De
tempos em tempos ressurge no cenário mundial livros que tem como principal
função mexer com os desejos e fantasias sexuais do casal, ou mais precisamente
do universo feminino. Recordo-me de ‘A Vida Sexual de Catherine M’ que fez
bastante sucesso ao narrar as próprias peripécias sexuais com os mais diversos
homens, muitas vezes sob o olhar vigilante e excitado do marido. Mais
recentemente tivemos Bruna Surfistinha, que dispensa maiores apresentações.
O
que reputo interessante nessas propostas literárias como a mais recente: ’50 Tons
de Cinza’ é que as mais diversas tramas acabam por pontuar bem especificamente
algo sempre presente no universo feminino- o amor romântico. Pelo menos é isso
que deixa subentendido outra trilogia de tom menos picante, mas igualmente erótico
e de grande sucesso- Crepúsculo: o doce vampiro.
No
meu imaginário os vampiros são a anti-vida. O desejo deles por vida e viver é
tão amplo, tão grande, que acabam por negar a vida no que ela tem de mais
humana e importante- a morte. A eternidade no corpo, nos moldes postos por
Drácula e similares, é a bestialização, na verdade, a animalização que será
saciada no desejo de sangue. Mais do que desejo, a necessidade de se alimentar
do sangue humano para saciar-se e sobreviver. Nessa busca pela vida outra
antítese se apresenta- a impossibilidade de contato com o sol. O conjunto
desses aspectos culmina com a forma padrão que perdem a vida- a estaca no
coração, que por sinal é de pedra, empedernido, proibido de sentir.
Por
isso tudo Edward Cullen, vampiro de Crepúsculo, é o anti-vampiro. É jovem,
bonito, solitário, pode ter contato com o sol, na verdade a pele se doura no
sol e não se alimenta de sangue humano. Ele não é um vampiro é alguma outra
coisa, a saber???
Ele
é o monstro humano que as mulheres amam, mas que os homens temem em mostrar.
Ele é a representação de um conflito que tem cada vez mais ganhado expressão
junto aos casais e nas relações idealizando um pedido, uma suplica feminina:
“não se esconda de mim! Mostre-me quem você é! Compartilhe suas fantasias
comigo!! Deixe-me ser sua cúmplice!!”
Todo
homem e toda mulher sabem o quanto isso é ameaçador. Para o homem esse monstro
deve estar sempre invisível, longe do sol, dos olhos da esposa, da
namorada. Fomos ensinados que essa ‘monstruosidade’ só pode ser revelada às
mulheres da rua, às putas. Já para as mulheres, tendo ou não consciência, foi
por esse monstro que ela se apaixonou. Não o monstro enquanto ser bestial, mas
enquanto aquela pessoa que ela sabe que a protege, que a devora, que seria
capaz de matar meio mundo por ela. As mulheres se apaixonam por algo nos homens
que achamos repugnante e não gostamos. Este é um conflito para muita terapia.
Assim,
queremos dar nome, rosto, forma, localidade a este monstro. Quero situá-lo e
identificá-lo como sendo o DOM do livro 50 Tons de Cinza.
Na
trilogia a mocinha, virgem, apaixonada é introduzida no universo BDSM por um
DOM experiente, rico, cativante e sádico. Como um bom DOM, ele precisa retirar
a submissão da sua escrava, fazer com que ela se entregue a ele e permita que
ele seja o seu dono. Pelo que me contaram o sadismo dele não permite relação
amorosa, contato estreito, intimo. Tudo é um contrato. Tudo é frio como o
pedido dele de não ser tocado.
Caminho
para a finalização. Creio que cada homem traz um ‘monstro’ que o assusta, que
ele deixa enjaulado, escondido. Geralmente, de uma forma proporcional, quanto
mais se deseja a pessoa amada mais se tende a esconder esse monstro. A ironia é
que é justamente esse bicho que desperta a paixão e o amor da companheira dele.
Casais não se relacionam por acaso e o que os une é sem dúvida apelos secretos,
íntimos, ocultos que quando não são ditos acabam por provocar a separação.
Nisso retomo o ponto chave do livro 50 Tons de cinza- o sadomasoquismo.
O
sadomasoquismo é a prática que provoca o maior fetiche e na mesma proporção a
maior repulsa. Faz parte do desejo, do fetiche ‘monstruoso’ masculino subjugar
uma mulher. Faz parte do desejo, do fetiche ‘virginal’ feminino ser submetida,
se entregar a um homem. Não estamos falando de estupro. Estamos falando de sexo
dialogado, consentido entre dois adultos conscientes em parte, ou em muito, de
suas fantasias. Estamos falando da intensificação do binômio dor-prazer,
privação-saciedade, entrega-controle. No entanto, como isso é muito feio para
ser realizado de forma consciente, na cama com um parceiro (a), agride-se 100
mulheres por hora no Brasil. Matam-se centenas de mulheres por dia no mundo.
Isso as culturas de forma geral não acham monstruoso, hediondo, pelo contrário
até, recebe-se até incentivo.
Crepúsculo
pode ser discutido como mais do que uma história de vampiros e as leitoras
atentas percebem isso. 50 tons é sem duvida mais do um livro picante e
provocante, ambos trazem a discussão implícita e implicada de uma nova
sexualidade. De todo modo a pergunta que se faz é como que essa obra conseguiu
contagiar o universo ‘baunilha’? E a resposta que se desenha parece vir da
relação entre a ‘pureza’ feminina acompanhada do amor romântico. A mocinha
consegue resgatar o homem daquele vale de escuridão no qual ele vivencia suas
relações. Ela vai apresentar a ele o amor. E creio ser esta a linha que une
Crepúsculo e 50 tons de cinza: o amor.
A
pergunta que não cala é que amor é esse? E aí saindo da ficção e entrando na
real, nossa concepção de amor é monstruoso. Refiro-me ao amor romântico, a idéia
de amor que temos na cabeça e que não corresponde a realidade. É impressionante
como esse conceito obnubilado de amor, de amar, afasta as pessoas da
felicidade, da cumplicidade, da intimidade. Como que o amor romântico é um amor
platônico naquilo que este tem de mais ideal, de mais distante, de mais
longicuo, de mais criativo, mas não material. E são essas contradições que
dilaceram relações. A expectativa de que o outro seja aquele que você sonha e
não aquele que ele é. O desejo e o empreendimento para transformar o outro em
alguma outra coisa que não é mais ele mesmo. Esse cansaço ofegante que as
mulheres têm em discutir a relação.
Posto isto
tanto a namoradinha do vampiro, quanto a sub de 50 tons aceitam o lado monstro
de seus amados. Elas diferem em dois aspectos que podemos apontar como síndromes
que acometem as mulheres.
A primeira
seria a síndrome de se transformar naquilo que o ser amado é. Quase uma
anulação da vontade, uma entrega plena para que o outro a molde e a faça
conforme ele queira. É isso que fica subtendido em estruturas mais profundas no
desejo manifesto da mocinha ser mordida e transformada em vampiro.
A segunda
é síndrome da missionária. Para elas o amor é uma salvação. O amor pode tudo,
cura tudo, suporta tudo e o mais impressionante é capaz de mudar o outro
completamente. Depois de casado ele vai ser fiel, vai ser carinhoso, vai ser
trabalhador. Enfim, o amor vai transformar o ser da pessoa. mais grave ainda,
ela conseguirá amar pelo e para os dois.
Tudo isso
estreita um diálogo entre essas duas obras, primeiramente, porque no fundo a
namoradinha do vampiro é uma sub. O ponto positivo é que ela pelo menos não é
tonta ao ponto de acreditar como a moça ingênua do 50 Tons que conseguirá mudar
a essência do seu ser amado.
Finalizando,
diria que relação não se discute se vivencia. Hoje diria, que o que exaspera
homens é que discutir relação parece ser uma atuação teatral na qual a mulher
esta apresentando um diálogo entre o homem da fantasia dela e aquele que não
esta cumprindo esse papel no enredo. A gente fica lá no meio querendo dar
pitaco, mas o que esta sendo dito não é muito sobre nós e sim da imagem que se
criou de nós. No final todas saem com as queixas: “é a mesma coisa de estar
falando com uma porta! Ele não responde! Ele só fica balançando a cabeça! Ele
levanta e vai embora como se não fosse com ele!” E para falar a verdade, não é
mesmo.
Mas saindo dessa ficção também, qual amor que não é inventado?
Mas saindo dessa ficção também, qual amor que não é inventado?
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