Cada
estudo do tempo é um descortinar da nossa forma de compreender o universo, a
nós mesmos. Quando falamos do tempo dizemos de nós mesmos, do nosso fazer, do
nosso estar, do nosso sentir e do nosso fluir na vida.
Na
Física o tempo passou de absoluto e determinista para relativo. Na história ele
teve um deslocamento similar- o tempo se fracionou, se fractou e historiadores
abriram espaços para o imaginário, para as mentalidades. Fomos vendo como que o
tempo no seu movimento serpentino retoma em suas mãos, linhas tidas antes como
soltas. Como que elas se articulam, se desatam e continuam num processo sinuoso
dentro de nossas mentalidades. Esse tempo fugidio, que se escamoteia se faz
alvo dos psicanalistas. Era e continua sendo estranho observar como que no longínquo
da mente, o tempo algumas vezes não passa, não avança, se congela em espécie de
trauma, de ressentimento, de dor e luto. É mais estranho ainda quando numa
sessão de regressão aquilo que era, que foi, que não deveria ser, se mostra
presente, palpável, atual. Memória, imaginário, dor e catarse de um algo que já
deveria não ser.
Tudo
isso seria de pirar se não tivéssemos a literatura, essa arte ficcional que
brinca com os tempos internos, subjetivos dos sujeitos ativos no fazer
narrativo. Aquele tempo congelado, parado, que se move a partir do lançar de
dados do escritor. E lançando os dados o sujeito inventado ganha outra vida,
uma existência paralela, que vai sendo fabricada junto com o leitor. Pelo menos
é essa a sensação que os grandes escritores nos levam a observar. É isso que Guimarães
parece fazer conosco no ‘Grande Sertão Veredas’. Ele nos causa a sensação
estranha de que Diadorim, Riobaldo e outros são seres reais de um mundo que ele
inventou e nós fomos convidados a habitar.
Quero
dizer que o artista com a sua obra nos abre para um outro tempo, um outro fazer
e ser no mundo, paralelo a este nosso. O artista nos convida à Utopia. A Utopia
não é apenas o “lugar nenhum” ela é também o não tempo construído pelo artista.
Assim, as formas de lidar com o tempo são muitas.
Afinal,
como lidamos com o tempo? Como o tempo lida conosco? O tempo parece que abraça e
acalenta alguns. A outros chicoteia com a veemência furiosa de um capitão do
mato. Usain Bolt parece que pega carona no próprio tempo, como se uma mão invisível
o carregasse. Eu que sou vidente pude ver Hermes emprestando as suas sapatilhas
para o jamaicano e Zeus soprando para que os pés dele não tocassem o chão. Em
suma, é covardia para qualquer mortal sem esta proteção correr junto a ele. Ele
é protegido pelo tempo. Assim como muitos outros atletas foram. Garrincha, Pelé
tinham pernas que não obedeciam à mente, na verdade, a mente deles estava nas
pernas. Na mesma medida em que Bruce Lee e Mohamed Ali tinham essa mente
autônoma nos punhos e braços. É a mesma mente que faz com que a bailarina seja
uma com a gravidade e todos eles desafiem o tempo. Mas, afinal o que é o tempo?
E
faço essa pergunta descartando o lado poético do tempo, esse ladrão da gente
que Cecília nos conta, essa máquina do mundo que Drummond retrata. Quero o
tempo pelo seu viés filosófico, científico. Quero o tempo na sua relação
inusitada com a consciência.
Nesse
sentido o tempo é um dos temas mais intrigantes da existência. É também o
conceito mais frágil, quase que se quebra ao vento. Indubitavelmente, o vemos
dobrando na memória. O fazer humano lida com o tempo, com a temática do tempo,
mas não sabemos ao certo o que ele é, ou o que ele deixa de ser. Há alguma
coisa que não seja o tempo? (continua).
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