sexta-feira, 20 de maio de 2016

OLIMPÍADAS E DEMOCRACIA: a gente se vê por aqui.


Eu estava indo para uma reunião mensal de caráter espiritualista que promovemos quando vi a organização das ruas para que a tocha olímpica passasse. Nisso um amigo me relembrou a frase: “O importante não é vencer e sim competir!” 

Essa frase nunca me fez sentido dentro do campo de futebol, ou de qualquer outro locus de disputa. Todo atleta entra na arena para vencer, para ser o melhor e nas palavras de Mike Tyson: “o segundo lugar é a mesma coisa que o último.” Para o atleta só vale a vitória, embora a medida em que vamos aprofundando o nível da disputa, vamos reconhecendo que toda luta desportiva é para superar-se e aprimorar-se.

Logo, por intermédio do amigo percebi que o sentido dessa frase é política e não esportiva. Esportivamente, queremos vencer, vencer, vencer, porque esse é o nosso ideal. Honramos o nome de Minas no cenário esportivo mundial. Mas, no cenário político não pode se ter vitórias a qualquer custo, a qualquer preço, sob qualquer pretexto. De forma que a partir dá frase veio o desfilar de imagens em minha cabeça e pela 1ª vez compreendi que o contexto, ou aplicação dessa frase não é esportiva e sim política. É o que tento demonstrar nesse post, mas antes vou percorrendo caminhos filosóficos e teatrais, vem lendo comigo e ao final deixe seu comentário.



OS GREGOS

Ahhh, os malditos gregos!! Entre eles uma coisa eram muitas. Tudo tinha símbolos e profundidades cada vez maiores. Era um universo repleto de metáforas e significados que se aprofundavam ao mesmo tempo em que se expandiam, iam da raiz ao cosmos em tudo que faziam.


O teatro, por exemplo, era a um só tempo diversão, como um ritual sagrado, uma catarse coletiva. Nele os cidadãos expurgavam suas dores, ao mesmo tempo em que os artistas com suas personas personificavam situações, seres, atos. Essa é uma condição complexa que os governos e as pessoas autoritárias dificilmente compreenderão, a saber, essa capacidade da arte em ser nada e dizer tudo. Olha o Marcos Feliciano que não consegue compreender o papel de pastor que ele representa, porque simplesmente não é capaz de ser e se deixar ser vivificado pela ritualística cristã que ele encena. Ele não vive Cristo, por isso adultera Jesus. Cospe na cara dos fracos, zomba das torturadas. Mas, vamos a outro exemplo do mundo grego:

A praça era a um só tempo locus das discussões políticas como também espaço das interações pedagógicas. Em verdade, entre os gregos muitas das coisas que seccionamos, dividimos é para eles era um todo quase que indivisível, por exemplo: Polis + ética = política.














Entre eles era impensável a distinção entre política e ética. Como era também impensável a propositura de leis que tivessem o caráter punitivo antes de ela ser pedagógica e instrutiva. Afinal, como punir aqueles que não educamos?  E como considerar educado aquele que desrespeita a lei que ele mesmo criou? Em outros termos, como se reputa político aquele que descumpre as leis da Pólis? E, como podemos aceitar que permaneça entre nós aqueles que criando as leis que regem a cidade a desrespeitam para satisfazerem-se e locupletarem-se?

Entre os gregos isso não era tolerado. Entre os gregos havia o exilíio, a pena de morte e as insurreições contra os malditos que usavam da cidade como se ela fosse a sua casa. E, podemos vislumbrar cada uma dessas ações tanto nos diálogos platônicos quanto em algumas peças teatrais.

APOLOGIA DE SÓCRATES



Num primeiro momento temos a Apologia de Sócrates quando o mesmo é levado ao tribunal por cidadãos da cidade; tudo bem que de caráter duvidoso, mas cidadãos que alegam que o velho filósofo estaria seduzindo os jovens ateniense e ensinando sobre a existência de outros deuses. A defesa do eterno pai da filosofia é um show, mas os jurados o sentenciam a pagar 30 moedas. Sócrates filho da cidade, legislador, olha para os seus concidadãos e deixa claro que caberia apenas uma sentença: ou ele é inocente e assim não deve pagar nada, pelo contrário, deve receber até retratação dos seus algozes; ou ele é culpado e deve receber a pena máxima- a morte, como reza a lei que ele formulou e segue.

Séculos depois alguns comentaristas veem uma intransigência socrática, afinal seus discípulos, amigos, todos disseram que pagariam para ele a quantia e ele voltaria à praça. Mas, para Sócrates o que estava em jogo não era apenas o seu nome e sim toda cidade, toda organização política e social. Imagine se cada cidadão começasse a entrar com processo de impedimento para cada governante que cometesse pedalada fiscal? Desculpem, entusiasmei.

Imagine se cada tribunal acolhesse e acatasse com finalidades espúrias pedidos de impedimento de legislatura? Mais precisamente, imagine se os signatários da lei a descumprissem em comum acordo e a aplicassem somente quando conveniente? Essa leviandade geraria um profundo sentimento de instabilidade, afinal a qualquer momento, por qualquer motivo, a maioria pode castrar, suspender os meus, ou seus direitos, o direto de qualquer um, por qualquer motivo. É essa clareza, que Sócrates nos deixa na apologia, mas ele nos ensina mais. Ele nos ensina que não há indivíduos acima da lei e que nenhuma lei pode perder o seu sentido original e primário de ser justa. Ele nos ensina que acima da legislação há a justiça e se a primeira pode ser flexibilizada, a segunda é imóvel. Com sua venda nos olhos, com sua balança numa das mãos e a espada na outra, ela equilibra e corta. Esse corte é a tudo aquilo que ultrapassa o que para os gregos é fundamental: a ordem, o cosmos, o equilíbrio.




Mas, essas observações se aprofundam em Críton e em Fédon, outros diálogos socráticos.

CRÍTON

Em Críton, o jovem discípulo chega feliz e saltitante, dizendo ao seu mestre e amigo algo como: “já subornei o guarda da noite. Já contratei a embarcação que te conduzirá até outra cidade. Lá os nossos amigos estarão te esperando para que tu vivas feliz!!”
Sócrates olha entre consternado e decepcionado para seu amigo e pergunta: “você não entendeu nada do que ensinei na praça por todos esses anos?”

É similar a Pedro no alto da montanha cortando a orelha do centurião e Jesus olhando e dizendo: “aquele que é pela espada, perecerá pela espada!” E, pegando parte da orelha do moço, recoloca-a no lugar.


As mensagens dos mestres são assim em atos, em diálogos e o que Sócrates estabelece com Críton diz respeito às leis, as regras, as normas, ao dever. O velho filósofo explica como que ele que lutou contra a tirania, como ele que defendeu a democracia, que ajudou na criação das leis de Atenas, agora que as leis o julgavam, como ele poderia fugir? Como ele poderia após ter vivido mais de 70 anos sob as leis de uma cidade, tendo visto grandes homens nascer e morrerem, simplesmente, abandonar tudo e pedir exílio em outra localidade? Não, ele não poderia. Ele responderia e acataria as leis que a sua cidade-estado criou. Ele aceitaria a pena capital, a própria morte, mesmo ela sendo aplicada injustamente no seu caso. De todo modo, o velho filósofo não concebia pagar a injustiça com injustiça.

Eu não era discípulo de Sócrates, fosse eu teria proposto a guerra civil. Como Pedro partiria para ação armada dizendo entre gritos e atos: “no mestre ninguém toca!!” Mas, tanto Sócrates, quanto Jesus e tantos outros mestres acreditam que essa vida é apenas uma passagem, um momento, um instante. Sendo assim, não se prendem ao corpo, não se agarram a uma vida sem sentido, sem valor de ser vivida. Buscam significar a existência sendo o melhor que podem. E, como corromper aquele que sabe o valor da própria alma? Como cooptar, seduzir aquele que sabe o valor da sua honra? Como amedrontar aqueles que sabem que são eternos? E, como hipócritas podem aceitar, tolerar aquele que lhe é diferente e os ameaça? Não conseguem. Os amigos escolhem a traição, os mais distantes, o silêncio, os opositores a cicuta, ou o impedimento. Longe de comparar Dilminha com esses dois seres maiores da história da humanidade, mas não posso deixar de reconhecer que ela em seus atos e comportamentos busca representa-los, os encena com grande inspiração.

No entanto, o exemplo que temos de guerra civil fica mais clara não na história e sim na tragédia, pelo menos é o que Sófocles nos conta primeiro em Édipo e, sobretudo em Antígona.

ANTÍGONA

A história de Édipo é mais famosa e clássica, mas a tragédia do seu erro, como não poderia deixar de ser diferente em Sófocles, entra em sua família, penetra em toda cidade.

Édipo teve 4 filhos-irmãos com sua mãe, Jocasta. Após o exílio do pai, os filhos estabelecem o acordo de revezarem-se no poder anualmente. Só que o maldito Éteocles no fim do seu mandato não quis tirar o anel de Sauron dos dedos. Seu irmão toma outra atitude ainda mais exagerada e descabida, recorrer à cidade rival, ao exército rival para invadir a cidade natal e destituir o irmão. Na luta insensata pelo poder os dois morrem e o poder cai nas mãos do Cunha, ou melhor, de Creonte.
Por enquanto, nada de trágico, ou muito trágico. A tragédia começa quando Creonte tio dos fraticidas assume o poder e no seu 1º ato impede que Polinice receba os rituais fúnebres. Ele não permite um cidadão, na verdade, ele não permite um ser humano ser enterrado e entre os gregos caso isso não aconteça estaríamos diante de uma alma penada. Para Creonte o corpo morto deveria ficar largado na rua como o de um bicho e isso revolta Antígona.
Ela não toma partido na briga fratricida e nas legislaturas e propositivas masculinas, mas a barbárie de não permitir o corpo do seu irmão de ser sepultado, isso ela não consegue deixar passar.




Antígona nossa heroína não aceita essa sanção. Ela compreende o erro do irmão, ela legitima o poder do tio, mas ela não pode aceitar que uma regra humana seja maior do que uma divina. Ela não pode conceber que o direito da pessoa possa ser restringido pela convenção humana. Ela enterra o irmão escondida. O governante, que vai se transformando em déspota diante da intransigência, não cabe outra solução a não ser punir o culpado, independente de quem seja.

Deveria falar mais da tragédia, mas indico a leitura da obra e caminho para o final dizendo que Ismênia irmã da heroína morre, Hemon filho de Creonte e marido de Antígona morre, Eurídice esposa de Creonte se mata ao saber da morte do filho.

ACENDENDO A TOCHA

E agora, ainda vivos, podemos retornar à chama olímpica. As cidades estados gregas eram muitas, com muitas regras, normas. Conhecemos mais a de Esparta e Atenas, mas, os gregos como toda comunidade humana é repleta de tensão e conflitos. Os jogos olímpicos na Grécia tinham aquela representação de ser algo simples, banal, sem sentido, mas repleto de significado e simbolismo.


Os jogos representavam entre muitas outras coisas um momento de reflexão, não meramente esportiva, e sim acredito eu, que política. Era ali durante os jogos, em uma cidade vizinha, possivelmente rival, que discutia-se política, estabelecia-se tratados, conseguia-se armistícios, parava-se guerras e contendas. 

Os jogos olímpicos, longe de serem apenas atividades esportivas, festivas eram um momento de plena reflexão acerca da paz e da guerra. Eram nos jogos olímpicos, que cada cidade estado transformava os seus representantes em defensores da sua polis. Essa defesa em si mesma já era uma honra. Uma honra que igualava o vencedor dos jogos a condição de herói e igualmente demarcava a posição ilustre dos demais competidores, já que sem eles não haveria a honra da competição e da vitória. 

Moral da história: o barão de Coubertin imortalizou uma frase: “o importante não é ganhar e sim competir!”

Na seara política é a competição que efetiva e concretiza o jogo democrático. É no respeito a esse jogo que se faz fundamental que o derrotado aceite a derrota para que o próximo jogo aconteça, que o vencedor valorize o seu opositor para que haja uma próxima disputa. Há aqui uma dialética, uma disputa, uma busca por superação que aprimora-se ao mesmo tempo que se aperfeiçoa o jogo. 

Quando o derrotado insufla seus eleitores afirmando que a vitória do grupo rival foi desonrosa, ou ilegal, enseja-se a guerra civil. Quando os vencedores tripudiam daqueles que venceu enseja-se um sentimento de que no jogo vale a vitória a qualquer custo, sob qualquer termo. E, esses golpes não valem nem no esporte e menos ainda no mundo da política onde cada gesto envolve milhares de pessoas e seres. 




Assim, parece-me fundamental que reconheçamos o valor da tocha olímpica e dos jogos olímpicos, que ela possa nos dar o que os gregos conheceram e ensejaram: o respeito às regras do jogo, o respeito à democracia. O valor da paz e o peso trágico da luta fratricida entre irmãos pelo poder.


De modo que essa tocha, com sua luz, nos traga a chama da vitória, do respeito, da tolerância. Nos permita honrar cada adversário com o melhor de nós, sem que tenhamos que burlar ou condenar uma pessoa por um crime que ela não cometeu.

Na política, competir é mais significativo do que ganhar, porque nela a regra da polis mantem-se intacta. Porque a democracia é maior do que os competidores. E, não se tolera ou se admite que alguém por motivos lindos, tirânicos, ou escusos a alterem.

É somente respeitando a competição que todos vencem, ou melhor, que a insatisfação do perdedor não coloque em cheque todo o espírito esportivo que flameja na vida política, econômica, social. 

Enfim, na preparação que se fazia para a passagem da tocha, meus amigos espirituais ensejaram um pedido para que esse fogo aceso, passando de cidade em cidade, de Estado por estado, de mãos em mãos vá acendendo em nós essa luz da esportividade política. O respeito a soberania das urnas, do voto. 

Enfim, que o fogo olímpico acenda a chama cristica e consciencial daqueles que julgam ser políticos, mas desrespeitam as normas da polis, as regras do jogo para beneficio próprio. 




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