Anos
atrás, num texto que escrevi para Elo, brincava de Pique - esconde. Eu dizia e
falava mais como criança, isto é, com uma ingenuidade que ignora a profundidade
do gesto e do dito, que a gente deixava partes nossas guardadas com o outro. E
depois a gente re-encontrava esse Outro para que ele nos devolvesse aquilo que
é nosso, que deixamos emprestado. O nome disso é amor. A cara mais visível
desse amor é a amizade.
O
amigo, já diziam os pitagóricos, é o meu outro eu. É aquele que te conhece mesmo
quando você se ignora, mesmo quando você se perde, mesmo quando você se ausenta
e tenta tirar férias de você mesmo. O amigo te relembra quem você é. O amigo
tem a senha.
A
senha é um termo curioso. O ouvi pela primeira vez na periferia de alguma escola
na qual leciono ou lecionei. Um grupo de alunos dançava Hip Hop e outro mano da
comunidade, não estudante da nossa escola, olhou para o garoto mais novo que se
destacava na roda, quebrando todo, olhou para mim e disse: “ele tem a senha!”
Noutra feita, se deu com um guri que operacionalizava algum jogo eletrônico, o
rapaz olhou e disse: “ele tem a senha”. Como quem diz: ele sabe muito. Ele abre
as portas, ele decifra os códigos. Neste texto esse é o sentido da senha.
O
amigo tem a nossa senha. Ele entra em nós. Quando estamos desconfigurados, ele
pega a senha e nos formata, nos tira do rascunho e nos devolve ao original.
Mas, descobri que há hackers nesse negócio também. Há o lado belo, infantil,
terno, responsável, leal no qual amigos se trocam, mas há algo também de
destrutivo em que inimigos se invadem, se controlam, se empacam, se prendem.
Lidei
com um caso desse bem de perto. A moça me procurou e quando fui ver, o cara
tinha não era apenas a senha, o cara a tinha toda, inteira, completamente, a
qualquer momento em que ele quisesse e a desejasse. Bastava um telefonema, depois
de dias, anos, meses, pelo o que eu pude analisar, séculos, e ela ia satisfazê-lo. Fiquei impressionado. O
cara de fato tem a senha.
Mas, mais que se ter a senha, mais do que guardar partes do outro com você para devolvê-lo depois, algumas pessoas se apoderam do outro. Pe Fábio Melo chamou isso, maravilhosamente bem de: 'sequestro da subjetividade'. Algumas pessoas simplesmente roubam a senha das outras, apoderam-se da outra, não a devolvem. Em parte sim, mas em outra, temos que falar dos que dão a senha de própria vontade, desejo, querer e se ofendem quando alguém recusa retribuir a senha que deram, ou não querem devolver.
Mas, mais que se ter a senha, mais do que guardar partes do outro com você para devolvê-lo depois, algumas pessoas se apoderam do outro. Pe Fábio Melo chamou isso, maravilhosamente bem de: 'sequestro da subjetividade'. Algumas pessoas simplesmente roubam a senha das outras, apoderam-se da outra, não a devolvem. Em parte sim, mas em outra, temos que falar dos que dão a senha de própria vontade, desejo, querer e se ofendem quando alguém recusa retribuir a senha que deram, ou não querem devolver.
Vamos falar de casos em que algumas pessoas entregavam o coração delas na mão do outro, completamente, inteiramente. Para
muitas é uma ofensa não aceitar o coração que elas depositam nos pés do seu
amo, dono, senhor. Fiquei assustado.
Eu
vi amigas dando tudo a seus amantes. Vi amigas perdendo-se na busca por seu amante.
Vi amigos se transformando diante de suas amantes. A única pergunta a ser feita
é: eles estão de posse do próprio coração? Estando ou não, nada resta a fazer.
É uma cegueira. A única esperança é a de que o outro não judie, não maltrate,
não humilhe, não pise, não escravize. A única esperança é que o outro seja
amigo. Por que do contrário... nada pode cortar, alterar, a não ser o fio de
esperança, de consciência.
O que escapa a maioria de nós é que a
vitima também tem a senha do outro, mas se recusa a devolver. Tem hora que para
mudar de fase, para brincar diferente, tem que recomeçar tudo outra vez. E no
caso em questão, a moça se recusava a devolver a senha para o seu par, fazia
algo ainda mais louco, repetia a mesma relação com um terceiro, mas agora na
condição de sádica. Sim, não consigo ver essa relação se não pela perspectiva
SM (sado masoquista) trataremos disso no final.
Olá.
ResponderExcluirO texto é de estarrecer. À medida que ia lendo, fiquei pensando que muitas vezes o que a gente é, é se perder em escolhas e pessoas e ficarmos no labirinto de nossa vida e de todas as outras que nos cercam, que cercamos e geramos.
Daí, lembrei-me do poema que transcrevo abaixo.
É de estarrecer
é de estarrecer
estar e ser em inglês
é a mesma coisa
assim como você
pode ser e não estar
você pode estar e não ser
estar e ser
parece a mesma coisa
mas não é de estarrecer
to be or not to be
here and now
eis a grande questão
ser passado, ser futuro, ser presente
ser humano, estar sendo,
ser amado, ser seguro, ser ausente
ser cigano, estar vivendo
to be happy, to be free
estar em você, ser em mim
to be or not to be
para Shakespeare and me
é de estarrecer
estar e ser em inglês
é a mesma coisa
estar e ser
parece a mesma coisa
mas não é
de estarrecer?
(Itamar Assumpção e Alice Ruiz)
Bjs
Pois então, acho que a minha sensação na clinica ao ouvir o relato da partilhante e com ele recordar ações de colegas, amigas, minhas, foi de estarrecimento. Afinal, como que você se dá tanto para alguém que desavergonhadamente te usa e te manipula? Que relação é essa? Por que mesmo tendo consciência desse uso, dessa manipulação a pessoa não consegue mudar de fase? Vivencia uma repetição ad infinitum? Fiquei estarrecido. Fiquei ou estou? Estou ou sou? bjs para vc.
ResponderExcluirDevolva-me!!!
ResponderExcluir