Os japoneses estão
criando uma máquina que decifra sonhos. É parecida com aparatos astrais que
permitem e possibilitam adentrar os sonhos de outras pessoas. Na minha
concepção a máquina falha, porque para eles o sonho é meramente uma função
cerebral, um estado alterado da consciência (se é que acreditam na existência dela).
O sonho ao que tudo
indica é mais. O sonho é a abertura para outra realidade. Uma realidade que ora
é externa ao sujeito sonhador, ora é interna do sujeito sonhador, mas que
invariavelmente independe. O interno e o externo têm cada vez se misturado mais
e se confundido mais. Na ficção científica do mundo astral o sonho pode ser
visto como uma função de onda, uma fenda orbital pela qual muitos seres que
conseguem alargar esses espaços adentram. Similar ao filme Akira Kurosawa na qual adentra a tela de Van Gogh
e vive aquele universo interno. Similar a uma sonda na qual utilizamos para
visualizar o universo interno da pessoa. há máquinas nas quais conectadas aos lóbulos
da pessoa consegue-se ver claramente seus pensamentos projetados numa tela. Os sentimentos
são representando pelas cores e as emoções pelo odor. O conjunto de tudo isso é
uma tela de cinema na qual entramos, caminhamos, ouvimos uma musica ser tocada.
É algo inenarrável, mas vamos conseguir criar esse modelo no plano físico.
A percepção dos sonhos
por essa ótica nos lançaria não mais para o mundo interno do sonhador e sim
para a possibilidade de compreendermos o que são os universos paralelos e
mundos multidimensionais. Vamos caminhar para essa direção, embora algumas compreensões
conceituais sejam necessárias.
Basicamente, em Freud o
sonho é um diálogo que a consciência, ou melhor, a inconsciência tem com seus
recalques, seus desejos não manifestos. Nessa análise o sonhador é um sujeito
no qual os objetos gravitam em torno da sua libido.
Em Jung os sonhos são
representações simbólicas de estados ora individuais, ora coletivos. Nessa análise
o sonhador é menos sexualizado e mais simbólico, ou melhor, nem tudo tem uma
fonte sexual primária como advogou Freud, pelo contrário. E nesse contrário, o
sonhador se identifica com todo o cenário, com todos os objetos e personagens
que gravitam no seu sonho. Todas as representações são símbolos do self e da
busca do sonhador em direção ao seu eu mais profundo.
Na concepção religiosa de
cunho espiritualista o sonho é a emancipação da alma. O sonho não seria e não é
um estado produzido internamente e sim uma comunicação na qual o espírito, fora
da matéria corporal, recebe informações, viaja por lugares, encontra com
parentes falecidos, vive a verdadeira vida.
No oriente de fundo
budico o sonho é a ilusão, é Maya. O sonhar se equivale ao estado de vigília. É
na meditação e pela meditação que o sonhador acorda, isto é, si ilumina; mais
precisamente, compreende que tudo é sonho e é imperativo despertar dessas
irrealidades.
Essas concepções teóricas
não conversam entre si. Somam-se a elas as descobertas neurológicas e fisiológicas
do cérebro que apontam numa direção ainda mais mecânica e funcional dos sonhos.
Numa direção quase inversa a apresentada pela concepção médica, mas nem tanto,
temos a conscienciologia para quem o sonho acaba sendo a representação do estado
de inconsciência social, espiritual, ética, no qual estamos. Nesse modelo, nada
mais justo, do que enquanto o corpo dorme, sermos capazes de despertar o espírito,
ou mais precisamente, sabermos que podemos acordar dentro do sonho e ficarmos
conscientes dessa realidade.
Mas qual realidade?
Sonho e realidade se
confundem. Assim como sonho e vida. É difícil desassociá-las e até mesmo
defini-las. Afinal: o que é o sonho?
E se estivermos todos
sonhando? E se você estiver lendo esse texto enquanto seu corpo sonha e depois
de duas semanas, três meses depois que eu postar, você ter a nítida sensação de
já tê-lo lido antes? E se formos como conta a Chuang Tsé uma borboleta sonhando
ser homem? Isso muda alguma coisa?
Seria possível despertar
e acabar com essas impressões ou entraríamos em outro sonho sem nunca
acordarmos? Afinal, reencarnar-se para dormir ou para acordar?
E se a matéria na qual se
tece o sonho for a mesma com a qual se tece a realidade, ou seja, da mesma
maneira que no sonho você pode acordar, interromper, criar monstros, fantasmas
não seria possível criar uma vida melhor? Quais forças e que quantum de energia
seria preciso para isso? Mas, caso aprendêssemos a manipular esse tecido da
matéria não ficaríamos ainda mais infantilizados do que já estamos? Refiro-me a
cada vez mais não termos distância entre o desejo e a realização. A sociedade
do consumo satisfaz ou se coloca a disposição para satisfazer todos os nossos
desejos, mas alguém na altura do campeonato sabe mesmo o que deseja?
Segundo os budistas essa
é a razão de não acordarmos. Os desejos adormecem e entorpecem a mente. Mas parar
de desejar não pode ser um ardil? E achar que não se deseja e se iluminou uma
armadilha ainda maior?
Mexer na estrutura dos
sonhos, seja mecanicamente, seja espiritualmente é dar sustentação para um
despertar coletivo. Um despertar que ajuda na sutilização da matéria. Na suavidade
da vida. Em determinado momento todas as matrizes teóricas serão importantes
para mostrar níveis de sonhos e quiçá dos sonhadores. Mas, independente do nível,
creio que a grande surpresa será a descoberta de que todos estamos no mesmo
sonho, isto é, no mesmo sopro de Brahma.