Hoje em dia, praticamente não se encontram mais
baús. Eles são raridades, peças de museus e antiquários. Mas, houve um tempo em
que não existia casa sem baú, esse objeto enigmático.
O enigma do baú a princípio é um: seu tamanho e seu
significado, isto é, a um só tempo as dimensões em que ele ocupa e o inverso
proporcional do que ele oculta, guarda, esconde. Seu enigma então é esse: todos
sabem que no baú guardam-se coisas importantes dos seus donos, ao mesmo tempo,
ele é trancado, segredado.
Recordo o baú para estabelecer uma analogia entre o
mundo interno e externo em consonância com alguns clientes que procuram
serviços como o meu.
Já atendi várias pessoas que chegam completamente
fechadas (baú). Geralmente, elas são as mais aflitas para que você as abra, as
desvende, as alivie desse fardo pesado de carregar um baú imenso nas costas.
São também as mais intransigentes e incisivas tanto na questão tempo/hora,
quanto na questão da objetividade das informações. Todo o dilema é que elas de
fato acreditam que a única forma de não ser enganada é ter o baú arrombado.
Todas as que chegaram até mim vieram de outros
atendimentos nos quais ouviram coisas que queria checar, se certificar. Mas,
elas não apenas ouviram, elas tiveram o baú devassado, aberto, arrombado e me
chegam tentando confrontar as orientações que receberam com o que guardam no
fundo de si mesmas. O que aponto como diferença é que os caras nos quais elas
foram são adivinhos, profetas, videntes, sei lá o nome que se aplica a eles.
Sei arrombadores. E definitivamente não quero ser nenhuma dessas coisas e fico
profundamente atrapalhado quando me confundem.
Em outras palavras, eu não sou um
arrombador, isto é, não abro baús sem que o próprio dono me forneça as chaves,
as senhas. Se está trancado é porque algo maior, no próprio ser, ou fora de
nós, não quer que se abra e isso eu respeito demais. Em verdade essas são uma
das ‘regras’ que aprendi com meus orientadores: jamais devassar o mundo interno
do outro. Jamais causar no outro a terrível sensação de se estar nu, sem que
esse outro tenha se preparado para tirar a roupa junto com você. Quem melhor
ilustra isso é uma amiga que foi a um dentista que vou chamar antroposófico.
Essa corrente odontológica consegue falar pela arcada dentária de todo nosso
desenvolvimento fisiológico-psíquico. E minha amiga meio que desavisada sobre
isso, ao ter os seus caninos analisados com tamanha profundidade que a remeteu
a agressividade contida sobre a irmã, levantou-se da poltrona e nunca mais
voltou. Ela apenas me dizia: “a gente já é analisado o tempo todo, agora até na
poltrona do dentista!!!”
Mais do que a análise o incomodo dela foi a
abordagem selvagem, devoradora. Ela queria tratar os dentes, as visões,
percepções, interpretações, o cara deveria ter guardado para ele.
Lado a lado com essa situação nós temos as mulheres
que estou registrando acima o que vejo é que elas pedem o estupro e a
profanação simbólica. Elas pedem o arrombamento. E é essa a tristeza. Elas,
mais do que quaisquer outras mulheres e pessoas que atendi desejam ter os seus
desejos mostrados. Elas esperam imensamente que alguém seja capaz de ver a
culpa, o remorso, a dor que elas carregam dentro do baú. Algumas se encontram
tão piradas que não se dão conta que o baú delas está virado ao avesso, com
todo o conteúdo privado, interno, as mostras e elas pensam que ninguém esta a
ver, ou perceber.
E de fato, eu não vejo. Ou melhor, não vejo, porque
é o outro que tem que dar conta de narrar, de falar, de dizer, de calar, de guardar,
de jogar fora. Não se pode pedir para um terceiro carregar o seu baú. Ou ainda,
outros podem até carregar o seu baú, mas não o seu conteúdo interno. Esse
universo privado não pode ser depositado nas mãos de qualquer um e ninguém
deveria acreditar em quem adentra esse universo sem ser convidado, chamado.
Nesses um ano e alguns meses atendi apenas 4 clientes
assim. Todas elas traziam nos seus baús atos inconfessáveis, pensamentos
culpados e remorsos imperdoáveis (aos olhos delas). Em geral, eram casos
relacionados à traição. Três traiam o marido e uma articulava o homicídio da mãe
invalida.
Esse é o baú que elas trazem e deixaram no meio da
sala. Elas queriam mostrar, contar, mas não dão conta de dizer. Enfurecem-se ‘comigo’
por não ver. E de fato não vejo. O que elas têm igualmente em comum é que no
imaginário delas, eu era um adivinho, uma pitonisa que saberia e sabia tudo da
vida delas. Bastava eu abrir as cartas, ou jogar os búzios, ou meramente olhar
para elas que teria acesso a todo o seu conteúdo psíquico, saberia o que as
trouxe até mim. E eis a constatação que faço durante a consulta. Não sou
adivinho. Por algumas vezes estive quase a lhes passar o telefone da mãe Dina,
ou algum outro que consegue fazer o que não acho licito- invadir o espaço
interno do outro.
Ela me dizia que o fato de ela estar lá diante de mim
representava um sinal aberto e claro de que ela estava aberta e solicita. Eu
por minha vez tentava dizer a ela que não era tão simples. Não consegui entrar
na energia dela pelo toque energético. Depois também não consegui pelo Tarot.
Só deu certo ao final com a ajuda dos universitários astrais. Ela era um baú
cheio de angustia, insegurança, desespero. Ela queria ajuda, precisa ser
ajudada, mas devassar seu universo simbólico, na minha percepção atrapalha mais
do que ordena. O paradoxo de tudo isso é que elas me ensinaram demais e é sobre
isso que vou falar nas próximas postagens.
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