"O Futuro da Humanidade" é um livro de Cury. Um
livro que apresenta idéias ousadas, inspiradoras, passíveis de serem
praticadas, especialmente, por quem não é da área médica. O melhor do livro é
sua dimensão humanista. A tentativa de um jovem sonhador, realizador e mais
tarde inspirador (Marco Polo) ofertar novas buscas e rumos para si mesmo e
aqueles que estão em sua volta.
Numa
dessas contribuições, o jovem estudante de Medicina e mais tarde Psiquiatra,
desvenda a historicidade dos cadáveres da sala de anatomia. Uma postura simples
que ajuda a humanizar alunos e professores no trato com outro ser, mesmo que
defunto, morto.
Num
segundo momento, o desbravador encontra-se com os moradores de rua. E junto a
eles aprende a história de cada um, as dores e amarguras de cada um. Ali fica
estampado a nossa dificuldade, não em lidar com nosso sistema de pensamento, e,
sim com as nossas emoções e sentimentos. Nossa dificuldade é suportar as
agruras quando o nosso emocional transborda e derruba nossas crenças, nossas
concepções prévias, nossas resistências. Poucos, raros indivíduos suportam e
não sucumbem diante dessa avalanche. E uma parte considerável dos moradores de
rua são seres cujo o emocional transbordou e avassalou paisagens internas e
externas. Encontrar outro ser humano, com suas dores e dilemas por detrás da
sujeira, da bebida, dos transtornos emocionais e mentais é tarefa árdua, mas é
realização humana, isto é, algo possível de ser feito.
Outro
processo de humanização se dá mediante a escuta desse portador de transtornos
mentais que se encontra não apenas enclausurado em si mesmo, mas também em um
manicômio. É ali na seara difícil do diagnostico que se busca ir além dos
rótulos. Se deseja ir além da medicação pura e simplista, se deseja chegar as
causas dos sofrimentos internos que assolaram as paisagens internas do
individuo. Nessa busca há um reencontro com a individualidade do paciente, mas
igualmente com os componentes sociais nos quais ele abandonou e foi abandonado.
Esse encontro é a cura não de um, mas de muitos. É a apresentação do transtorno
numa visão mais sistêmica e menos individualizada.
Em cada
passo, em cada construção, em cada realização o que acompanhamos é uma
tentativa de enxergar o outro como SER HUMANO. Na busca por esse olhar, o
personagem realiza o percurso da Interdisciplinaridade. Para além do ato
médico, ele postula a necessidade de se estudar neurologia na Psicologia e na
Medicina estudar Psicologia. Mais do que meramente estudar como se faz e se tem
feito, ele conclama à necessidade desses saberes se abraçarem para possibilitarem
um olhar mais humano ao paciente.
É nessa
direção que tacitamente, durante todo o livro esta inserido a FILOSOFIA. Não
para pensar sobre o pensamento. Não para criar hipóteses e confabulações acerca
de si mesmo, mas para indo ao encontro do outro, de frente a dor e o desamparo
do outro, reconhecer esse outro como igual e singular. Esse olhar que ele
apresenta ao longo de todo livro falta, invariavelmente, a sociedade como um
todo. Falta nos cursos superiores, falta aos profissionais. Falta a postura de
se assumir humano e aceitar a humanidade por vezes desumana do seu alter, do
seu outro, do seu igual.
É nessa
direção que retomo o post mais comentado desse blog e também mais lido: “A
Menina que Nasceu Esquizofrênica”. O que aquele post quer dizer e poderia ter
dito mais claramente é que um ser não pode ser reduzido a sua doença. Não pelo
menos sem que a gente retire dele as inúmeras possibilidades e potencialidades
que esse ser possui. Tal redução acarreta no desprezo, no descaso e na
coisificação ou na 'doentificação' dos seres humanos. Finalizando, outra coisa
que aquele post quis refletir era sobre o sentido da medicação. Quis discutir
qual a crença, a ideologia que se encontra por detrás do uso desses remédios.
Qual o caráter salvífico que passou a se dar a componentes exógenos que afetam
os neurotransmissores supostamente alterando condutas? Até que ponto o
‘sucesso’ desses medicamentos não poderiam ser alcançados por técnicas de
escuta, respeito, compreensão do outro?
Enfim, a ideia era discutir não meramente o surto, momento no qual a medicação se faz necessária e adequada para controlar os diversos e multifacetados impulsos do ser fora de si mesmo, ou ensimesmado por demasia. A discussão do texto era ir ao encontro da pergunta: O QUE FAZEMOS DEPOIS DO SURTO? E me parece que depois disso precisamos largar rótulos, métodos, fórmulas e ir em direção ao outro. Abraça-lo, tocá-lo, vê-lo. Ainda não fazemos esse movimento, seja porque há um entorpecimento medicamentoso do paciente que lhe impede de sentir; seja porque há um entorpecimento teórico, acadêmico por parte dos profissionais que lhes impede de envolver.
Nesse lugar que é o meio do meio do caminho só os rótulos são possíveis. Somente a ideia salvífica seja a de acreditar que há cura sem medicação, seja a de acreditar que só há cura medicando, seja a de acreditar que se cura sem ajuda. Mas, quero crer e acreditar que há um lugar no qual os saberes se encontram e ficam desimportantes; porque o fundamental é a compreensão do outro, desse não eu. Nesse lugar acho que existe não a cura, mas o encontro.
Nesse
lugar que é o meio do meio do caminho só os rótulos são possíveis. Somente
a ideia salvífica seja a de acreditar que há cura sem medicação,
seja a de acreditar que só há cura medicando, seja a de acreditar que se cura
sem ajuda se fazem práticas. Mas, quero crer e acreditar que há um lugar no
qual os saberes se encontram e ficam desimportantes, porque o fundamental é a
compreensão do outro, desse não eu. Nesse lugar acho que existe não a cura, mas
o encontro, o abraço.
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