Aqui
em Minas costuma-se dizer que o super-clássico começa uma semana antes e
termina uma semana depois. Com este não foi diferente. Na semana que antecedia
o super-clássico discutiu-se sobre segurança. Durante o jogo ficou notório que
se quisermos falar de segurança temos que pensar em minimizar os ânimos da
disputa, isto é, desconstruir o cenário de guerra, estimular a ida da família,
policiar e restringir o acesso dos delinquentes que querem bater, apanhar e
batem em qualquer um, brigam com qualquer um. Temos que começar a deixar cada
vez mais claro que este sujeito não é torcedor, ou melhor, ele é, mas não
podemos privar milhares de outras pessoas de ir ao estádio por causa de uma
centena desses caras de ambos os lados.
E
é essa política publica que nunca vou entender. Quando escutamos falar da violência
no estádio pensa-se que todo torcedor é um meliante que vai ao jogo pronto para
matar o rival e isso esta muito longe da verdade. Nos antigos super-clássicos
era mais do que comum caravanas de cidades do interior vir com atleticanos e
cruzeirenses juntos, sentados lado a lado. Igualmente comum de sair do mesmo bairro
atleticanos e cruzeirenses. Sem contar de marido e esposa, pai e filhos. É um
absurdo colocar a minoria dos torcedores como totalidade da baderna, da
confusão. O que há em comum nisso é que a policia em Minas nunca conseguiu
diferenciar os meliantes, os arruaceiros dos torcedores, em regra geral,
deitava o cacete em todos. Organizava filas jogando cavalo para cima de todos. A
PM nunca soube distinguir. E eu que morei nas imediações do Independência,
recordo de colegas dizendo, logo que a Galoucura e a Máfia Azul ganharam
expressão, que os policiais do choque cantavam: “eu vou, vou dar porrada eu
vou, e ninguém vai me segurar nem a galoucura.” Isso em caso de jogos do galo e
nos do cruzeiro os da máfia.
E
o que me chateia em tudo isso é que sou torcedor do Galo. Torço para o atlético.
Meu rival é o cruzeiro. Minha geração cresceu assim. Hoje uma parte significativa
não torce para o time, eles torcem para a torcida organizada. E para eles o
futebol é outra coisa. O jogo é outra coisa. É um equivoco antropológico, sociológico,
filosófico, denominá-los torcedores, porque não estamos falando da mesma coisa.
Não pode nos confundir com eles.
O
cara que torce para torcida organizada tem que provar que a dele é melhor, é
maior. E a prova disso se dá mesmo no tapa, nos embates, cada vez mais
agressivos e com uso agora de armas de fogo. Isso deveria ser tratado como milícia.
Eles batem até em torcedores do seu clube. Eles chutam mulheres grávidas. Eles são
possessos de ódio. Esses caras não podem ir não apenas ao jogo de futebol, mas
a qualquer lugar. Mas não se pode restringir quem de fato sabe que aquilo tudo
é um jogo- trágico- mas um jogo. Ficamos irados, raivosos, tensos e não se pode
pedir que se perca isso, senão a gente vai jogar dama, xadrez. O sentido dos
esportes de arena especialmente o futebol é que ele revive o trágico.
A
tragédia moderna é não conseguirmos demarcar isso. A tragédia nossa é que o
cara que assiste o Batman acha mesmo que é o Coringa e atenta contra a vida de
muitos dentro do cinema. A tragédia é o cara de fato acreditar que quem esta
com uniforme do rival é seu inimigo e deve morrer, ser agredido. A tragédia é
agredir pai e filho de mão dada, porque se pensou tratar de um casal gay, ou de
queimar um índio por achar que era mendigo. Enfim, a tragédia é a de tomar a
encenação como realidade. E disparar o ódio, a raiva que deveria se voltar para
aquele lócus, na cidade inteira, para uma população toda. Na semana que
antecedeu o super-clássico a PM ajudou as pessoas continuarem equivocadas
quanto ao verdadeiro sentido do espetáculo. Ela amplificou de tal forma as
coisas que ao final pipocas lançadas dentro do estádio foi motivo de se pensar
na suspensão do evento. E se o arbitro termina a partida, quem ia segurar
aquelas pessoas, que de torcedoras comuns foram alçadas a condição de
peliculosas, agressivas, explosivas, descontroladas?
É
hora de se pensar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário