quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Sexo Divino. Amor Profano.


Assim, depois de "Karma, controle e amor" adentro o terreno maldito. Não há controle que se faça possível, nem viável sem a castração, ou a regulação sexual. O sexo é maldito, porque ele é divino. Ele é um passaporte à transcendência sem a necessidade de intermediários, ritualização, sacristia, conceitos de moralidade e de civilidade. O sexo recebeu a própria imagem do mal, do diabo, do pecado, porque ele é a fonte de prazer, de criação, de produção e reprodução. Todo êxtase religioso, todo ritual religioso busca aquilo que o orgasmo proporciona: A fusão. A integração, o alivio e o êxtase.  
Karmicamente, biologicamente, fazemos sexo como bichos, por razões estritamente fisiológicas. Mas, fazer sexo espiritual é o anti-sexo. Segurar a ejaculação, fazer a posição 69 do livro do Tantra é o anti-sexo. O sexo já é espiritual. E eis o mais profano disso, a saber, ele pode tanto ser acionado pelo amor, como pelos feromônios. A mecânica do sexo pode ser prazerosa de uma forma ou de outra. Sexo e amor não são sinônimos e pares inseparáveis. Pelo contrário, acredito que se pode amar uma pessoa, mas ela não ser a sua parceira sexual e vice-versa.
Em verdade estou colocando em xeque duas tradições: a do tantra no que este tem no seu aspecto de divinização do ato sexual e do cristianismo no que este tem de bestialização, culpa e inculcação do sexo como pecado original. Nesse meio termo, imerso nesses escombros, cabe a cada cidadão ocidental, oriental encontrar ar puro para uma prática satisfatória do seu ato sexual. Em ambas as culturas, o corpo e a mulher parecem ser a chave de entendimento dessa relação. Ou seja, enquanto não aceitarmos que o prazer se dá com o corpo, que este não é fonte de todo mal e que o mal veio a Terra por causa da mulher, nosso ser no mundo, nosso fazer no mundo tenderá a ser incompleto, insatisfatório. De modo que o lócus em que grande parte das culturas atingia-se o êxtase, mediante o sexo, o cristianismo fechou a porta, falando que ela (porta, mulher, corpo) é a entrada para a perdição, para o pecado.
Depois disso o que a gente construiu como civilização é a anti-vida. Simplesmente porque a única forma de sustentar que a vida depois da morte é mais importante do que esta é privando as pessoas de sentirem prazer no ato sexual. Privando-as de terem corpo. A privação do corpo, a educação e coação do corpo é em síntese a repressão à alma. A negação de dar as mulheres corpo, de aceita-las como portadoras de um corpo cujo gozo não esta atrelado ao marido é a forma mais engenhosa de se reprimir e castrar toda uma civilização.
Porque qualquer um que sentir prazer no ato sexual vai desejar que este instante se repita, e de novo, e de novo, e para sempre. Sim, o eterno retorno de Nietzsche não é apenas erótico é sexual mesmo. Isso escapou aos filósofos e foi indiretamente compreendido pelos psicólogos (Freud, Jung, Adler, Reich) justamente porque ele foi um dos primeiros a mostrar a importância do corpo e a relação desse corpo com a psique/alma.
Se a gente destravar o corpo a alma sai do lugar, muda de direção. E sobre os nossos corpos há centenas, milhares de séculos, de escombros, de repressão, de impedimento, de controle para que a gente alcance o que o sexo proporciona- autonomia.
Diante disso tudo, os artistas estão aqui discordando parcialmente de mim, alegando que o sexo não é apenas corporeidade, na visão deles o sexo é a representação do poder criativo da e na existência. Que sexo é sinônimo de amor no que o amor revela de criação, criatividade, explosão e ardência de desejo. Concordo com eles. Mas, assim o nosso problema é o que imaginamos como sendo amor. Nossa visão de amor aprisiona o outro em lugares que não as deixamos sair.
É difícil aceitar que sua esposa é mulher, é fêmea, é mãe, é senhora portadora de desejos, até por outros homens, ou mais precisamente, por outros machos. Mais inusitado ainda é aceitar que há homens que vêem sua esposa apenas como fêmea e nada mais. E para ficarmos ainda mais perplexos: elas gostam e necessitam desse olhar, desse desejo. O olhar do desejo aquece a alma, esquenta o corpo, provoca calafrios e arrepios na imaginação.  
Na mesma medida é insuportável acreditar que seu marido tem desejos inconfessos, alguns praticados com muitas outras mulheres, menos com você, ora porque ele te coloca no pedestal de santa, ora porque você se tranca na torre de marfim, no espaço reservado às donzelas. Por falar desses lugares nos quais nos colocam ou nos colocamos. A Sandy falou que sexo anal dói e o mundo disse para ela: “você é virgem! Sempre será virgem. Vai conceber igual Maria, sem pecado, sem ato sexual! Você não tem o direito de perder a sua virgindade e muito menos falar dessas coisas.”
Como vieram os anárquicos artistas, meus amigos clérigos estão aqui me mostrando que é do sexo também que vem toda viciação, toda perda de controle. O fundo atávico de cada vício relaciona-se diretamente, mas inconscientemente a padrões sexuais exaustivamente vivenciados. Se o sexo tem um caráter libertador, ele é também o ponto de escravização do corpo. Creio que aqui adentramos a dupla relação do sexo; por um lado ele é divino, por outro ele é bestial. E a gente faz muitas coisas, menos sexo. O sexo é um encontro com a humanidade em nós. Ele passa pela bestializaçao, vai à busca da divinização, mas ele oscila sempre entre o animalesco e o humano.
O animalesco é o desejo puro, bruto, solto; animal faminto em busca de alimento. O sexo precisa desse olhar, desse apetite. O sexo necessita dessa ardidura, dessa volúpia. Mas, ele não é só isso, não deveria ser reduzido apenas a isso. Sem dúvida que isso é muito bom, faz com que o corpo vibre, encontre espaços novos, desbloqueia velhos sistemas mentais, cria novos circuitos neurais; mas essa instintividade é tão avassaladora que se pode viciar e se fazer de tudo para ter a repetição desse desejo mais uma vez e de novo, e sempre, ficando nessa sansara por vidas ininterruptas apenas para se ter a delicia de satisfazer por mais um segundo esse gozo, esse prazer.
Já o humano é a fantasia. A fantasia é a primeira tentativa de dar forma para o desejo. O sexo precisa da construção desse enredo, desse cenário. De esse maquiar o desejo que devora, como se aquilo que você busca não é devorar o outro. A imaginação direciona e às vezes potencializa o gozo. Mas, acho que nos situamos entre essas duas coisas, o humano e o animalesco. Ora somos humanos demais e o sexo perde o que lhe é fundamental- desejo. O desejo é a essência do corpo. Quem deseja é o corpo. Tem que se ter o desejo pelo corpo do outro, de querer aquele corpo para si. Quase uma vontade de... “eu vou tomar seu corpo de você se você não me entregá-lo”; acompanhado de um desejo similar, mas oposto: “vem tomar o meu corpo de mim, como oferta que faço a você.” Isso não tem voz, não tem dito. Isso é pele, é química, é toque, é instinto.
Não obstante ora fantasiamos demais, ficamos muito na mente e impedimos o corpo de dizer aquilo que ele quer. A fantasia é ao mesmo tempo o lugar mais poderoso, mas também o mais fácil de cair na armadilha. A repressão do corpo vem da dissociação entre o corpo e a mente, isto é, nossa mente foi aculturada para impedir nosso corpo de se expressar. O sexo tem sido uma transa na qual o corpo é colocado de fora. Poucos rompem com isso. E menos ainda conseguem o que somente o sexo pode dar: a integração.
Uma integração que se dá mediante você e o outro, mas que se ramifica para você-mundo e você-você. É como se o outro fosse uma senha para descortinar outros mundos, outras realidades e o sexo abre as portas desses mundos.
Mas, escrevi tudo isso para pensar, que acho uma pena darmos tanto valor ao sexo, ao ato sexual. Precisamos decidir se ele é ou não é importante. Sendo, ou não, até que ponto. E cada casal precisa discutir o peso disso na relação. Recordo que homens ou mulheres viciados (jogos, álcool, mentira, vídeo-tapes, futebol, manicures) recebem condolências mesmo tendo jurado um milhão de vezes que foi a última vez que fumaram, que agrediram, que beberam, que gastaram. Nesses casos, o cônjuge continua ao lado do seu par. Tudo muda, se altera, radicalmente, quando se descobre que um dos dois traiu: é motivo de ódio eterno, raiva absoluta, desquite. 

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