sábado, 27 de outubro de 2012

"DEUS SE EQUIVOCOU"




A frase é lapidar. O autor dela é nada mais e nada menos do que o mais recente e popular falso profeta do momento- Luís Pereira do Piauí. A frase explicita de forma muito clara o que é o radicalismo religioso, a fé cega e os seus perigos.

A frase esboça o desequilíbrio, o desrespeito, o descompromisso dele para com o que pregava, falava, dizia, fazia. A isenção que ele se deu de toda e total responsabilidade pelos desatinos cometidos é similar a realizada pelos banalizadores do mal. Por estes quero entender mais diretamente aqueles que como os nazistas em tribunal alegavam solenemente: “estava cumprindo ordens!!” 

O profeta do sertão banaliza sua crença, suas convicções ao alegar que Deus se equivocou. E não estou fazendo nenhuma defesa de Deus, pessoas sérias sabem que de quando em vez, ele se equivoca, ou melhor, escreve certo por linhas completamente tortas (pelo menos aos nossos olhos). Não é sem razão que muitos comparam o reino dos céus a um êxtase regado a vinho e dizem que o reino dos céus é para as crianças. Pode parecer contradição, mas é continuidade; ou melhor, é um ziguezague no qual muitos não acompanham. A alegria, a ingenuidade, a proteção que os céus   dão aos bêbados e as crianças, justamente, por estarem com a consciência em outro lugar, depositada na certeza de que algo as projete e as ampara, mesmo que elas não saibam, não peçam proteção e amparo.

Mas, no caso do profeta, ele não esta dialogando com a brejeirice do menino Jesus, tão pouco esta mirando o voo ébrio do espírito santo, o profeta esta imbuído da fúria do Deus do Velho Testamento. Mais do que risadas, ele apregoa o ranger de dentes. Mais do que a graça, ele apregoa a condenação eterna. Mais do que o amor incondicional, ele prega o proselitismo. O falso profeta é igual a tantos outros cuja única diferença é: não dizer que é maior que Deus, e nem marcar data e hora para o fim dos tempos. Fora isso os encontramos nos púlpitos de milhares de seitas, igrejas, templos, terreiros, salões, casas. A única diferença é que o declarado e laureado falso profeta anunciou dia e hora para o fim do mundo e ousou dar voz àquilo que deveras sente: ser maior e mais certo que Deus. A arrogância deles sabe disso, mas a esperteza jamais vai permitir dizê-lo. Nunca dirão o que realmente pensam, a não ser quando entre eles.

Em outras, não é Deus que se equivoca e sim a certeza do profeta. Junto a certeza do falso profeta equivoca-se os bons e os justos que aguardam com ira e impotência a solução dos seus problemas reais e concretos. São eles que aguardam que Jesus venha salvá-los, mas não sem antes rir, zombar, tripudiar, indo de casa em casa dos inimigos dos eleitos lhes cuspindo na cara. Mais do que avivamento, ressurreição, graça, libertação, salvamento, eles desejam vingança. É isso que é para eles difícil de assumir. Estão ligados pelo ódio, pela fúria, pela raiva. Eles querem que o mundo acabe, termine, mate a todos, destrua tudo. Um mundo que sobre apenas eles. Mas, e quando eles sobrarem? O que eles farão? O que serão? Juro, que prefiro o lado entre os mortos do que junto aos salvos, aos proselitistas. Deus me livre dos bons, creio que era essa oração que Zaratustra fazia na montanha.

E em certa medida é isso que os falsos profetas oferecem- vingança. Viram Avenida Brasil? Não foi isso que arrebatou a massa? A menina sofrida se vingar da madrasta cruel? Não é isso que todos os falsos profetas oferecem- poder rir no final daqueles que não creram? Vingar-se daqueles que não acreditam? Esses que seguiram o falso profeta não reelegeram um dos anões do orçamento? E alguém duvida que se fossemos de novo para praça e tivéssemos que escolher entre Jesus e Lampião, não faríamos deste, um nosso novo Barrabas?

Mas, a moral da história é que tudo seria cômico não fosse trágico. E a tragédia aos meus olhos é a nossa ingenuidade, a nossa confiança e crença numa redenção fácil alcançada com dia e horário marcado. A tragédia é tomarmos vinho e ao invés do êxtase termos apenas o porre. Sermos infantis enquanto acredita-se que esta sendo criança. Tal diferente é uma coisa da outra. A criança é sempre pura, sem mascara. A criança é um estado de ser e não uma faixa etária. E é um equivoco acreditar que crianças confiam em qualquer um. Sendo que, de igual sorte, há uma diferença entre o êxtase sagrado e a embriagues, embora aparentemente, ambos, remetam a celebração.  

Em suma, os falsos profetas são os aliados mais preciosos para que o mal floresça e prospere, porque ao invés deles ensinarem o amor, eles ensinam o medo, a fúria e o rancor. Pena e tristeza de quem os segue.





sexta-feira, 19 de outubro de 2012

BASTA UM NÃO QUERER.





À uma amiga  
No facebok corre um post, entre as mulheres apaixonadas, que mostra duas pessoas e uma mesma gominha esticada no dedo de ambos, com os seguintes dizeres que podem ler ao lado. A imagem, assim como a frase é ilustrativa para o que desejamos escrever, porque retoma a singeleza do amor no seu aspecto mais lúdico, infantil, espontâneo, terno.

Extrapolando a imagem, insinuo que a brincadeira retoma uma parte da infância, que será primordial para o restante da vida- a confiança. Não há relação que se construa sem confiança. E não importa a idade que temos, todas as vezes que alguém trai a nossa confiança, alguma coisa em nós retoma a fragilidade infantil, a ingenuidade. Lidar com essa fragilidade não é fácil em nenhuma época, em nenhum momento da vida, seja ela adulta, juvenil, sênior.

Assim, na brincadeira de gominnha (e creio que todos nós brincamos) mesmo quando a usávamos para acertar o outro, ali se estabelecia uma relação de troca. Nessa direção chego ao ditado popular que diz: “se um não quer dois não brigam.” Pura verdade! Mas o que tenho observado na clínica é que: se um não quer, dois não se amam, não ficam juntos, não se relacionam. 

E isso é a parte dolorosa das relações, sejam amorosas, ou não, é que basta apenas um dos parceiros não querer mais para que tudo acabe, se finde, termine.  Lidar com essa fragilidade não é fácil. É de fato complexo. Uma das grandes tensões da relação consiste nesse voto de confiança tácito e mutuo: não largue a corda. E quando alguém larga, isso é frustrante demais.

A frustração é a de que simplesmente não temos controle sobre a vida do outro, os sentimentos, pensamentos e emoções dos outros. Mais igualmente frustrante é saber que mesmo amando, gostando, o outro já não sente mais o mesmo e não há nada a ser feito a não ser aceitar o término. Mas como se aceita isso? Como se aceita que a qualquer momento, no ápice da brincadeira, o parceiro (a) pode desistir, dizer que não quer mais, que cansou? Essa sensação de impotência dilacera a alma, corroi as entranhas, amargura a vida. A pessoa olha para todos os lados em busca de uma explicação, por que eu?

Novamente, a clínica tem me mostrado que ninguém aceita Altas no amor. Um pedido tão natural e tolerável nas brincadeiras da infância. Quando no amor, ela se faz inaceitável. Em nossa concepção o outro não tem direito a rendição. O outro está fadado ao compromisso eterno até que a morte os separe. Não quero entrar nessas divagações. Nessas que tentam mostrar o outro lado, isto é, o direito que todo ser humano tem e deve ter e infelizmente até fazer uso, de desistir, largar, soltar, não querer mais. Mas, quero retornar na dor do não, a negativa amorosa.

Afinal, como sobreviver depois dessa recusa? Como não olhar para dentro de si mesmo e tentar encontrar onde errou? Como não sentir-se culpado (a)? Como não se condenar pela perda de tensão e interesse do outro e ao mesmo tempo não amaldiçoá-lo por ter desistido?

Muitas partilhantes chegam até mim procurando essas respostas. Elas chegam trazendo uma fenda n’alma.  De modo que muito mais do que uma resposta para essa cicatriz, elas querem um remédio que atenue a dor: ora da falta, ora do orgulho, ora da vaidade, ora da rejeição, ora do amor mesmo.  

E a tristeza é que não há receita, não se tem remédio pronto, não se tem uma dosagem predeterminada e pré-estabelecida. Mesmo porque a dor advêm de uma fenda que é anterior a relação. E essa fenda quer ser vista, percebida, notada que há uma dor e para remediá-la tem que olhá-la nos olhos.

A única dica que atrevo a passar é que nesse momento de fragilidade não aceite respostas fáceis, respostas prontas. Não aceite nada menos do que a verdade por mais que ela machuque e maltrate. Trabalhos não trazem a pessoa amada e por amor a si mesma, a vida, ao outro, ao amor, nada é menos amoroso do que o amor obrigado, sem vontade. Então não aceite essa resposta pronta e mal acabada. Tão pouco se sujeite as caricias fáceis, daqueles que esperam sua fragilidade para ter aquilo que nunca deu quando estava centrada.

Sugiro que procure uma amiga (o) que te escute. Que esta amiga não fale nada, não diga nada, apenas fique ao seu lado. Ora passando a mão nos seus cabelos. Ora, tomando um porre juntos. Ora falando mal de todos homens, amaldiçoando a todos. Até que um vento silencioso e misterioso traga a certeza de que não ira morrer pela falta dele (a). Até que o coração esteja aberto para receber uma flechada misteriosa que vai lhe fazer pegar outra gominha e começar uma outra relação.

No mais, minha amiga, me parece que tudo é muito fácil e muito falso.
Bjs para vc!!!



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

PIMENTEL NO PARTIDO DOS OUTROS



Há um ditado popular que diz que pimenta nos olhos dos outros é refresco. Adapto essa frase para pensar e analisar a figura do senhor Fernando Pimentel. 

Para muitos um grande articulador, um excelente prefeito. Para mim um ser deslocado, equivocado, não apenas por suas ações de dois, quatro anos atrás, mas por suas ações ao longo de sua atuação como prefeito de Bh. Ainda não sai das minhas retinas e nem de minhas lembranças que foi ele que expulsou os camelos do centro, assim como foi ele também o responsável por transformar a Avenida Afonso Pena em campo de batalha entre policiais e perueiros. Em suma, imputo a este senhor a impessoalidade da prefeitura, dessa gestão que se preocupa em ser avaliada por mecanismos nacionais e internacionais de metodologias escusas, que acabam redundando em rankings que seriam cômicos se não fossem o que são- trágicos. Afinal, como alguém sério pode dizer que ele e Lacerda estão entre os melhores prefeitos do país? Que nossa bela e amada capital encontra-se entre as melhores do mundo? Diante desses dados somos obrigados a pensar ao inverso de Poliana e nos perguntar- se for verdade, imagine os outros prefeitos e as outras cidades!!!! Trágico.  

Aos meus olhos, poucas vezes a prefeitura, o prefeito estiveram tão longe do povo quanto nesses últimos oito anos. Nem vou trazer a lembrança de prefeitos que despachavam junto ao povo, nem dos que caminhavam junto a eles. Vou apenas lembrar que Célio de Castro e o próprio Patrus eram anônimos. Não eram vistos em jornais, revistas, em rankings. Por vezes eram até ignorados como sendo prefeitos da cidade, mas governavam a cidade para essa gente que os desconhecia.

As gestões atuais esvaziaram esse contato humano, solidário, gentil. É um contato mais frio, burocrático  impessoal no pior sentido do termo. As imagens de Lacerda e Délio sambando é triste como furar olho de animal. Aquela cena representa o esforço por tentar ser popular, por tentar ser do povo, por tentar estar junto a ele, mas mesmo assim, tudo é falso. Nada é real. O povo mesmo, eles não conhecem, não conseguem se aproximar, mesmo quando desejam. 
Eles fazem, eles realizam, mas parece que tudo é feito com um certo nojo, com um certo distanciamento, com uma frieza singular. De modo que mais do que um distanciamento, o que sinto, sentia tanto em Pimentel quanto em Lacerda era e é uma elitização. 

Elitização que culmina no governo de Lacerda. O prefeito que cerca praça pública, que vende rua para amigos hoteleiros. Lacerda é a frieza e o distanciamento haja vista que seus padrinhos políticos são Aécio Neves e Pimentel. Cronistas esportivos para ironizar alguns cartolas, afirmam que em estádio de futebol precisam apresentá-los a bola. Lacerda numa analogia similar precisa ser apresentado ao povo. Ele só conhece isso enquanto dados estatísticos e conceito sociológico. 

E é neste ponto que quero voltar a analisar a figura de Pimentel. Não que o que eu tenha dito sobre Lacerda não se aplique a ele, a Anastasia e a Aécio. São todos tecnocratas sem traquejo para o que a política representa- proporcionar a felicidade aos cidadãos. O político busca dar felicidade ao seu povo. O tecnocrata vê qual é o valor dessa utopia. É outra forma de pensar a política, de pensar a cidade, de se fazer e de ser humano. Mas, o ponto que unifica tecnocratas e políticos é a ambição. 

 Não há político sem ambição, mas é na ambição política que se revela o ser político de cada um.  No frigir dos ovos, quem é Pimentel? O que Pimentel já fez ou tinha feito oito anos atrás? Quatro anos atrás para achar que poderia ombrear com Patrus? Em qualquer coisa, em qualquer ranking, ou escala, Pimentel encontra-se atrás de Patrus, menos em um: na ambição. 
Patrus era deputado federal mais votado de Minas, era ministro, criador da bolsa família. Digo sempre, Patrus era o nome do próximo candidato a presidente da Republica. Já Pimentel era um tempero de Minas. Bem dosado dava sabor a política mineira, nada mais do que isso. Mas falávamos da ambição. A ambição de Patrus é a de servir ao partido e as bases, quando o PT tinha isso. O PT mudou é outro. 

A ambição de Pimentel é incomensurável. Ela não se ocupa apenas em ser, mas em impedir que os outros sejam. Foi num cenário similar a este que ao invés de passar a prefeitura a um sucessor natural, Pimentel sentou-se com o seu adversário político, não apenas municipal, estadual, mas nacional. E juntos apoiaram um desconhecido em detrimento de todo um partido. Num cenário constrangedor para toda coligação no Brasil.

Ali, de forma simples, Pimentel deveria ter sido convidado a se filiar-se ao PSDB. Mas, pelo contrário, o diretório estadual se posicionou favorável e achou uma ação incrível. Anos depois, na sucessão estadual, a oposição tomou uma surra de Aécio ao eleger um desconhecido para governador de Minas e pela primeira vez desconfiaram de Pimentel. Agora, já não se tem mais dúvidas. Pimentel no partido dos outros é refresco. Ele deve respostas a todos. Não pode se calar, ou escolher as quais perguntas deseja responder.  

Torço para que Patrus não preste mais ao papel de conciliar e consertar aquilo que não estragou. Torço para que ele se veja pelos olhos que lhe concebemos- uma das maiores figura pública de Minas. Pela sua humildade, pela sua valentia, mas, sobretudo por sua humanidade. Patrus é um político, dos poucos que restam que ainda pensa a felicidade como sendo um fazer político e uma ocupação do estadista. Não pode se submeter à ambição desvairada desses que tem como meta e desejo apenas a realização dos caprichos e vontades. 

Finalizo com uma pergunta que Minas, Bh espera a resposta. A pergunta foi feita por uma repórter na coletiva dada por Patrus. Leiam parte, abaixo: 

"O ministro Fernando Pimentel chegou ao evento atrasado, quando Patrus já havia começado o discurso. Ao final, Pimentel minimizou a hipótese de que ficaria marcado dentro do partido por ter sido um dos articuladores, juntamente com Aécio Neves, da aliança que levou Marcio Lacerda ao poder, em 2008, retirando o PT de 16 anos de comando da prefeitura da capital mineira.
“Se você não entendeu nada, eu não vou responder essa pergunta. Isso é a unidade do nosso partido, simbolizada aqui hoje”, disse o ministro ao repórter que lhe fez a pergunta."


Pode até ser, mas ainda aguardamos uma resposta menos covarde e mais honrosa, quiçá verdadeira, isto é, que diga: "foi por ambição. Pura ambição. Por que não ouvi Salomão- vaidade, vaidade, tudo é vaidade". 

É!!!! Pimentel na campanha dos outros é refresco.









domingo, 7 de outubro de 2012

Jugular da Existência


Muitas coisas aprendi no ano que passou (2005). A primordial foi sobre a linguagem. Nós de forma normal a tememos. Nós temos o dom de falarmos somente as coisas desnecessárias. Tememos as verdades, não que ela exista, mas tememos dizer as únicas coisas que precisam ser ditas, que devem ser ditas.

Este ano (2006), eu assassinei a poesia. Pelo menos a poesia que tropeça nas nuvens, que busca coisas além do ato e do fato que esta posto e dado. Chamei esta fase de jugular da existência.

A vi no Discovery: um leopardo, lindo, maravilhoso correndo em direção a sua presa. Na primeira tentativa ele derrapou, pois a presa mudou de direção no momento do bote; na segunda não teve como, ele a atingiu diretamente no pescoço. A cena era eletrizante. Era a busca pela vida, pela sobrevivência. Logo eu que sempre achei Darwin equivocado, sempre preferi Bakunin na sua exposição acerca da evolução humana, fiquei maravilhado com a cena. Ela lembra Quincas Borba que inicia toda uma filosofia ao ver dois cães brigando por um osso. Fiquei assim diante da cena. O leopardo carregando a presa entre os lábios não como troféu e sim como a vida. Ele tinha lutando, buscado e devorado a vida e comia cada parte com tamanha voracidade que ele estava orando. Aquilo era a oração do leopardo. A devoção da selva. Tinha uma beleza que transcendia toda a selva e toda a civilização. Foi lindo como um milagre do pastor da Igreja Universal. Ou qualquer milagre que vejam.

Estava ali. Um acontecimento sem metafísica nenhuma. Sem razão nenhuma, mas com todos os motivos e propósitos. Estava a vida e a necessidade de segurar a vida com a boca, entre os lábios para que ela não escorra, não falte, não perca o sentido. Eu quis a partir daquele momento a jugular da existência. A sua carótida. O local no qual ela passa e jorra sangue como mel e o seu sangue imola o justo, vaticina o prodigo e acaricia o devotado. Tudo em um mesmo altar e em um mesmo ritual: a vida sem mistificação. Ela mesma, sem símbolos, mascaras, devaneios ou explicações transcendentais.

Assim, essa imagem não me sai da cabeça. Um leopardo correndo pela savana em busca de sua presa, ao encontrá-la dispara. A presa corre também, ela quer viver, quer continuar viva. Sua vida é uma porcaria, mas ela não quer morrer. O leopardo a ameaça e ela têm como única defesa a possibilidade de correr e se esconder. É lindo! É o pega - esconde da selva, mas o leopardo abocanha sua presa e da sua boca escorre o sangue da vitória.

Penso na vida e no viver. Cada ser vivo deveria ter uma presa para sentir o sangue dela escorrendo por entre a sua boca. Ficamos civilizados e as paixões nos suscitam medo. Queremos a  vida, mas só em parte e não inteiramente. Separamos a vida como quem em restaurante francês come mais por pose do que por fome. Falta-nos fome para devorarmos a existência. Buscar nela a sua jugular e provar do seu sabor.

A vida é curta, fisicamente analisando. De forma geral passamos por ela sem dizermos as coisas mais essenciais, necessárias, precisas. Deixamos escorrer da vida o mel que poderia nos transformar e modificar os outros.
Penso em casais, penso em amigos, penso em família, penso em todos: a linguagem entre nós é a arte do disfarce. Falamos para não ser. Nossa comunicação é o veículo da frivolidade. Não falamos as coisas essenciais, não educamos ninguém em nenhum lugar para as questões chaves da existência: amas? Sabes que irá morrer? Viver para nós é alisar estas questões sem deixá-las irem para o centro. Todos que vão ao centro e ao cerne vão sendo convidados a fazerem silêncio ou a serem internados.

E este é o barato. A linguagem universal é o silêncio. O som primordial é o silêncio. A fórmula mais elegante é o silêncio. Mas a possibilidade de comunicação é a linguagem. Dai todos, a principio, deveriam ter o mesmo valor. A poesia é tão matemática quanto à física. E esta é tão musical quanto à dança. E todas são metáforas da existência que poucos lêem.

Eu mesmo não leio. Às vezes a partitura da vida me cansa, mas eu estou ficando ao avesso. Não há um segundo da vida, um momento da vida que não seja belo, não seja poético, não seja metafórico. Mas ler isto te retira da condição humana. Para mim qualquer um que sabe um pouco mais da poesia da existência esta perdendo sua condição humana. Melhor é saber sem falar. Melhor é aprender esta linguagem e conversar com os seres e viver em estado de graça. A palavra é a desgraça. Assim o avo da Elo conhece a linguagem da lua. Outros a do mato, do cerrado e estas coisas falam mais diretamente que todo vernáculo criado e construído. A linguagem entre os homens é o mais artificial da nossa civilização. Mas é o que nos possibilita desentender completamente o outro e nos apaixonarmos por ele.

Quero transformar o vazio em algo. Quero apontar o dedo para o silêncio e levar as pessoas ouvirem a musica que Kepler escutava. As pessoas querem a poesia da vida, mas vivem com pinça na mão. Selecionando e dissecando o que querem viver, escolhendo com nojo e comendo com a delicadeza de quem se alimenta mais por esnobismo do que por fome.

E esta é a jugular da existência. Quero despertar a fome. A compreensão de que não é a sua boca que come, é o seu ser que devora o alimento e é triturado por ele. Como se a cada dentada que desce estivesse sendo devorado pelo próprio alimento que come. Assim, come-se com gana para não ser devorado primeiro. Quero que as pessoas vejam na rosa uma rosa, nada mais. Apenas uma rosa. E não há mais poesia na rosa do que nas vestes penduradas no varal. (Cecília Meireles escreve uma poesia sobre roupas estendidas no varal) e entre nós mineiros a poesia mais bela deste mesmo cenário foi cunhada pelo Roberto Drummond que disse que "se houver uma camisa preto e branca estendida no varal a torcida do galo torce contra o vento". Acerca dessa antropofagia, só compreendi o cristianismo com um preto-velho. Era no ano de 99. Ele falava que o lobo ao devorar a ovelha ficava menos lobo e mais ovelha. Esta se entranhava nele. Quando comemos estamos sendo comidos. Vale a alegação de que este é um paradigma antigo e superado, não irei discordar pelo contrario. Podem dizer mais que as leis da selva não se aplicam entre nós seres civilizados, vou compreender. Mas, dê uma dentada na jugular da existência para o sangue escorrer por entre os seus dentes e os bons sentirem temor de você porque você agora quer comer sem usar faca e garfo. É delicioso. Começar a perceber que a poesia esta na vida inteira, inteirinha, inteiramente, completa, independente de... A poesia nasce quando deixamos de separar o que esta no prato e saboreamos a tudo com a mesma intensidade. È certo dizer que há poesia também na seleção e na dissecação do que será vivido, melhor - comido; mas ai você não compreendeu a poesia da existência. Você vai ficar cheirando rosas e comprando chocolate para ser romântico. A vida tem uma indelicadeza, uma asperidade que será encontrada em capricórnio.