domingo, 30 de março de 2014

MEDIUNIDADE SEM MEDO.

Muitos não gostam do nome e já sentem aversão ao ouvi-lo. Outros já querem dar ao nome (mediunidade) uma concepção religiosa, que sabemos todos, ou deveríamos presumir, que escapa. Diante disso: como lidar com a mediunidade sem recorrer a um apelo religioso, ou a uma concepção materialista? Como evitar os extremos e os opostos? Mais importante como lidar com as habilidades que possuímos, independente do nome, sem nos machucar e nos prejudicarmos?

São a estas perguntas que queremos responder. Não conceitualmente, mas auxiliando as pessoas que vivenciam essas dores, conflitos, dúvidas, suspeitas, medos, lidarem tanto com o fenômeno, quanto e principalmente consigo mesmas.

A tarefa não é fácil, mesmo porque, envolve perdermos nossos preconceitos, sejam pro religião, seja contra religião. A grande questão é que o fenômeno mediúnico não é uma especificidade kardecista, umbandista, candomblecista. Não é também destinado a um segmento específico da população. Em outras palavras, ela independe de sexo, idade, religião, escolaridade, etnia, preferência sexual, condição moral, grau de adiantamento estético, ético e quaisquer outras coisas. A mediunidade esta em todos os lugares e entre todas as pessoas. Como é sabido é um fenômeno universal na maior amplitude do termo.

O meu ponto então é: porque uns lidam bem com esse fenômeno e outros não? Por que uns são felizes com ele e outros não? Por que uns tem a vida resolvida com isso e outros não? Por que uns se prendem a dogmas, religiões, doutrinas e outros não?
A resposta direta seria porque cada um é um e somos todos diferentes, singulares. Isso é um fato, mas precisamos tentar chegar mais perto, olhar de mais perto, mais próximo. E nesse olhar o que observo é o uso que cada sujeito dá.


O que tenho observado é que a mediunidade, isto é, essa habilidade, seja de ver, ouvir, falar, intuir, perceber, comunicar com outras dimensões, seres faz parte de uma estrutura psíquica maior. A mediunidade não é um apêndice da aparelhagem psíquica. Ela esta inserida dentro de uma totalidade que não definimos claramente. Dentro dessa estrutura complexa é um equivoco acreditar que fingir não ver, não ouvir, não perceber pode contribuir para que o fenômeno desapareça. Não pode. Aliás, pode, mas tal auto-engano provoca diversas outras situações nas quais não compreendemos os efeitos colaterais.

Por essa ótica não é que a mediunidade seja um castigo, uma maldição como muitos querem; não é. Mas é como um sujeito abrindo mão dos óculos seja de miopia ou de astigmatismo e depois reclamando que não está vendo direito, que a cabeça tem doído muito, que os olhos lacrimejam, demasiadamente. Alguns efeitos apresentam correlação direta, outros bem indiretamente com esses fenômenos psíquicos não são nada diferentes.

E esse é o diferencial, pelo menos parece ser. Pessoas que desenvolveram e fazem uso dessas suas habilidades independente se pro ou contra religião, são felizes, se realizam. É como se ao fazerem uso dessa peça existencial todas as outras engrenagens da vida seriam ativadas, estariam correlacionadas. Diferente disso são as pessoas que não aceitam essas habilidades delas como sendo natural. Elas ignoram, trancam, escondem, maldizem essas habilidades e nessa repressão essa força psíquica se volta contra elas mesmas. Não é castigo. É uma retenção de uma força que precisa sair por algum lugar.

A grande questão que os amigos espirituais, especialmente os artistas me colocam e devolvo é: como ensinar as pessoas a fazerem uso dessas habilidades sem recorrer ao religioso? E tento mostrar que é naturalizando essa visão. É salientando que essa faculdade não é nada demais, mas é importante. Mostrando que a pessoa não pode se realizar, se integrar, se a parte mais importante da engrenagem, ela não usa por medo, por preconceito. Isto é, precisamos ensinar as pessoas a realizarem novos e outros usos das próprias habilidades que lhes são imanentes. Se tenho um óculos sobre medida, porque não o uso? Por que fico reclamando de dor de cabeça, da luz solar, do lacrimejar?

A relação de que o fenômeno mediúnico não pode ser pensado exclusivamente sobre a perspectiva religiosa vem na lida com os artistas. Afinal, o que distingue o mediúnico do intuitivo. O que é inspiração e o que é arte? O que é do artista e o que é soprado? Quando é performance do ator ou quando é incorporação? Quando enxergar um caminho que ninguém vislumbrou é vidência ou é tino empresarial? Quando apostar em uma cotação é feeling para os negócios ou ajuda espiritual? Os exemplos são milhares e não param. E o mais importante nos exemplos, como queremos salientar é o uso. É como nos predispomos a fazer uso das nossas habilidades e ferramentas.

Aqueles que acreditam em si, que se empoderam fazem uso da sua habilidade e se realizam. Aqueles que a temem, que a escondem, se definham. E dentro dessa imanência, podemos desenvolver a via de mão dupla, da integração entre o céu e a terra. O vidente pode aprender com o empresário arrojado e este com o vidente. Um pode dar materialidade ao seu dom e o outro transcendência a sua habilidade. Nessa confluência teríamos seres humanos melhores, seres humanos mais integrados, conectados.

É essa tentativa que faremos no curso que desenvolveremos no mês de abril, quiçá maio: MEDIUNIDADE SEM MEDO.


segunda-feira, 17 de março de 2014

Priapo interrogado por uma mulher: "Por que vocês (homens) são tão egoístas?" uma pergunta para além da biologia.

Ela me olhou, diretamente, nos olhos. Um olhar penetrante como uma adaga cigana.  Um olhar que escondia uma fúria contida, reservada, indignada. Um olhar que era na verdade, uma unhada, um estrangulamento. Em meio a esse olhar, ela lança a pergunta: por que vocês homens são tão egoístas?

Desviei o olhar como faz todo bom covarde. Busquei ar como tenta um afogado num último suspiro. Busquei encontrar refresco, fôlego como um boxeador nas cordas. Mas, não tinha jeito, ela me nocauteou. A pergunta não desgruda de mim, não sai de mim. Ficou impregnado em tudo o que eu sou, ou em tudo o que eu era. Depois de perguntas como essas, não voltamos a ser como antes, pelo menos, não de imediato. Algumas perguntas mudam nossa forma de ver o mundo. Ou nem tanto.

Nem tanto, porque fui remetido a Priapo e o seu pênis gigantesco. O seu desejo dionisíaco de devorar a existência, de possuir o infinito. O seu falo fascinante que hipnotizava mulheres, seduzia donzelas. Essa figura mitológica que tanto nos diz sobre o egoísmo masculino. Egoísmo que vou identificar, rapidamente e sem muito aprofundamento ao conceito de "vontade de potência" de Nietzsche. Não consigo parar de observar a relação entre o conceito do filósofo alemão com esse ente biológico, que por vezes, parece ganhar vida própria, destinação autêntica e cotidiana. 

Minha sorte foi que ela perguntou sobre nós homens, assim, eu pude fazer uso de toda biologia masculina, na verdade, de toda biologia animal. No entanto, o fato é: se o nosso egoísmo no caso especifico sexual, é fator sine qua non no mundo da selva, ele não se justifica no mundo da cultura. Pelo menos penso que não.
No mundo da cultura, na construção simbólica de referências e significados, nosso egoísmo é a prova cabedal do machismo. Seja o machismo de homens, ou de mulheres. É o machismo de fazer do outro não objeto do nosso gozo, algo natural, no mundo da cultura; mas fazê-la menos do que isso ao privá-la de nos deixarmos permitir ser objeto do outro. O filho de Dionísio (Priapo) retorna com toda sua força, mas para nos levar em direção a horda. A mesma horda que vislumbramos nos estupros coletivos praticados na Índia. Mas, se nas regressões à "barbárie" das orgias dionisíacas as mulheres tinham lugar para o gozo, para o prazer, ao que parece, na cultura que erigimos,  condiciona-se as mulheres a submeterem-se ao eterno não gozo, ao eterno não prazer, ao permanente não realizar-se. Enquanto que nós homens podemos transitar entre o retorno à horda ou se desejarmos uma barbaridade mais confortável, submeter a mulher ao mundo da cultura e da civilização, isto é, o espaço do não ser sexual. Mas, se esse é o dilema, como se encontra solução? Qual é a solução?


A biologia masculina, mais precisamente, do macho é diferente. Somos encantados pelo nosso esperma. Não o esperma em si, mas aquele procedimento que nos leva a sua produção e ao seu derramamento. Essa potência fertilizadora espalhada pelo cosmos e potencializada ao infinito é algo fascinante, tenhamos ou não consciência disso. Da primeira masturbação até o momento no qual o ato sexual é mera lembrança, recordação, nostalgia, todo fazer sexual dos homens se direciona ao derramamento, ao orgasmo, ao gozo. Sexo para nós tem como meta, as vezes missão, gozar. E quando encontramos a forma que nos possibilita isso, não a retardamos, pelo contrário, aceleramos o processo. E quando atingimos o objetivo, um relaxamento natural acontece e tendemos a quietude. No mundo da cultura isso pode ser observado como sendo egoísmo puro, mas no da natureza, absolutamente natural. O ponto é que seja na natura dionisíaca, seja na cultura a vontade de potência dos homens permanece. Essa é a nossa força e o nosso encantamento, nosso deslumbramento e também nossa perdição. 

Nas mulheres essa relação é obnubilada, literalmente, e não apenas. Primeiramente, porque mulheres são/foram ensinadas a não gozarem, não poderem ter orgasmo. Mulheres por muitos séculos não podiam se tocar e encontrar prazer na vida, menos ainda no ato sexual. Poderíamos dizer que isso é coisa do passado, mas... ledo engano. A culpa persiste, existe e parece que cada filha de Eva nasce com essa ferida aberta. Enquanto a anatomia masculina nos dota desse princípio ativo, dominante, externo a anatomia feminina se mostra escondendo, se revela ocultando. Se faz semelhante a uma fenda passaporte de emancipação em algumas, ferida e dor de morte, de culpa para várias. Em algumas, essa ferida, vai se abrindo e estanca, em outras, vai se fechando e se faz hemorrágica. Estou pensando na percepção interna, intima, que cada mulher vai ter da sua vagina e em sua relação com ela e o mundo.

Mas, a dificuldade de encontrar o gozo, o orgasmo, enfim o "egoísmo" do prazer,
caminha na direção das próprias mulheres saberem qual a finalidade do ato sexual. Se realizamos essa pergunta a um grupo de dez homens 12 dirão gozar. Num grupo de dez mulheres teremos vinte respostas diferentes. Vinte, porque a cada duas, uma muda de resposta de acordo com a lua. Umas responderão mexendo os ombros e a cabeça: “sexo não tem finalidade”. Outra numa resposta próxima a da primeira dirá: “ a finalidade do sexo é não finalizar nunca.” Uma terceira dirá tentando ser pragmáticas: “companheirismo”. Uma quarta: amor. Ouviremos milhares de respostas, mas quase nenhuma: gozar. Seja por medo, seja por culpa.



Tudo leva a percepção que o orgasmo para os homens é uma meta, já para as mulheres é um meio, por vezes, até um acaso. A maioria delas reconhece um prazer igual na satisfação do parceiro, namorado, amante do que no orgasmo em si. Uma grande parte tem culpa em alcançar o prazer orgástico com alguém que não se ama e não conseguir o mesmo feito e efeito com alguém que se ama. Situação impensada a grande parte dos homens.

Por outro lado, mulheres que sabem como chegam ao orgasmo, direcionam os parceiros para determinados pontos, toques, encaixes e deixam claro isso: "assimm, assimmm, aí, aí, não pára, não mexe. Vai. Mais forte. Mais rápido". Enfim... Elas têm o mesmo "egoísmo" masculino de em determinado momento se perder do outro, ir embora sozinho, sem medo de não ter como voltar. Elas têm aquela vontade de potência de se realizar, se afirmar, ser. 

E aqui é o conflito. Permitimos as mulheres terem esse "egoísmo"? Terem esse prazer individualista, de olhar apenas para si mesma e se permitir, se deixar, ir... mesmo sabendo que foi com a ajuda do outro que chegou-se até lá, mas em determinado momento é preciso largar da mão dele? Talvez sustentar isso seja a grande pedida e o grande ensinamento. Talvez seja esse aspecto, ranço que trazemos desde a horda, passando pela natureza e chegando a cultura. Nosso princípio de potência permanece ativo. Nossa identidade masculina se faz nele, seja enquanto machos, seja enquanto homens.  

A leitora atenta chama minha atenção dizendo que desviei a resposta de uma solução para as mulheres e não respondi a pergunta que cabe a nós homens: afinal, porque somos tão egoístas?

Tentei uma explicação, uma alternativa, mas tenho que reconhecer e comentar que no mundo da cultura, essa justificativa não cabe, não se legitima, seja por amor, seja por cumplicidade, seja por parceria. O sexo é um prazer e como todo bom prazer, ele é compartilhado. É impensado no mundo masculino, num relacionamento entre homens/iguais, somente um ter prazer sempre. Não estou pensando no ato genital, estou pensando em uma ida ao bar, numa pelada de futebol, num universo de compartilhamento masculino. Nesse universo o mais natural é a troca, o compartilhamento; hoje eu pago a conta, amanhã é você. Hoje meu time ficou mais forte, amanhã é o seu. Não se sustenta nenhuma relação entre homens na qual um leva vantagem sempre, ou ganha sempre, muitíssimo pelo contrário. A solidez das amizades masculinas esta intricada nessa igualdade dos dois se darem mutuamente, na mesma intensidade, com a mesma medida. No entanto, quando nós homens nos relacionamos com as mulheres isso escapa. Poucos de nós estabelecem essa relação de parceria e cumplicidade com as mulheres. Sexualmente então fica-se ainda mais difícil. 

Quando muito, pergunta-se para a parceira, namorada, amante, esposa: “gozou? Ou foi bom para você?” E com isso deseja-se mais sondar a performance do que se ela se divertiu também no ato. Assim, se pensarmos o sexo como uma diversão, como um prazer compartilhado, nosso egoísmo é feio, grotesco, nojento, abjeto. E no fundo, talvez, ele esteja dizendo, mesmo quando o texto diz o contrário: “o dever da mulher é dar prazer ao homem”. O lugar das fêmeas é submeterem-se completamente aos machos. Nessa lógica toda mulher é prostituta, ou menos do que isso, é coisa mesmo. É objeto de uso descartável. Na verdade, é menos do que isso. É um lugar de desvalia, de desqualificação. É um lugar claro para homens e mulheres. Um lugar que precisamos começar a mudar, a alterar. Um lugar que quando mulheres no melhor estilo Lilith mudam a posição levam a maioria dos homens a "impotência da ação". Essa impotência diz respeito ao receio, ao temor, a dificuldade de lidar com uma situação na qual a outra se faz igual, se iguala no discurso, no poder, na vontade de potência. Não como Priapo e o seu falo imenso. Mas, como desejo úbere que umedece o infinito para a existência ser fecundada. Essa parceria esta se construindo, mas ainda assusta. Sendo que quando focamos apenas o ato sexual, quando por anos a fio, transa a transa, não compartilhamos o gozo, o orgasmo com a parceira, a esposa, a mulher, a amante, o que inconscientemente estamos dizendo, tenhamos mais ou menos clareza disso, é que cada mulher é menos do que somos. 

Enfim.... Como não tenho justificativa válidas para o mundo da cultura, só posso pedir desculpas. Só posso fornecer meios para que em cado ato sexual e não apenas nele consigamos criar a relação de desejo, prazer mutuo. Onde cada um de nós brinda o outro com sua vontade de potência, com seu desejo de desejar o outro e o infinito. Queria assim, me desculpar em nome de todos os homens, os que já gozaram e não gozam mais, os que gozam, os que vão gozar. Mas, mais do que desculpas sugiro promessas, novos desejos, novas fertilizações, uma esperança de que nosso gozo seja como um gol: aquela sensação orgástica de se abraçar o estranho(a). Aquela sensação coletiva, dionisíaca de se comemorar e compartilhar a alegria, o entusiasmo que o gol provoca, que o orgasmo proporciona. Estabelecendo uma relação de parceria, cuidado, respeito, amor, inclusive no ato sexual. Na atenção da parceira, namorada, amante, esposa, encontrante; mulher. Espero levar essa alegria ao encontro da Primavera. Esse prazer de comemorar um gol juntos, abraçados. Esse prazer que deve ter tido Dionísio e Afrodite ao gerar Priapo. 






quarta-feira, 5 de março de 2014

A DANÇA: relacionamentos



Poucas pessoas trataram com tamanha elegância os dilemas da permanência e da mudança quanto Milton Bonder em “A Alma Imoral”. De uma maneira inusitada, ele mostra a busca do corpo pela permanência, pela manutenção, na sua aposta de transcendência pela perpetuação de si mesmo- a reprodução. Por esse apelo, segundo o rabino, o corpo é a tradição. Aquela que mantém as coisas como estão, que luta para deixar e manter as coisas como são. Nossa fidelidade ao corpo se mostra na fidelidade aos ritos, a cultura, as construções da civilização nos seus momentos de perpetuação.

Paralelamente, a essa condição de permanência a necessidade de irreverência, a postura iconoclasta da cisão, da fissura, da ruptura. A alma seria e é aquela que rompe com a tradição, que tenta ajustá-la ao tempo, ao agora, ao momento. O corpo é o passado e o anseio futuro. A alma é o presente, é o agora. É o significado e o sentido da existência. Por tudo isso a alma é transgressora, imoral. A sua transcendência se faz na plenitude do agora.

Estamos diante de uma contradição clássica, mas que elegantemente, muitas vezes à Nietzsche, Bonder desnuda a alma, aclara o corpo, nos mostrando como somos seres que a todo instante nos perdemos na ruptura e na permanência. Mas, escrevo tudo isso para falar de relacionamentos.

Quando estive fora tive o prazer de ficar na casa de quatro casais. Cada um com sua dinâmica, cada par com seu ritmo, sua dança, seus equilíbrios, suas tentativas de permanecer dançando essa música invisível e por vezes inaudível. Música que ora é da vida, ora é de cada um de nós. Música que por vezes é harmônica a do outro, outras vezes desafina e não se harmoniza com a do outro. De todo modo, o que observei nos casais mais felizes é que eles nunca deixaram de ser namorados e nos casais mais taciturnos é que o espaço para o namoro havia se fechado.



Chamo de namoro o prazer que cada um mantém de dançar o ritmo que o outro propõe. O namoro é esse equilíbrio alegre de bailar sem exigir partitura, roupa apropriada, local preparado. O namoro respeita o improviso e o inesperado como quem abre os braços para acariciar o vento. O namoro é o espaço no qual cada um pode ser um e ainda é acolhido pelo outro, recebido pelo outro. E, tudo isso é diferente dos casais que perpetuam a imagem congelada do que foram.

Imagem congelada é aquela percepção, entendimento que se guarda do outro, que aprisiona o outro, que não permite ao outro mexer um milímetro fora dessa imagem que nós construímos na nossa cabeça e não deixamos o outro escapar. Imagem congelada é a camisa de força que colocamos o outro. Ela é mental, emocional, invisível, mas muitas vezes perceptível.

E aqui retomamos a ALMA IMORAL. Estamos diante do nosso medo de mudança. Queremos tanto o outro, a imagem do outro, que não o vemos mudando diante de nós, dos nossos olhos. Reclamamos e clamamos a este outro que ele volte a ser o que ele era, mas como isso é possível? Como impedir o outro de crescer, ser, mudar, se é essa a essência da vida, seja enquanto alma, seja enquanto corpo, seja enquanto congraçamento desses dois aspectos? Na verdade, porque tememos tanto as mudanças, especialmente afetivas?
E o que vejo nas separações ora são as traições, o terceiro(a) que surge no meio da relação, ora são esses afastamentos que vão aumentando, ampliando até um momento no qual a distância se faz abissal, sepulcral. E o que fazer?

Aceitar a dança da vida. Aceitar o bailar do outro. Aceitar as alternâncias de ritmos. Quando não for possível aceitar determinados ritmos que o outro evoca, ser claro o suficiente para alertá-lo que ali, ele(a) deve bailar sozinho. Dar e garantir o direito a individualidade para que a alma não se ressinta e que a dinâmica do casal não se anule. Em casos mais extremados, serem capaz de dizer que houve incompatibilidade rítmica e agora nada mais resta a cada um, do que encontrar novos bailados.


Mas, de forma alguma, deveríamos desqualificar os movimentos que realizamos, os passos que damos com esse outro(a). Menos ainda deveríamos impedir o outro de ser o que ele é, o que ele pode ser, porque fizemos dele(a) uma imagem nas nossas cabeças.