate que nos arrasta, nos faz sentir ora heróis, ora mártires, quase sempre, injustiçados pela vida. 

O Covid nos trouxe um novo, mais do que trazer, nos impôs, ainda assim uma parte nossa, uma parcela de nós, recusa aceitar. É um novo no qual resistimos, negamos, não suportamos, não queremos lidar. Um novo que como a maioria das novidades tememos, nos assustamos. É nessa direção que apontaremos. A nossa dificuldade em largar, desapegar, permitir ir, suavizar. A gente morre agarrado a uma visão de eu, de ego, de posse. Tememos a dissolução das nossas posses, das nossas identificações. É um temor que nos faz agarrar ao passado, nos torna conservadores, ortodoxos, deseja-se um mundo que talvez não volte mais, não seja mais, não encontraremos mais.  

Um diálogo com essas percepções é vermos como utilizamos os pronomes possessivos em tudo e para tudo, especialmente, em coisas e seres que não possuímos o mínimo controle. Em verdade, não conseguimos nomear sem possessivar, numa busca incansável por querer caracterizar e controlar tudo. Meu inconsciente, minha mente, meu carro. Meu filho, meu marido, minha esposa. Meus sonhos, meu presidente, meu partido, minha igreja, meu cachorro, meu país. Tudo é transformado em posse e toda posse se identifica como parte do ser. Dificilmente consegue-se ser sem ter algo para chamar de seu, para pegar como sendo seu. 

Na contramão disso, a vida de maneira silenciosa e imperceptível vai nos esvaziando, vai nos despossuindo, nos retirando tudo o que acreditamos que está atrelado e grudado a nós. 

Carros estragam, dinheiro muda de mãos, imóveis são vendidos, empregos são perdidos, pessoas se separam, filhos crescem, pais falecem. A vida tem o mau hábito de ir tirando de nós aquilo que pensávamos ser e possuir. E, esse simbolismo as vezes ganha dimensões maiores, seja por enchentes, seja por tsunamis, seja por epidemias ou pandemias. Essas marcações sugerem que estamos entrando em níveis sociais, coletivos, nos quais essas possessividades vão se diluindo, mas como largá-las? Como deixar para trás aquilo que acreditamos ser? Que identificamos como sendo nossa identidade? Nosso eu? 


A principio não conseguimos, nos recusamos, queremos lutar, brigar. Lutar para mostrar que somos mártires, brigar para mostrar para algo, ou alguém como a vida nos faz sofrer, nos faz doer. E talvez esse seja o único desprendimento do ego a ser feito: aceitar que ninguém te julga, nem te condena, nem te absolve, nem te redime, nem te aplaude a não ser a sua consciência. Nesse universo sem plateia quem é você de verdade? Do que você necessita de fato? O que te sustenta e te alimenta? 

Tem um vídeo sensacional, que acaba ilustrando isso. Uma enchente dessas que vimos e presenciamos (foi logo no início do ano). Todo mundo correndo e se abrigando. Parte dos abrigados com um celular na mão filmando tudo. Nas filmagens tem um rapaz tentando salvar a bicicleta. O pessoal dizendo, larga a bicicleta, segura a corda, segura a mão de alguém. Sai daí. O destemido e corajoso, não largou e foi sendo arrastado pela correnteza, ainda assim, ele continuou segurando a bicicleta, até que caiu num vórtice, acreditamos ser um bueiro e ele foi tragado e a bike seguiu correnteza a dentro. Provavelmente, parou na porta de alguém, que olhou para os lados, não viu ninguém que a reclamasse, montou e saiu pedalando. O cara morreu por algo que outro vai usar sem saber que alguém deu a vida por aquilo.  
O cara tem um bilhão de motivos para não soltar a bike. Não sabemos quais, mas já escutamos as estórias. "Trabalhei demais por isso! Se eu trabalhar o mesmo tanto, não consigo comprar outra!" É um apego, cada um de nós tem os próprios. Quando a gente conversa com o pessoal que perdeu o corpo físico e pergunta e aí? 

Eu ainda nunca ouvi ninguém dizendo: “valeu pra caralho ter morrido por não ter soltado a bicicleta, ou por ter reagido ao assalto. Me senti muito mais foda! E estou benzão só esperando outra chance para agora morrer lutando por um presidente, rsrs.” Vou escrever sério. 

De certo modo, aquilo que faz todo sentido num nível, em outro não tem nenhum. Mas, é complexo desapegar, cada um de nós está agarrado a uma bicicleta para chamar de nossa. Descobrir qual nos prende, talvez ajude. Talvez nos dê chaves para desapegarmos, largarmos um pouco de nós, ou do que a gente identifica como sendo nós. Identificações duras, cruéis, muitas vezes limitantes e limitadoras do que somos ou podemos ser. 




Ao mesmo tempo, desapegar nos remete e nos proporciona uma passagem para outra fase e grau de consciência. Porém, como dar esse salto? Como dar esse passo? De vontade própria não damos. Por isso que a vida de maneira Netuniana (astrologia), vai agindo à revelia da nossa vontade consciente. O processo vai se dando de forma que tudo vai sendo retirado aos poucos, diluído no oceano até virar água, sal, nada. 


Netuno vai tirando pedacinhos das pessoas, de um jeito muito peculiar. E, nessa dinâmica de sofrimento, há deleite, prazer, orgasmo, festa, comemoração a essa mutilação existencial. Sabe casa no barranco? Todo mundo já previu o desmoronamento, mas a pessoa tem certeza que ao desmoronar conseguirá reeguer um sentido na vida que dialoga com a dor, com a culpa, com a falta, com a luta. Mobiliza uma atenção. E, como essa atenção faz bem. Como que nos alimentamos desse olhar que vitimiza, infantiliza, que não permite crescer e nem se responsabilizar pelos afetos, pensamentos, sentimentos, escolhas. Netuno uma hora se apresenta diante de nós e para nós. E, aí precisamos escolher se largamos ou não a bicicleta. 

Aqui farei uma passagem rápida pelo tarot, pelo arcano XII, o Enforcado. 



Nos mais diversos tarot esse Arcano estreita um diálogo com aspectos netunianos, nas formas conscienciais que podemos associar com a dor, o sofrimento, a vida, a existência e as maneiras com que encaramos isso, lidamos com isso. Seja como vítimas, seja como mártires, seja como pessoas que compreendem as ilusões e esse estado meio sonambúlico, etílico, ébrio. Algo entre o estar acordado e o estar dormindo. Estados que dialogam com a posição do arcano que se encontra de cabeça para baixo, indicando a ótica da inversão. 


Essa é uma posição iniciática. O adentrar a trilha espiritual redimensiona o olhar e a percepção, os valores e o mundo se invertem, tudo fica de cabeça para baixo. O iniciado passa a ver o mundo de outra maneira e por outra ótica e nisso reconhecer, valorizar o que importa, ou seja, a vida nos proporciona diluições, abandonos, constantes e permanentes. A cada momento a vida nos convida a deixarmos de nos apegar, a nos soltarmos, nos liberarmos. No entanto, as nossas resistências nos força a sermos tragados pelos bueiros existenciais, ou as diluições das drogas, do álcool, do sem sentido, do vazio existencial. 

De uma forma ou de outra, vamos deixando partes nossa pelo caminho, vamos perdendo o que somos, quem pensávamos ser. Quem coloca atenção nisso está mais perto de um novo normal. Quem coloca atenção nas perdas que a vida nos traz, consegue dialogar melhor com o que a vida leva, reformula, sem nos pedir licença e por favor.

No momento, muitos de nós está querendo retornar a um mundo que talvez não volte a existir mais e longe de negar esse desconforto, um movimento interessante é mergulhar nesse vazio, nesse nada, nessa angústia e deixarmos que ele nos mostre um pouco aspectos e partes nossas que não identificamos, que não estão diretamente indexadas ao nosso ser, mas nos compõe e nos transcende. Aspectos netunianos para além de um sacrifício, mas que podem nos dar um sacro-ofício. Transformar o cotidiano em algo sagrado. 












quinta-feira, 2 de julho de 2020

CRIANÇAS NA PANDEMIA


Uma colega de grupo, meses atrás, nos trouxe uma questão referente a depressão do filho. Ela mãe, trabalhando em home office, dando toda atenção ao filho, ainda assim, não conseguia lidar com um abatimento que acometia o filho. 



Perguntava as outras companheiras de grupo que possuíam filhos o que elas estavam fazendo, se elas estavam enfrentando essa situação.



A pergunta, como não poderia ser diferente, descortinou um lugar, uma questão que não estava no meu radar. Foi assim que Ricardinho dialoga com a questão e trago à baila para pensarmos juntos. E as crianças na pandemia?

sábado, 30 de maio de 2020

NOSSAS PANDEMIAS SÃO OUTRAS


A pandemia trouxe muitas coisas, muitas questões e cada um de nós, na medida de suas possibilidades, está se conectando com formas possíveis de ajudar, auxiliar. A minha tem sido com a escrita, com os atendimentos, até mesmo a gravação de áudios que tenho disponibilizado a algumas pessoas e comecei a subir com alguns. E, agora a trazer para cá também. São formas de tentar auxiliar. De tentar ajudar a minha maneira. 


Num desses diálogos, 14/4/2020, Brother apareceu. Brother é um amigo que flertamos desde 2001/02. O conheci na Cidade dos Meninos e de lá para cá realizamos trabalhos conjuntos. Ele veio nos passar uma visão de como estava, seria a chegada do vírus na periferia. Foi esse o recado, o salve, que ele nos deixa no áudio que disponibilizo ao final do texto. 



Ele chegava nas reuniões sem dar nome, nos dizia que quando encarnado, ninguém nunca se importou, ligou, quis saber o nome dele quando vivo, depois de morto, isso não fazia o menor sentido. Dizia que ele é qualquer jovem da periferia, qualquer jovem preto assassinado, traficando, estudando. Ele é Pedro, João, Alexandre, Gutemberg, Maria, Verônica, ele é qualquer um. 


Um amigo do teatro, familirializado com a quebrada, o batizou de Brother. E esse virou o nome que lhe denominamos. Poderia ser X, ou sem nome. Mas, ele é essa voz do rap, dos que tem muito a dizer, mas o preconceito, o racismo, a indiferença silenciam. 


No dia 14/4/2020, ele veio nos falar da Pandemia numa perspectiva e num lugar que parte do pessoal que flerto não chega, não acessa. E é essa a nossa parceria: “ eu te levo onde você não pode chegar. Vc me leva onde eu não poderia entrar!” 


É assim que trabalhamos há quase duas décadas. Escutem, pensem, questionem, enfim...


domingo, 17 de maio de 2020

Pandemia, Surto, Realidade: quando a ficha cai.





Hoje (19/4/2020) vi esse post falando das fichas caindo e fora a nostalgia, algumas caíram na minha caixola também.

Ontem (domingo) teve carreata pelo Brasil afora. Essas duas coisas me deram um estalo sobre algo que tenho escrito, falado, tentado escrever, mas sempre acontece algo e não posto. Passaram quase um mês e estou a volta aqui com esse texto de novo. Nesse intervalo de um mês tudo o que disse daqui para baixo se intensificou. A realidade vai se esvanecendo diante de nossos olhos.  



O que eu gostei no vídeo foi a hipótese de que nada, depois da Pandemia voltara a ser como antes. Excetuo a escola. A escola não muda, ela permanece a mesma, a de sempre. A escola guarda um lugar da tradição, que acaba por ser a incubadora do conservadorismo. Esse é um momento para que nós, educadores pensemos sobre qual humanidade desejamos? Que humanos queremos formar? Essas respostas ainda não temos, brigam em nós uma dualidade entre saúde e economia que era desnecessária. Ainda não nos vemos como pertencentes a uma teia, a um sistema. 

Mas, um mês depois, vendo as aulas digitais ampliando, talvez a escola mude. Mudar a escola significa alterar uma rede de aprendizagem, de sentido cujos efeitos são quase imediatos. Talvez essa mudança será o movimento de uma transformação. Vou me deter um pouco mais aqui porque é emblemático.

Se a escola avança, a sociedade caminha, mas quem impede os avanços da sociedade? Os conservadores. Estes desejam um mundo, um lugar de permanência, de constância, de estabilidade. Não sei se encontraremos. Esse momento é tão diferente, ou apresenta uma dialética tão esdrúxula que vanguardistas acabam guardando lugar de conservadores. Conservadores ganham o lugar de vanguardistas. Pensemos no caso de pais enlouquecidos com seus filhos em casa, ressignificando o papel de professores e da escola, mais daqueles do que desta. Na reflexão que eles fazem, eles trazem um lugar de avanço, de movimento. Por outro lado, as dificuldades enfrentadas por inúmeros professorxs sobre a criação de aulas virtuais, os colocam numa posição tradicionalista, que uma boa parte, nunca teve. Vejo colegas, inovadores, fazendo críticas severas (com razão) a essa forma e modalidade de ensino. No entanto, não deixa de ser curioso e sintomático desses lugares que vão se deslocando.

No Brasil que se tornou o palco desse pandemônio, temos um governo de extrema direita, realizando a maior distribuição de renda da nossa história. E, eles veem nessa prática uma vergonha, um ato comunista, socialista, que eles estão fazendo de tudo para dificultar. Por outro lado, a esquerda tem apoiado com grande ênfase medidas de restrição as liberdades individuais. Muitas bem mais próximas de uma liberdade econômica do que civil, todavia nos tornamos (esquerda) apoiadores de um Estado de restrição.
O mundo está de pernas para o ar. A movimentação do mundo desloca as pessoas para posições que eram contrárias, dias antes. 


Mas, o ponto que eu desejo colocar atenção é sobre as pessoas que protestam pedindo a retomada do comércio. Na verdade, elas desejam um mundo que não existe mais. Defendem um mundo que elas recusam a aceitar que mudou. Negam cada vez mais insistentemente, com menos argumentos críveis a factualidade da existência. E são esses idílios, essas imagens mentais, que várias teorias e sistemas conseguem dialogar, mas que farei uso da Astrologia. 


Saturno é o senhor da realidade. Apresenta a vida como ela é. Saturno gruda nosso olhar em um objetivo, mensura cada buraco do caminho, detalha cada efeito da poeira na sua longa subida ao cume da montanha. Quando entramos no ciclo de Saturno (2017 a 2052) pensei numa crueza explícita, numa realidade sem subterfúgios. Vários astrólogos apontaram o conservadorismo, o tradicionalismo, até mesmo o nacionalismo e a saudade nostálgica de tempos de chumbo. Tudo isso estava no radar, nas análises, nas interpretações. Porém, estamos diante do Saturno mais netunado do universo. O mais correto é: surtado, porque é plutônico. Temos uma conjunção Saturno, Plutão, Júpiter em Capricórnio, que ninguém acreditava que seria fácil, mas acho que ninguém viu que seria tão Punk. Entramos em um surto coletivo. Mas, como Saturno pode causar surto?

Creio que não causa. Saturno nos leva em direção ao osso, ao cerne, ao tutano, vai rasgar a carne até chegar na dor e vai dizer: "sem choro, aguenta firme que é melhor". Mas, isso não causa grito, lágrimas nos olhos. Saturno sabe o que fazer e como faz. O surto poderia ser atribuído a Plutão, mas o deus da invisibilidade, dos mundos infernais, apenas explode seus conteúdos mais profundos e segue a marcha. Estamos falando de uma combinação que nos leva ao encontro com a realidade, mas de repente, o real não está fora, a subjetividade ganha tutano e é projetada no outro, no mundo, ao redor, em toda parte. Para onde se olha se busca, se nega. O mundo vira um barril de pólvora. Todos prestes a explodir. Cada um vendo a realidade que se forjou, que dá conta de olhar, que consegue interpretar. O real sumiu.
 

Eu custei a entender surto e claro que não entendi. Custei ainda mais a identificar um e ainda não o reconheço. Então, faço uso do conceito num sentido mais senso comum, sem as implicações psicológicas que o conceito encerra e mereceria, mesmo porque demoraria mais dois meses para postar. Olhando em volta, observando as falas, os dizeres, os posicionamentos, estamos em surto coletivo, irrompendo aspectos internos, coletivos, transpessoais avassaladores. O corona daqui a pouco tende a ser o menor dos problemas. 


O corona só ativou devaneios, insensibilidades, utopias, crueldades que possuíamos. Ele mesmo, o vírus mesmo, continua invisível como o elmo de Plutão. A marca fundamental do surto é que ele se vincula ao real. E não  estou falando só do povo da carreata. Estou falando tbm do povo em isolamento. Cada um de nós em nossa realidade acreditando.... acreditando? No que acreditamos?
A invisibilidade do vírus escancarou uma realidade, uma concretude mundial, gigantesca, que pode ser sintetizada pelo colapso da economia e do sistema de saúde. De repente, tivemos que olhar para essa lógicas e as suas contradições. 


Eu acordei na segunda feira (20/4) pronto pra dar voadora. Escrevi. E, quando ia escrevendo, via e lembrava dos desdobramentos da noite anterior. Não tinha como dar voadora. Nossa burrice, nossa estultice, nossa cretinice estava alojada no fundo do nosso ser. Falávamos, agíamos como éramos, quase sem filtro, numa linha direta entre o mundo objetivo e o subjetivo. De repente, somos aquilo que somos. Sem nenhum anteparo. Sem nenhum subterfúgio. Espelhamos, dizemos, falamos, agimos conforme somos. E, o mais incrível: como julgar? Como condenar? Em mim aflorou duas coisas: a primeira a pedagógica, a didática, preciso falar mais disso. A segunda, quem falou que eu não estou surtado também? De onde busco esteio para sustentar a minha realidade? A minha cosmovisão? 

Virei Kelsinnho paz e amor. Ali estava claro que a realidade tinha desaparecido. Nós não temos nada fixo, sólido, concreto para fixar o olhar. Ia cobrar o que e de quem? 
Criticar quem pelo que? Uns olham a nuvem e veem mamadeira de piroca. Outros afirmam que não é mamadeira é pênis chinês que deseja inseminar o comunismo, outros veem Asthar Sheran, outras o Messias, seja ele Jesus ou bolsonaro, tudo igual. O que estamos vendo, não é mais o fato, a coisa. Vemos apenas o que colocamos lá. Interpretamos pela ótica de quem somos, sem nenhum anteparo, filtro entre o nosso olhar e a nossa forma de ser. Uma se torna a outra. 

E, sem lidarmos com subjetividades atropelaremos o outro, ou seremos destruídos por narrativas selvagens e desumanas. 

O vírus que poderia ser uma visão de realidade, da sanidade, da reparação de um sentido; é o apocalipse que eclode e destampona o mais inusitado, sombrio/luminoso em nós. E eu que acreditava que Saturno-Plutão ia nos dar uma epifania da realidade na qual veríamos as coisas como elas são. Estamos lançado num pandemônio no qual luta-se para que tudo permaneça sendo o mesmo.  

Outro efeito estranho é que a conjunção nos deu foi uma epidemia da imaginação. Aquele desterro poético que nos lançamos anos antes, perseguindo artistas, falando de escola sem partido, de repente volta sem filtro, sem metáfora. Tudo é literal e a mente não sabe distinguir o que é simbólico, o que é onírico, o que é metáfora. Tudo é realidade. Uma realidade dramática, trágica, obtusa. Revelando a falta que ocasiona um mundo sem arte, sem reflexão filosófica. 

Nesse mundo de desencanto a imaginação coloniza e desterra a vida. Passa-se a ver em aulas panfletagem comunista, doutrinação, aliciamento sexual. A literatura vira devassidão, o cinema afronta, os artistas plásticos inimigos de Cristo. Nesse compasso apropriam-se da Bíblia, fazem da palavra sagrada sepulcro idolatra de falsos messias. Adversários políticos, ideológicos devem ser fuzilados, mandados para o paredão. Uns são vistos como gados, outros como equinos, mas em todos permanecem a desqualificação do outro como humano. Estou ouvindo alguns colegas falando das coisas, juntando os fatos, relacionando uma as outras, explicando a realidade e acabo relevando porque é um misto estranho entre a literalidade concreta com a imaginação delirante. 


São construções sensacionais fossem ficção, fossem cinema, literatura. Como chaves de explicação e entendimento da realidade são pós-verdades perigosas, que estilhaçam ainda mais o espectro do real. O mais inusitado é que a maioria deles nunca se interessou por política, enquanto ela era desenvolvida no baixo nível que nos é habitual. O interesse deles veio quando trouxeram o ódio, os sentimentos mais perversos, as relações mais grotescas. Foi quase isso que os puxam para o engajamento, o submundo do submundo. E são esses aspectos plutônicos que vemos em disputa. 


Talvez o lance seja esse, observar, silenciosamente, observar. Já que surtado é sempre o outro. Surtado é aquele que não percebe aquilo que não vemos. Perdemos as interpretações. Matamos as narrativas oníricas, poeticas, artísticas. O que sobra, ou o que vira é o deserto, o desterro. As certezas absolutas. Precisamos de arte, de filosofia.