Se a 1ª posição: trepando
na goiabeira é da ordem de um universo infantil com dificuldades de lidar e
acessar o mundo. Essa 2ª posição é da ordem do machismo e do autoritarismo.
Essa posição aqui é da perversão. Não que ordens, comandos não sejam prazerosos,
gostosos, eficazes, eficientes, satisfatórios. É que nesse caso o prazer não
está na ordem e nem na submissão. O prazer está no abuso. A ereção acontece
pela fragilidade do outro. E diante dessa fragilidade, a necessidade da vítima
agiganta o moço em todos os corpos. É a fisiologia da perversidade que nasce do
autoritarismo. Ele é João de Deus.
O comando feche os olhos.
Concentre. Tenha fé. Faça uma oração silenciosa que continuaremos o seu
processo de cura é marcado pelo diabólico. Quando a moça abre os olhos, ela foi
abusada, mas ela se sente agradecida. Privilegiada, lisonjeada. Será mais
tarde, só mais tarde que isso vai virar revolta, vazio, dor, culpa, repulsa,
nojo. É quando ela desperta.
Claro que abusos sexuais
são mais grotescos. Mas, da perspectiva energética todo abuso é gosmento. Um
misto de lesma, com toque em caramujo com pressão de barata esmagada com os
dentes. Aquele caldinho escorrendo parte para dentro da boca e outra entre os
lábios. Todo abuso traz isso. E a característica dos abusos é o abuso da fé
alheia. A manipulação da confiança do outro para tirar e encontrar uma
satisfação estritamente pessoal. O abusador sabe que ele está tirando tudo do
outro. Ele sabe que nada do que faça poderá restituir aquilo que ele retirou,
mas talvez, justamente essa descompensação seja o prazer.
As vezes há enganos e são
genuínos. Não há manipulação. A pessoa caiu no buraco junto com quem o seguia.
Isso tem razoabilidade. O duro é a moça pagar para ser fertilizada pelo marido
e acabar sendo dopada e estuprada por um médico. O insano é o fiel tirar o
dinheiro do aluguel da família para ofertar para igreja e o pastor usar aquele
dinheiro com sexo, orgia, em hotel cinco estrelas. O inacreditável é o cara
bolinar novinhas aspirantes de cura e saber que ele está as violando em todos
os sentidos, em todos os corpos, em todos os níveis. O inaceitável é julgarmos
João de Deus por uma prática que alimentamos todas as vezes que divinizamos um
ser humano dessa forma.
As semelhanças entre João e
Abdelmassih diz respeito a capacidade de desafiar a natureza, a vida, Deus. Um
conseguia fazer inférteis gerar até gêmeos, o outro conseguia curar doentes
terminais e desenganados pela medicina. Ambos eram vistos como a última
fronteira, ambos habitavam um espaço mental que não é mais da psique humana.
Poderia se valer dos semideuses. É mais ou menos isso que faz a 3ª pessoa do
Edson Arantes ao falar do Pelé. É ele, mas é outro e é esse outro que permite
ambos serem. Quando isso funde o humano pira, dança, enlouquece, ensoberbece,
se envaidece; acredita que é mesmo imortal. Um deus. João e Abdelmassih tinham
certeza de que eram e por que um deus não pode tocar uma mortal? Como que uma
mortal não se sentiria agradecida e curada/fertilizada com o toque/penetração
deles?
Saindo do âmbito do
estupro, do abuso, da violência que não carece de nenhuma elucubração a não ser
a punição dos responsáveis, quero entrar nessa fábrica de idolatria. Porque é
nela que alimentamos e servimos de alimento a esses predadores sexuais. É a
nossa negativa enquanto sociedade de nos melhorarmos, de nos aperfeiçoarmos, de
encontrarmos o nosso lugar que constrói essas monstruosidades. Elas são geradas
dentro de um sistema energético abusivo, repulsivo não importa que ele seja de
cura, que ele seja terapêutico, que ele seja econômico. Ele se constrói na
perspectiva de que necessitamos ser adorados. Os fiéis atuais perdem muito
tempo contra os ateus. São raros os ataques aos ateus no livro sagrado cristão.
Perdem muito tempo atacando terreiros de matrizes afro, numa interpretação
caduca e equivocada do combate a outras religiões. De modo geral esquecem da
idolatria que sempre foi combatida. E a idolatria não diz respeito a cultuar
outros deuses, deuses diferentes e sim a fazer imagens, representações do
divino e as materializar, por exemplo endeusando pessoas.
No que se refere a nossa
aparelhagem psíquica, todos nós temos asas de cera que não podem nem ficar
próximas demais do mar, nem arroubar a desafiar o sol. Icaro nos ensinou isso
em seu voo. Aprendemos pouco e a Hybris cobra o seu preço, ela nunca renuncia ao
seu tributo. Assim, assusta o fato de criarmos essas condições. A idolatria, a
adoração. A crença de que haja seres além do humano alimenta a devassidão, as
sombras desse mesmo humano. Não faz bem para ninguém ser idolatrado. Afinal,
como alguém pode lidar com essa energia? Como que um ser humano que acha que
curou o outro de uma doença terminal comporta-se diante da vida? Esse ser passa
a acreditar que é deus. Que é capaz de tudo. Mais um pouco, ele ganha a
convicção intima de que todo o universo lhe deve favor, lhe deve obrigação. O
ego não cabe dentro da calça, nem dentro da mente. Nem dentro de qualquer
lugar. A Hybris vai pedir o seu tributo.
O caso de João de Deus é
mais um de muitos que continuam a acontecer e permanecerão por mais tempo,
porque não compreendemos as dimensões do amor. Porque diante da energia amorosa
a restringimos a um uso genital. Poucos sabem amar sem levar essa energia para
o lado genital. E diante dessa pobreza, o abuso acaba virando moeda de troca. E
o preço dessa troca é que o predador se alimenta proporcionalmente a
subjugação que promove e realiza. É um mecanismo doentio, que reflete nosso trato
com o espiritual, com o divino. Quem ora sem estar passando por dores? Quem chega a Deus,
Oxalá, Buda, Krishina sem sofrimento? Quem vai a igreja, ao centro e não pede e
espera que essa força divina faça algo na vida deles? E quantos que depois de
receberem essa graça retornam a sua vida deixando Deus de lado de novo? De modo geral, com raríssimas exceções é como nos relacionamos. É recente o uso da gratidão como moeda de troca. O simples agradecer sem esperar nada em troca, sem desejar nada, apenas agradecer.
A forma com que lidamos é
um tipo de abuso. Não que Jesus, Buda, Krishna precisem de nós para eles serem
quem são. Mas, se o humano não encontrar em si essa conexão com o divino, nós
não somos em nossa inteireza e integralidade. Nessa falta somos vazio
preenchido por uma idolatria estéril, pervertida. Adoramos ídolos de carne e
osso que obviamente irão nos decepcionar, porque o vazio é nosso. É seu. É meu.
E o preenchimento precisa ser seu, meu, nosso para não deixarmos que um ser
humano fique nesse papel e nesse lugar de ídolo. As vezes nós o ocupamos, mas
quando isso acontece e ocorre é preciso termos claro a construção de uma
terceira pessoa. O Edson do Pelé ou o Pele do Edson. Um não é o outro. Um fala
do outro, com o outro, mas são distintos e esta distinção preserva a
aparelhagem psíquica de ambos. Maradona é só um e queimou. Garrincha era só um
e embriagou. Não é atoa que cada vez mais famosos surtam, adoecem e são
esquecidos, relegados, trocados por seres desejantes desse lugar. Enquanto isso
a máquina idolatra não para. “O dinheiro nunca dorme.”
Para muitos ser
espiritualizado é estar fora da carne, do mundo. Numa posição de elevação na
qual tomar bebidas alcoólicas, transar, falar palavrão é impureza. Lidamos mal
com a sexualidade. Genitalizamos tudo, todos os contatos. Incompreendemos a
energia de cura. Uma energia que é altamente sexual. O que não significa que
ela seja genital, mas ela é sexual. É atrativa, magnética, sedutora. Pode ser
utilizada para reestabelecer harmonia celular, ou para fins de manipulação de terceiros.
Terceira Posição: ménage à trois
Nenhum comentário:
Postar um comentário