Alguns usos, termos,
conceitos não sabemos ao certo de onde vêm, como nascem. O termo ‘criança
interior’, ‘feminino ferido’, ‘sombra’ fazem parte desse jargão. Já ouviram
falar disso?
Alguns sim, outros não. A
maioria deles deriva, ou se fundamentam na analítica junguiana. Jung, um
psiquiatra suíço, discípulo de Freud, para muitos o “príncipe herdeiro” buscou
na mitologia, na filogenética e ontogênese coletiva o entendimento desses que
se tornariam mais tarde conceitos. Partindo de estudos filológicos, mitológicos,
psicanalíticos, o psiquiatra suíço encontrou ‘estruturas’ psíquicas que iam
além do aspecto sexual demarcado por Freud. A tentativa de compreender esse
espaço, esse território explorado pelas artes divinatórias (astrologia, tarot,
I Ching), por loucos, filósofos, artistas, ajudaram a refletir a imagem de
arcabouços psíquicos inerentes a todos os humanos, pouco explorado e abordado
pela ciência oficial. Sendo que, a pouca exploração desses espaços acabam
resultando no apartamento do individuo com o cosmo, nas doenças mentais, nas
neuroses como diagnosticou Freud. Esse é um campo de muita pesquisa, de muita
literatura, com muita informação que grande parte dos psicólogos possui.
Alguns devem estar se
perguntando: ‘qual a importância disso na vida humana, concreta, palpável? O
que muda na vida de alguém apropriar-se desses conceitos e conscientizar dessas
experiências?”
E a resposta mais sincera
é: tudo e nada. A) Nada, porque caso não saiba da existência desses conceitos,
ou quaisquer outros de qualquer natureza, não muda o fato de que ele existe e
que a pessoa pode saber lidar com ele muito bem. Como Krishnamurti enfatizou
milhares de vezes: “a palavra não é a coisa.” Nós lidamos com essas coisas,
independente de sabermos ou não. B) Tudo, porque se formos capazes de
compreendermos o conceito, de observarmos em nós o fenômeno temos melhores
condições de lidar com a situação. Exemplificando- a força que atrai os corpos
em direção ao solo sempre existiu, mas é com Newton que a gravidade passa a
existir. E de posse do conceito de gravidade fomos capazes, enquanto
humanidade, de mudarmos nossa relação com o espaço, com a densidade, enfim,
revolucionamos o nosso fazer no mundo.
E aqui estamos diante de
um impasse. Epistemologicamente nós avançamos cada vez mais rápido e com mais
segurança. Não sabemos para qual direção avançamos e menos ainda o que esse
avanço representa, de todo modo, crescemos, expandimos no terreno intelectual,
na área da informação. Proporcionalmente, no quesito emocional não avançamos. Não
porque falta conhecimento é que o campo emocional é de fato encarado como sendo
de menor importância e relevância. Os psicólogos, os terapeutas estão aí e não
me deixam mentir. Parte do sofrimento humano é destratado, ignorado,
subestimado, negligenciado porque não confiamos que exista ferramentas
competentes para auxiliar e que esses ‘males’ são oriundos da mente/alma e não
do corpo. Nessa direção de desconfiança se aposta na psiquiatria, ou melhor, na
hipótese de que sendo o nosso corpo uma máquina, a psique não é nada diferente,
de tal forma que se pudermos ajudar a fisiologia corporal fabricar os hormônios
que lhes faltam, curaremos as doenças da mente, da alma. Nada mais lógico, mas
nada tão falso. Assim, o universo emocional continua inexplorado, já que a
natureza dele não é a mesma do corpo, pelo contrário até. O corpo como máquina
é uma relação possível, mas a alma/mente como máquina é uma comparação
equivocada que acirra a dor, o sofrimento.
A divisão entre corpo e
mente se acentua. O corpo fica por conta da medicina e a mente/alma por conta
das religiões. Os intermediários ficam sem um lugar, mais precisamente, ocupam
um lugar que recebe a desconfiança dos doutos de um lado, dos religiosos do
outro e o desconhecimento da população de forma geral. Afora esse lugar ingrato
ocupado entre psicólogos, terapeutas, filósofos clínicos e tantos outros há entre
nós a posição ora iconoclasta, de vanguarda que cai em rebeldes sem causa, ora
a visão proselitista de que fora da ‘nossa abordagem’ não há vida inteligente e
possibilidade de triunfo.
Mas, escrevo tudo isso,
porque eu gosto das pontes, das travessias, da união entre os mundos, da
complementaridade dos opostos. Gosto das combinações e do trabalho de mesclar,
unificar, tentar deixar claro aos opostos onde eles estabelecem intercessões. E,
agora estou na fase de buscar, pesquisar, explorar, estudar essa intercessão no
espaço psíquico. Primeiramente, busquei isso no espaço religioso, depois no filosófico,
em seguida no cientifico. A tudo isso resolvi denominar energético. Agora, há
cinco anos, mais ou menos, três com mais dileção, tenho acompanhado o espaço psíquico.
II
O espaço psíquico é
imenso, incomensurável. A cada movimento fico mais intrigado com o alcance desse
universo. Mas, como um explorador, eu gosto é de verificar as fronteiras, os
limites, precisar onde a savana se torna caatinga, onde o mar vira sertão, onde
o cerrado se translitera. Foi por essas vias que me dediquei, pesquisei e
estudei as fronteiras do espiritual. Passei uma boa parte da vida lendo,
freqüentando esse universo espiritual tendo na Filosofia a ponte que me permite
transitar entre esses universos, saber para onde apontam, conhecer os seus
limites, mesmo quando afirmam não ter.
Concomitante a essa
busca, sempre houve a das unificações e foi visitando o universo da Física que
me ficou claro que elas não são apenas possíveis como são elegantes, no sentido
matemático do termo. A história da Física, que tem sido o modelo de ciência e
cosmovisão é a história das unificações: Platão (o ser e o não ser); Newton (mundo
sub e supra lunar); Einstein (tempo e espaço); e agora a tentativa do campo
unificado ou teoria de Tudo. Nesse olhar, meu orientador, um físico, me ensinou
que o conhecimento se dá não meramente no acerto, mas na margem de erro. Quanto
mais precisa a margem de erro, mais proximal o conhecimento. A busca então é
pela margem de erro.
E dentro dessa margem de
erro a pergunta inicial é: onde o universo espiritual, externo aos sujeitos se
encontra com o universo psíquico, interno ao individuo? Na mesma linha e
direção, onde e em que ponto esse espaço psíquico é espaço mental, corpo
emocional? Essa tem sido a minha investigação, o meu olhar. Tentar compreender
como que a partir do que espiritistas e espiritualistas denominam ‘freqüência e
sintonia’ cada um de nós co-cria um universo envolta. E como que a partir dessa
freqüência vibracional somos capazes não apenas de alterar a fisiologia mental,
emocional do corpo, como também situações de nossas vidas (relação amorosa,
profissional e tantas outras), como também em muitos casos, positivamente, ou
não, a de outras pessoas.
De modo que esses
espaços, esses lugares tem irrompido diante de mim em alguns atendimentos. Foi
nisso que elaborei uma vivência denominada “ACOLHENDO O FEMININO”. A proposta
era lidarmos com o feminino, independente do sexo. Perceber como que esse
feminino esta negligenciado, excluído, sem lugar não apenas dentro da nossa
sociedade, como que dentro de nós mesmos também e principalmente.
Tudo corria bem, até que
Primavera me falou da ‘criança interior’ conceito que ignorava a procedência, a
finalidade, o sentido. Parei, observei, fui buscar. Na busca li sobre as
queixas de abandono, negligência a nossa criança interior. Era como se eu
estivesse lendo sobre o feminino. Até mesmo as imagens que reproduzem
mitologicamente, oniricamente um e outro se afinizam: o circulo, oroboro, a
androgenia. Ambos (feminino e criança interior) são vistos pelos especialistas
como o pote de ouro para uma dimensão mais integrada da nossa estrutura psíquica.
Tudo isso me levou a
pensar: qual é a distinção? Qual a diferença entre um conceito e outro? Haveria
de fato alguma? Estaríamos falando da mesma coisa utilizando nomes diferentes?
A criança interior é um
ente real. Fomos crianças. Vivenciamos e experimentamos a infância. Para muitos
é a melhor fase da vida. Temos assim essa criança real que fomos e a criança
que somos convidados a renunciar, a nãos ser mais. Todos nós somos chamados
para o crescimento e em nossa concepção crescer é matar a criança, deixar de
ser criança. Na maioria das pessoas a criança fica restrita ao fundo, do fundo,
do fundo do espaço psíquico. Não se dá a ela nenhum espaço, nenhum lugar, mesmo
quando a vida nos chama.
Mas, esse é também o
lugar do feminino na sociedade atual. E, se psiquicamente podemos falar de uma
bissexualidade, ou mais precisamente de um hermafroditismo que caminharia rumo
à androgenia, cadê o lugar do feminino em nossa estrutura psíquica?
Esse como tenho observado
mais atentamente é uma fenda, um vão, um espaço aberto, não preenchido. Falaremos
desse lugar, assim como da criança interior em post futuros, agora quero apenas
mencionar o fato desses dois conceitos estarem na literatura sobrepostos. Na estrutura
psíquica não. Eles denotam lugares diferentes, funções diferentes. A criança
interior é um reflexo da criança que fomos, das carências, angústias,
tristezas, represálias, alegrias, satisfações, prazeres, que encontramos
durante a infância. A questão dela e que trataremos adiante é que a infância nunca
acaba, nunca cessa, nunca finda, pelo menos não psiquicamente. O cessar da infância
psíquica é o surgimento do adulto, do adulterar, essa é a primeira ou talvez a
única traição. Já o feminino é um ente não tangível. Tudo em nossa sociedade
remete a negação do feminino, desde o estereótipo associado às mulheres até o
inefável, esse intangível relacionado ao imaginário. De forma que esse espaço fechado, escuro, esse
deposito de todas as negligências, que não vemos em nós, Jung denominou de
sombra. Ao que tudo indica a sombra é formada pela negação do feminino, da
criança interior e de tantos outros ‘objetos’ mentais, emocionais, instintivos
que carregamos em nós.
Finalizando, o ponto que
quero destacar com maior destaque é que há técnicas energéticas que colocam o
partilhante diante desses espaços, dessas carências, dessas lacunas. Nessa hora,
até onde consigo compreender o denominar, o conceituar pode ajudar; com isso,
quero dizer, que há uma parte do trabalho energético que necessita da fala, da
palavra, do conceito. Nessa direção acredito, que o trabalho de psicólogos, seriam
abreviados se eles fizessem uso de alguma dessas técnicas bioenergéticas. Pois,
elas vão aonde as palavras não chegam, onde o outro não verbaliza, onde às
vezes, ele não vê. A consciência desse espaço por parte de trabalhadores do
emocional ajudaria a clarear esses espaços taciturnos dentro da gente. Esses espaços
que para serem vistos, se mostrarem acabam irrompendo como ataque, ou como
denominou Jung- sombra. A sombra para se mostrar, se fazer visível, muitas
vezes, senão todas irrompe contra o próprio sujeito.
Para visualizarmos nossa
sombra, sabermos o que de fato ela projeta, precisamos casar a acolhida do
emocional à metodologia e ferramentas do mental. Esse é um belo trabalho, uma
linda jornada para todos aqueles que escolheram essas navegações. É isso que
temos realizando assim como muitas outras pessoas.
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