Quando me separei, eu era
um mim, sem melodia. Uma cacofonia, um sem número de cacos, de partos, de
destruição. Quando eu olhava para trás, eu via apenas o ponto, ou os pontos nos
quais ecoavam o maior erro da minha vida. E como eu não podia deixar de ser
dramático, refletia que o relacionamento fora o maior erro de todas as minhas
vidas, afinal, tristeza pouca é bobagem.
Naquele tempo toda mulher
era para mim a imagem da traição. Eu corri de mulher por quase um ano. Se elas
me tocassem então, eu já esperava onde seria o bote. Mulher e serpente passaram
a ser sinônimo. Mulher- “a verdade é o seu dom de iludir./ Como podes querer
que a mulher vai viver sem mentir...”
Ia vivendo assim até que
um dia, dentro da nossa sala de mestrado, algo em mim despertou para uma jovem
moça. Algo em mim sorriu para ela. O
inusitado é que era uma sala com mais de 20 mulheres. Poderia ter despertado
para alguma solteira, mas apaixonei-me por uma que namorava. Na verdade, o
ponto não é que ela namorava e sim que ela era fiel. Pelo menos, em relação as
minhas investidas, ela manteve-se, sexualmente, fiel ao namorado dela.
O inesperado é que essa
moça recuperou a minha confiança em todas as mulheres do universo, até nas
adulteras, até nas filhas da prostituta. Ela salvou em mim todas as mulheres.
Fico pensando que se naquele momento rolasse algo entre nós, provavelmente, eu
a apedrejaria. De certa forma era como se uma parte minha quisesse me convencer
de que todas as mulheres traem, mentem. E o fato de ela ter agido diferente, me
ajudou a recuperar algo que me tinha sido tirado. A agradeço pelas coisas ter
tomado o rumo que tomou.
Mas escrevo, porque
muitas amigas separam-se. Quero falar para elas: viva o luto. Separar dói,
machuca, arde, sangra, mas passa. Os dias nos quais nada tiver graça, o tempo
ficar interminável: mate imageticamente o seu amado com requintes de crueldade
cada vez maior. Aquele que separou, que foi traído e não matou o ser amado pelo
menos de vinte formas diferente, jamais amou. Eu rio das imagens com as quais
eu assassinava minha ex-esposa, porque mais tarde fui ver a carga erótica que
tinha cada uma dessas cenas, a passionalidade que tinha em cada uma delas. E a
cada assassinato, elas iam indo embora. Eu me esvaziava dela e me preenchia de
algo que somente a separação te ensina e lhe restitui.
E a separação nos ensina
a nunca mais separar-se da gente mesmo. Por isso viver o luto é bom e
importante. A medida que você vive o luto uma coisa cresce novamente em você.
Aqueles cacos, retalhos, fragmentos, uns são perdidos e lançados no nada.
Outros colam, se ajustam, se unem e nunca mais desgruda da gente, descola de
nós. São as partes que se restitui.
Outros relacionamentos
vêm, mas tem uma parte nossa que já não abrimos mão e nem esperamos ou
desejamos que o outro abra. Em verdade, passamos a procurar no outro não partes
que não temos e nos complementaria, mas sim partes que o outro tem e não abrira
mão. Muitos pensarão, é egoísmo!! Não é muito distante do egoísmo. Como
ressalta Nereida em seu livro formidável, o egoísmo é você tentar ser o centro
da vida do outro, ser o umbigo da vida do outro. Ser o seu próprio umbigo, reconhecer
o seu próprio centro é autocentramento. E a separação te ajudar a
autocentrar-se e a reconhecer um outro que igualmente saiba do seu centro. Te
proporciona a não querer ser o centro de ninguém e nem aceitar que o outro seja
o seu. De fato, as pessoas não chamam isso de amor, nem de relacionamento. A
visão que elas têm de relacionamento é a da novela das oito, dois que são um,
dois que se fundem, que se integram, que se perdem e se com-fundem.
Enfim, depois da
separação passamos a ter uma parte que não deixamos mais sair ou desgrudar de
nós. É uma parte nossa que a gente nunca mais abandona, nunca mais cede, nunca
mais deixa sair da gente.
A separação nos
proporciona sermos, ser-para- ação. Si-parAÇÃO.
Desculpa, mas apesar de não fazer parte do seu grupo de amigas ouvi o que disse.
ResponderExcluirAntes de colocar minha duvida, eu agradeço a oportunidade de poder organizar minhas percepções, sentimentos e pensamentos em relação ao tema de exposição. Manifestar o que sentimos ajuda a clarear o problema.
Engraçado como que outros textos deste blog falavam à medida que eu ia concluindo a leitura desse.
Então Kélsen, legal ter compartilhado mais essa experiência, elas também ajudam a refletir sobre a questão.
Como estava dizendo, ouvi o que disse e achei linda essa sua forma de amar e de relacionar. Reconhecer as diferenças, preservar a identidade com respeito é realmente maravilhoso.
É muito bom ouvir palavras recheadas de amor maduro, de amor responsável. “(...) reconhecer um outro que igualmente saiba do seu centro. Te proporciona a não querer ser o centro de ninguém e nem aceitar que o outro seja o seu”. Maravilhoso!!!
Tenho fé (no sentido de entrega) que um dia todos os meus corpos terão essa consciência.
O pior já passou. Mas, ainda, depois de quase dois anos buscando me recompor, percebo que partes minha vivem esse centramento, outras partes encontram-se em processo de separação, ainda não entendem o fato, choram a dor, a falta, o vazio. Tudo isso em um único momento, como se fosse a lua cheia, onde todas as luas se encontram e querem falar, sorrir, chorar, contar suas histórias, seus medos, suas descobertas e suas alegrias. Fico literalmente louca com isso, tenho encontrado na arte, principalmente, no teatro momentos de silêncio. Dai lhe pergunto: isso é viver o luto da separação?
Sua proposta de matar aos poucos o ex ou a ex seria boa se não amassemos tanto. Ao invés da raiva sentimos amor e gratidão por todos os momentos vividos enquanto casal. Não queremos matar, mas saber como colocar o “ex” no seu devido lugar. Parece que essa ação é necessária para que meu coração possa respirar com menos peso e cobrança.
Gostei da estratégia que sugeriu e também da música, mas nos mulheres possuímos uma força diferente. Sei que essa força é tão encantadora que pode ser confundida com o dom de iludir. Talvez, eu consiga fazer melhor, mas é com essa tonica que busco a liberdade das mãos.
Um grande abraço.
Poliana
Ola Poliana, espero imensamente que cinco meses após ter colocado sua situação, seu luto, tenha passado. Desculpe-me o relapso, mas é que de fato não vi seus comentários e espero imensamente que veja os meus. Em verdade, acredito que os verá no momento certo, na hora oportuna, como acabei vendo o seu. Mas indo ao que de fato importa... Viver o luto é aceitar a dor, aceitar que a separação machucou, não negar, não esconder as lágrimas nem do outro, nem de si mesma. O luto é entrar na dor para que ela nos ensine, nos oriente, nos mostre o norte que perdemos, que deixamos escapar. O ponto complicado dessa situação, sobretudo entre as mulheres é que muitas se tornam viúvas de namorados, noivos, maridos vivos. Não conseguem levar a vida a dois com outro, chegam mesmo a achar que estar com outro homem é traição. Culpam-se por isso e pior compreendem o absurdo da situação, mas não conseguem se libertar. De modo que se num primeiro momento o luto é positivo, pois nos leva para dentro da gente mesmo, nos coloca em contato com nossas dores, feridas e negligencias, num segundo momento ele é depressivo no pior sentido do termo. No luto inicial o estar só, quieto, calado, chorando é bom. Mas, no segundo momento, deixa de ser luto e passa a ser depressão, desgosto pela vida. Então, se você estiver fazendo o teatro como sendo um norte que sua alma deu perfeito. Você e sua alma estão fazendo as pazes, se harmonizando de novo. Eu acredito na arte como forma de superação e de encontro com a gente mesmo. Viva a liberdade das mãos e de todos os corpos. Viva a liberdade de amar mais e melhor a todos os que chegarem. Bjs para vc e tudo de bom.
ResponderExcluirObrigada pelo retorno.
ResponderExcluirQue bom que viu!!! É que os comentários não nos aparecem e somente quando caminhamos pelas postagens que as lemos. Bjs para vc! E continuo na torcida de que o luto tenha feito verão.
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