segunda-feira, 29 de abril de 2013

A PAPISA JOANA.



Era criança quando li pela primeira vez sobre o pontificado de Joana. Sim, corre ou corria em forma de lenda, que o poderoso Vaticano teve como sumo sacerdote uma mulher. Escrevi corria, porque agora já há fontes mais confiáveis que atestam isso com maior fidedignidade, muito embora não haja nenhuma posição oficial da Igreja Católica. De todo modo, a história é simplesmente sensacional.

E a retomo para tocar muitas questões: uma- o filme. Duas- o tarot. Três- a homossexualidade. Quatro- Pastor Feliciano.

O filme é uma narrativa de uma criança que Joana teria ensinado a pensar para além dos horizontes dados pela época. Essa menina que carrega um colar dado por Joana com a efígie de Santa Catarina também se torna monge, disfarçando-se de homem. Segundo o filme, teria sido essa Arnalda a contar a história de Joana, já que um dos seus arquirivais, mais precisamente, inimigo por vingança ao escrever um livro datado o período de cada papado simplesmente não registrou o de Joana. Na posterioridade isso acabou ganhando ares de lenda, de mito, uma narrativa que se tentava ridicularizar o poder de Roma.


No Tarot de Marselha um dos arcanos é a Grã-Sacerdotisa, ou Papisa mesmo como está em alguns idiomas. Na explicação do arcano, os autores não têm dúvidas em relacionar essa figura emblemática, em todos aspectos e sentidos, com a figura da papisa Joana. Assim, mais do que dialogar diretamente com o feminino, com as tradições matriarcais de magia e em certo nível ocultismo, há um diálogo também oculto, algumas vezes pouco explorado, com o poder temporal. Se a interpretação recorrente desse arcano relaciona-se ao silêncio, a contemplação, a espera, a sabedoria e compreensão. Há também um significado ‘novo’ de que esse arcano guarda um lugar; mais  especificamente retrata alguém que estaria “fora do lugar”. É paradoxal a imagem e a idéia. Primeiro, porque o lugar é dela e ela se adéqua muito bem a ele, no entanto, é uma inadequação. Mulheres não comandam! Mulheres não mandam nos homens! Mulheres não detem o segredo e a capacidade de decodificar os livros, os códigos humanos.

Esse não lugar da Papisa assinala o lugar das mulheres por milênios. Conhecedoras da natureza em si mesmas são discriminadas por não lhes ser garantido aprender o que a partir da frase de Galileu se cristalizou em mandamento: a linguagem da natureza é matemática. isto é, racional, elaborada, calculista. 

De certo modo e em muitos níveis todas essas chaves de leitura servem de entendimento para adentrar e compreender esse arcano e é a partir desse lugar inadequado que falaremos da homossexualidade.

É notório até no reino espiritual que a homossexualidade assusta, incomoda, tira as pessoas do lugar. Mas, filmes como esse, no qual um dos personagens tem um amor e depois oculta a própria sexualidade se travestindo, pode jogar luz nas nossas reflexões.

No filme, Joana por ser mulher tem todas as suas habilidades naturais desprezadas, ignoradas, repudiadas, inclusive seu amor por um conde casado. Todavia, essa vida de privações não lhe é aprazível, porque ela deseja mais e pode mais. Podia tanto que chegou a ser papisa, mas para tanto passou a ser João. De forma que todas as suas habilidades, qualidades que eram vis e ultrajantes enquanto mulher se tornaram qualidades positivas que a levaram ao papado, inclusive não desejar mulheres e assim ter a castidade protegida. Obvio, que mais do que de homossexualidade estamos falando de machismo. O interessante é que em suma não há diferença. O machismo é o que repreende o diferente. É o que desqualifica o não igual. O machismo é que julga o mundo com um falo que tem que ser introduzido num local muito especifico na hora e no momento em que o macho deseja. Todo os outros tempos e espaços para essa introdução são desmoralizantes, humilhantes, errado, pecados.  

Mas, faço a reflexão com a homossexualidade a partir de uma abstração que os convido a realizarem: se o amor da sua vida, numa pegadinha, resolvesse se travestir, no caso vestir-se de homem ou de mulher, rolaria? Conseguiria conter o tesão que um sente pelo outro? Conseguiria impedir que o afeto e a afecção que um sente pelo outro se transformasse em desejo, pele, sexo, cama? Nesse caso, pecado seria manifestar esse amor ou sublimá-lo, renunciá-lo, escandalizar-se?

Juro que não sei as respostas. Sei que algumas companheiras com as quais me relacionei nessa vida, relacionei com elas quando eram negras, coxas, louras, baixas, altas, vermelhas, até azuis. Quando fomos ambos homens não transamos, pelo menos não fisicamente, será mesmo que não? E, quando fomos ambas mulheres, não sei o que rolou.

No final, eu só quero refletir e esperar que alguém me responda: como é que julgamos o amor? Por que o colocamos na condição de pecado e infâmia?

Agora entraremos no pastor Feliciano, mas esse é um post a parte. 

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