Muitas coisas aprendi no ano que passou (2005). A primordial foi sobre a linguagem. Nós de forma normal a tememos. Nós temos o dom de falarmos somente as coisas desnecessárias. Tememos as verdades, não que ela exista, mas tememos dizer as únicas coisas que precisam ser ditas, que devem ser ditas.
Este
ano (2006), eu assassinei a poesia. Pelo menos a poesia que tropeça nas nuvens,
que busca coisas além do ato e do fato que esta posto e dado. Chamei esta fase
de jugular da existência.
A
vi no Discovery: um leopardo, lindo, maravilhoso correndo em direção a sua
presa. Na primeira tentativa ele derrapou, pois a presa mudou de direção no
momento do bote; na segunda não teve como, ele a atingiu diretamente no
pescoço. A cena era eletrizante. Era a busca pela vida, pela sobrevivência. Logo
eu que sempre achei Darwin equivocado, sempre preferi Bakunin na sua exposição
acerca da evolução humana, fiquei maravilhado com a cena. Ela lembra Quincas
Borba que inicia toda uma filosofia ao ver dois cães brigando por um osso.
Fiquei assim diante da cena. O leopardo carregando a presa entre os lábios não
como troféu e sim como a vida. Ele tinha lutando, buscado e devorado a vida e
comia cada parte com tamanha voracidade que ele estava orando. Aquilo era a
oração do leopardo. A devoção da selva. Tinha uma beleza que transcendia toda a
selva e toda a civilização. Foi lindo como um milagre do pastor da Igreja
Universal. Ou qualquer milagre que vejam.
Estava
ali. Um acontecimento sem metafísica nenhuma. Sem razão nenhuma, mas com todos
os motivos e propósitos. Estava a vida e a necessidade de segurar a vida com a
boca, entre os lábios para que ela não escorra, não falte, não perca o sentido.
Eu quis a partir daquele momento a jugular da existência. A sua carótida. O
local no qual ela passa e jorra sangue como mel e o seu sangue imola o justo,
vaticina o prodigo e acaricia o devotado. Tudo em um mesmo altar e em um mesmo
ritual: a vida sem mistificação. Ela mesma, sem símbolos, mascaras, devaneios
ou explicações transcendentais.
Assim,
essa imagem não me sai da cabeça. Um leopardo correndo pela savana em busca de
sua presa, ao encontrá-la dispara. A presa corre também, ela quer viver, quer
continuar viva. Sua vida é uma porcaria, mas ela não quer morrer. O leopardo a
ameaça e ela têm como única defesa a possibilidade de correr e se esconder. É
lindo! É o pega - esconde da selva, mas o leopardo abocanha sua presa e da sua
boca escorre o sangue da vitória.
Penso
na vida e no viver. Cada ser vivo deveria ter uma presa para sentir o sangue
dela escorrendo por entre a sua boca. Ficamos civilizados e as paixões nos
suscitam medo. Queremos a vida, mas só em parte e não inteiramente.
Separamos a vida como quem em restaurante francês come mais por pose do que por
fome. Falta-nos fome para devorarmos a existência. Buscar nela a sua jugular e
provar do seu sabor.
A
vida é curta, fisicamente analisando. De forma geral passamos por ela sem
dizermos as coisas mais essenciais, necessárias, precisas. Deixamos escorrer da
vida o mel que poderia nos transformar e modificar os outros.
Penso
em casais, penso em amigos, penso em família, penso em todos: a linguagem entre
nós é a arte do disfarce. Falamos para não ser. Nossa comunicação é o veículo
da frivolidade. Não falamos as coisas essenciais, não educamos ninguém em
nenhum lugar para as questões chaves da existência: amas? Sabes que irá morrer?
Viver para nós é alisar estas questões sem deixá-las irem para o centro. Todos
que vão ao centro e ao cerne vão sendo convidados a fazerem silêncio ou a serem
internados.
E
este é o barato. A linguagem universal é o silêncio. O som primordial é o silêncio.
A fórmula mais elegante é o silêncio. Mas a possibilidade de comunicação é
a linguagem. Dai todos, a principio, deveriam ter o mesmo valor. A poesia é tão
matemática quanto à física. E esta é tão musical quanto à dança. E todas são metáforas
da existência que poucos lêem.
Eu
mesmo não leio. Às vezes a partitura da vida me cansa, mas eu estou ficando ao
avesso. Não há um segundo da vida, um momento da vida que não seja belo, não
seja poético, não seja metafórico. Mas ler isto te retira da condição humana.
Para mim qualquer um que sabe um pouco mais da poesia da existência esta
perdendo sua condição humana. Melhor é saber sem falar. Melhor é aprender esta
linguagem e conversar com os seres e viver em estado de graça. A palavra é a
desgraça. Assim o avo da Elo conhece a linguagem da lua. Outros a do mato, do
cerrado e estas coisas falam mais diretamente que todo vernáculo criado e construído.
A linguagem entre os homens é o mais artificial da nossa civilização. Mas é o
que nos possibilita desentender completamente o outro e nos apaixonarmos por
ele.
Quero
transformar o vazio em algo. Quero apontar o dedo para o silêncio e levar as
pessoas ouvirem a musica que Kepler escutava. As pessoas querem a poesia da
vida, mas vivem com pinça na mão. Selecionando e dissecando o que querem viver,
escolhendo com nojo e comendo com a delicadeza de quem se alimenta
mais por esnobismo do que por fome.
E
esta é a jugular da existência. Quero despertar a fome. A compreensão de
que não é a sua boca que come, é o seu ser que devora o alimento e é triturado
por ele. Como se a cada dentada que desce estivesse sendo devorado pelo próprio
alimento que come. Assim, come-se com gana para não ser devorado primeiro.
Quero que as pessoas vejam na rosa uma rosa, nada mais. Apenas uma rosa. E
não há mais poesia na rosa do que nas vestes penduradas no varal. (Cecília
Meireles escreve uma poesia sobre roupas estendidas no varal) e entre nós
mineiros a poesia mais bela deste mesmo cenário foi cunhada pelo Roberto
Drummond que disse que "se houver uma camisa preto e branca estendida
no varal a torcida do galo torce contra o vento". Acerca dessa
antropofagia, só compreendi o cristianismo com um preto-velho. Era no ano de
99. Ele falava que o lobo ao devorar a ovelha ficava menos lobo e mais ovelha.
Esta se entranhava nele. Quando comemos estamos sendo comidos. Vale a alegação
de que este é um paradigma antigo e superado, não irei discordar pelo
contrario. Podem dizer mais que as leis da selva não se aplicam entre nós seres
civilizados, vou compreender. Mas, dê uma dentada na jugular da existência para
o sangue escorrer por entre os seus dentes e os bons sentirem temor de você porque
você agora quer comer sem usar faca e garfo. É delicioso. Começar a perceber
que a poesia esta na vida inteira, inteirinha, inteiramente, completa,
independente de... A poesia nasce quando deixamos de separar o que esta no
prato e saboreamos a tudo com a mesma intensidade. È certo dizer que há poesia também
na seleção e na dissecação do que será vivido, melhor - comido; mas ai você não
compreendeu a poesia da existência. Você vai ficar cheirando rosas e comprando
chocolate para ser romântico. A vida tem uma indelicadeza, uma asperidade que será
encontrada em capricórnio.
Lindo!!!
ResponderExcluirEspero que o sangue da vida seja saboreado por todo o seu ser.
Beijos