Dia desses, Primavera
me perguntou o que é ser solteiro? Dei uma resposta rápida, apressada, que ela
não conseguiu me visualizar dentro da definição dada por mim. Falei que ser
solteiro era ser livre. E ela não me via livre, embora me visse e reconhecesse
solteiro.
Diante disso, vi que
teria que amadurecer a idéia para responder depois. Tentei responder por diversas
perspectivas, pensando em amigos, colegas, amigas, mas não encontrava um
denominador comum. Para uns ser solteiro é a própria liberdade, para outras a
solidão indolente e sistemática. Para uns é um telos, um destino final, para
outras a falta de sentido, um vazio, uma dor lancinante.
Passaram quase dois
meses, volto à pergunta. Mas, antes, tenho que dizer, que uma namorada, certa
feita, me disse que eu era como um homem casado e ela sentia-se minha amante.
De fato, não sou tão livre quanto deseja meus pensamentos. Será isso triste?
Será que a liberdade é apenas um estado mental desvinculado de um fazer
sensível, material, prático e pragmático? Imaginar-se nu numa noite clara é ser
livre ou a liberdade esta em se desnudar na noite? Aquele que só pensa e não
age seria um escravo de suas idéias, de seus castelos encantados? Ou pelo
contrário, a liberdade de pensar, imaginar, fantasiar o torna livre? Diria
Alberto Caeiro que todas essas divagações são chatas como andar na chuva, mesmo
porque eu deveria responder apenas o que é ser solteiro e desembestei a falar
de liberdade. O que tem a ver liberdade e solteirice?
Eis a questão
emblemática. Há solteiros por escolha, por convicção. Há solteiros que assim
como pedras sentem-se bem sozinhos; desconfio desses. Há solteiros que ficam
desesperados com a sua solitude: arranjam bonecas infláveis, animais de
estimação, controle remoto, tudo e qualquer coisa para não suportarem o vazio
constrangedor da própria presença. Há os que pagam por companhia, seja da
prostituta, seja do garoto de programa, seja da cerveja gelada tomada ao ar
livre para ver se esquenta esse vazio insuportável de não se ter um par. Na
contramão dessas colocações há a solidão a dois tão bem desenhados por Cazuza e
tão bem manifesta no casamento. Isto é, há aquelas que já não suportam mais o
par. Há aqueles que já não conseguem olhar para a mesma esposa, que mantém
sempre o mesmo olhar, na mesma hora. Igualmente arrepiante é a mãe que já não
dá conta de suportar os mesmos filhos, com as mesmas necessidades, com os
mesmos pedidos, demandando sempre as mesmas atenções. Em suma, como não
poderia deixar de ser diferente, quem está solteiro deseja uma companhia
e quem tem par esta torcendo pela separação.
No frigir dos ovos
não é questão de ser solteiro ou de ser casado é que viver é mesmo muito
complicado. Complicado, porque desejamos sempre a falta, a carência, aquilo que
não temos, aquilo que perdemos. Difícil encontrar um ser humano que aceita a
quietude da sua escolha, que olha para ela e diz: “eu escolheria esse mesmo de
novo”. Difícil suportar a solidão quando se sabe que há tantas mulheres e
homens no mundo. Mas, já se perguntou o que se deseja desse outro? O que se
espera desse outro?
De tudo isso me
parece que a gente busca o outro, mas não suportamos nem a nós mesmos. No
século XX Sartre disse que o inferno era o outro. No século XXI o inferno é o
eu. O outro é o próprio diabo: atrativo, divertido, mas ninguém quer levar pra
casa. Desse fogo a maioria quer distância.
Mas agora, tentando,
definitivamente, responder a pergunta: o que é ser solteiro? Acho que isso não
é um ser é um estar. A solteirice é um estado. Um imaginário, um fazer. Fui
casado, me comprometi de muitas formas, mas na mais básica e elementar, posso
dizer depois de quase uma década separado, que fui solteiro. Com isso quero
dizer que há pessoas que nunca se casam, mesmo casadas, elas sempre estão
nelas, com elas. O outro nos é importante, mas não nos é uma necessidade, uma
falta, uma angústia. Vivemos sem o outro, seja este outro quem for. Só não
vivemos sem nós mesmos.
Esta postura nos
relacionamentos é controvertida, porque a visão de amor que temos é a da fusão,
da integração. Carregamos uma visão de amor na qual se ter vida própria sem o
outro é traição, é crime. O castigo desse pensamento é a infelicidade conjugal.
Eu desconfio cada vez mais que o casamento é o sepulcro do amor. Justamente,
porque nele cada um se mata, se perde, se dá, se entrega. E infantilmente,
entregamos justamente aquilo que não pode ser entregue, que o outro não pode
carregar, receber; nós mesmos. O melhor da gente. Casar é matar o outro. É um
prazer meio de caçador que se sente mais confortável com o ser da sua admiração
preso na gaiola.
O contrário disso,
mas que é a mesma coisa, é a infantilidade. Uma e outra apontam para o mesmo
lugar, ainda não sabemos amar. Ora, por desejarmos e acreditarmos,
infantilmente que este outro é o ser que supre nossas carências, o ser que
realiza minhas fantasias no fazer dela. Ora por não querermos contato estreito
com outras pessoas por medo de nos ferir, de nos magoar. Ambos os casos revelam
que no que tange ao amor não amadurecemos.
A falta dessa
amadurecimento é que nos faz enquanto comprometidos com terceiros, sentirmos
uma inveja de nossos amigos casados, noivos, se relacionando. Essa falta de
amadurecimento nos faz lançar um olhar de culpa para a mulher que trai, que
rompe, que prefere ficar sem marido, sem filhos, deixar tudo para trás.
Em nossa cultura só
se é adulto depois de casar, ter filhos. É uma estulticie seguida e alardeada.
Mulheres que estão solteiras aos 25, 30 estão a um passo ou de pegar um homem a
laço e levar para o altar, ou de ir fazer inseminação artificial. Geralmente,
descobrem que esse desejo era dos pais dela, mas aí já estão gordas, casadas,
cuidando da casa, dos filhos e torcendo pela separação.
Eu diria hoje que ser
solteiro é estar casado consigo mesmo. Que venha as bodas de ouro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário