Era criança quando li pela
primeira vez sobre o pontificado de Joana. Sim, corre ou corria em forma de
lenda, que o poderoso Vaticano teve como sumo sacerdote uma mulher. Escrevi
corria, porque agora já há fontes mais confiáveis que atestam isso com maior
fidedignidade, muito embora não haja nenhuma posição oficial da Igreja
Católica. De todo modo, a história é simplesmente sensacional.
E a retomo para tocar
muitas questões: uma- o filme. Duas- o tarot. Três- a homossexualidade. Quatro-
Pastor Feliciano.
O filme é uma narrativa de
uma criança que Joana teria ensinado a pensar para além dos horizontes dados
pela época. Essa menina que carrega um colar dado por Joana com a efígie de
Santa Catarina também se torna monge, disfarçando-se de homem. Segundo o filme,
teria sido essa Arnalda a contar a história de Joana, já que um dos seus
arquirivais, mais precisamente, inimigo por vingança ao escrever um livro
datado o período de cada papado simplesmente não registrou o de Joana. Na posterioridade
isso acabou ganhando ares de lenda, de mito, uma narrativa que se tentava
ridicularizar o poder de Roma.
No Tarot de Marselha um
dos arcanos é a Grã-Sacerdotisa, ou Papisa mesmo como está em alguns idiomas.
Na explicação do arcano, os autores não têm dúvidas em relacionar essa figura
emblemática, em todos aspectos e sentidos, com a figura da papisa Joana. Assim,
mais do que dialogar diretamente com o feminino, com as tradições matriarcais
de magia e em certo nível ocultismo, há um diálogo também oculto, algumas vezes
pouco explorado, com o poder temporal. Se a interpretação recorrente desse
arcano relaciona-se ao silêncio, a contemplação, a espera, a sabedoria e compreensão.
Há também um significado ‘novo’ de que esse arcano guarda um lugar; mais especificamente retrata alguém que estaria “fora
do lugar”. É paradoxal a imagem e a idéia. Primeiro, porque o lugar é dela e
ela se adéqua muito bem a ele, no entanto, é uma inadequação. Mulheres não comandam! Mulheres não mandam nos homens! Mulheres não detem o segredo e a capacidade de
decodificar os livros, os códigos humanos.
Esse não lugar da Papisa
assinala o lugar das mulheres por milênios. Conhecedoras da natureza em si
mesmas são discriminadas por não lhes ser garantido aprender o que a partir da
frase de Galileu se cristalizou em mandamento: a linguagem da natureza é
matemática. isto é, racional, elaborada, calculista.
De certo modo e em muitos níveis
todas essas chaves de leitura servem de entendimento para adentrar e
compreender esse arcano e é a partir desse lugar inadequado que falaremos da
homossexualidade.
É notório até no reino
espiritual que a homossexualidade assusta, incomoda, tira as pessoas do lugar.
Mas, filmes como esse, no qual um dos personagens tem um amor e depois oculta a
própria sexualidade se travestindo, pode jogar luz nas nossas reflexões.
No filme, Joana por ser
mulher tem todas as suas habilidades naturais desprezadas, ignoradas,
repudiadas, inclusive seu amor por um conde casado. Todavia, essa vida de
privações não lhe é aprazível, porque ela deseja mais e pode mais. Podia tanto
que chegou a ser papisa, mas para tanto passou a ser João. De forma que todas
as suas habilidades, qualidades que eram vis e ultrajantes enquanto mulher se
tornaram qualidades positivas que a levaram ao papado, inclusive não desejar
mulheres e assim ter a castidade protegida. Obvio, que mais do que de homossexualidade
estamos falando de machismo. O interessante é que em suma não há diferença. O machismo
é o que repreende o diferente. É o que desqualifica o não igual. O machismo é
que julga o mundo com um falo que tem que ser introduzido num local muito
especifico na hora e no momento em que o macho deseja. Todo os outros tempos e
espaços para essa introdução são desmoralizantes, humilhantes, errado, pecados.
Mas, faço a reflexão com a
homossexualidade a partir de uma abstração que os convido a realizarem: se o
amor da sua vida, numa pegadinha, resolvesse se travestir, no caso vestir-se de
homem ou de mulher, rolaria? Conseguiria conter o tesão que um sente pelo
outro? Conseguiria impedir que o afeto e a afecção que um sente pelo outro se
transformasse em desejo, pele, sexo, cama? Nesse caso, pecado seria manifestar
esse amor ou sublimá-lo, renunciá-lo, escandalizar-se?
Juro que não sei as
respostas. Sei que algumas companheiras com as quais me relacionei nessa vida,
relacionei com elas quando eram negras, coxas, louras, baixas, altas, vermelhas,
até azuis. Quando fomos ambos homens não transamos, pelo menos não fisicamente, será mesmo que não? E, quando fomos ambas mulheres, não sei o que rolou.
No final, eu só quero
refletir e esperar que alguém me responda: como é que julgamos o amor? Por que o colocamos na condição de pecado e infâmia?
Agora entraremos no pastor Feliciano, mas esse é um post a parte.
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