quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

O Medo: primeiras reflexões




De forma magistral e genial Mia Couto nos fala sobre o medo e o seu poder de calar o amor e a sensatez. Vale a pena dar uma olhada, uma refletida de como ele inicia na infância como forma de controle e não cessa mais, não paro mais. Não obstante, a reflexão que ele faz me remete ao poema O Medo de Drummond que coloco na integra. Depois escrevo sobre esse tema o medo e de como ele nos impede e nos impossibilita de sermos mais, de irmos mais. 
Bjs corajosos em todos.

O Medo

Em verdade temos medo. 
Nascemos no escuro. 
As existências são poucas; 
Carteiro, ditador, soldado. 
Nosso destino, incompleto. 
E fomos educados para o medo. 
Cheiramos flores de medo. 
Vestimos panos de medo. 
De medo, vermelhos rios 
Vadeamos. 
Somos apenas uns homens e a natureza traiu-nos. 
Há as árvores, as fábricas, 
Doenças galopantes, fomes. 
Refugiamo-nos no amor, 
Este célebre sentimento, 
E o amor faltou: chovia, 
Ventava, fazia frio em São Paulo. 
Fazia frio em São Paulo... 
Nevava. 
O medo, com sua capa, 
Nos dissimula e nos berça. 
Fiquei com medo de ti, 
Meu companheiro moreno. 
De nos, de vós, e de tudo. 
Estou com medo da honra. 
Assim nos criam burgueses. 
Nosso caminho: traçado. 
Por que morrer em conjunto? 
E se todos nós vivêssemos? 
Vem, harmonia do medo, 
Vem ó terror das estradas, 
Susto na noite, receio 
De águas poluídas. Muletas 
Do homem só. 
Ajudai-nos, lentos poderes do 
Láudano. 
Até a canção medrosa se parte, 
Se transe e cala-se. 
Faremos casas de medo, 
Duros tijolos de medo, 
Medrosos caules, repuxos, 
Ruas só de medo, e calma. 
E com asas de prudência 
Com resplendores covardes, 
Atingiremos o cimo 
De nossa cauta subida. 
O medo com sua física, 
Tanto produz: carcereiros, 
Edifícios, escritores, 
Este poema, 
Outras vidas. 
Tenhamos o maior pavor. 
Os mais velhos compreendem. 
O medo cristalizou-os. 
Estátuas sábias, adeus. 
Adeus: vamos para a frente, 
Recuando de olhos acesos. 
Nossos filhos tão felizes... 
Fiéis herdeiros do medo, 
Eles povoam a cidade. 
Depois da cidade, o mundo. 
Depois do mundo, as estrelas, 
Dançando o baile do medo


O amor vence o medo.




Um autor cujo nome não me recordo mais disse: “quando eu nasci minha mãe pariu um gêmeo- eu e o meu medo.” Talvez de fato o medo nos seja intrínseco. Talvez não tenha como construir civilização sem o medo. Mas é certo que é hora da gente romper com o medo. Precisamos construir uma civilização baseada na alegria, no amor, na confiança. Precisamos de crianças que nasçam com outro gêmeo, o amor.
Um dos que mais frisaram e destacaram esse par de opostos foi Kryon. Numa observação muito feliz, ele diz que o contrário do amor não é o ódio como pensamos e sim o medo. É o medo que nos impede de amar. É o medo que nos impede de ser feliz. É o medo que nos faz atacar, agredir, violentar. É o medo que paralisa nossa fé, nossa ação de bondade. É o medo que nos impede de aceitar o Paraíso na Terra, a felicidade agora.
Mas, escrevo tudo isso, porque eu estava lendo algumas previsões sobre 2012. E nas previsões de 2012 tudo é muito igual a 1999. O mais intrigante ainda é que tudo é muito igual ao Apocalipse que atormenta a humanidade há 2000 anos. O apocalipse é a desgraça anunciada que nunca chega e está sempre presente. São dois mil anos de tormento. E o louco é que A “Revelação”, o des-velar tinha o sentido de ser esperança, era uma mensagem de amor, de conforto àqueles primeiros cristãos que enfrentaram Nero e os leões. Tem inferno maior do que esse? Mas, depois de Nero, já vimos a besta em Atila o rei dos Hunos, Napoleão, Hitler, Saddan Hussein, Bin Laden. Mas, a besta é o próprio medo, nosso medo. Assim como o Cristo é a aposta no amor e do amor. Ele já veio e sempre esteve entre nós.
As previsões relatadas na reportagem da “Isto é” estampam além de previsões do fim do mundo, da salvação dos eleitos, isto é, dos bonzinhos de Deus e de Jesus; os de Buda e de Krishina já estão condenados. O interessante da reportagem é a sensibilidade em colocar lado a lado como o mercado do medo prospera, vende, é lucrativo. Seja vendendo terreno, seja vendendo estalagens anti-atômicas, seja vendendo livros, filmes que retratam mais o medo que o amor.
Assim, gostaria de firmar posição e falar do amor. No ano da promessa-2012- o amor vai vencer o medo. Será um ano com muitas transformações e em breve postaremos sobre isso, mas de forma geral, o amor prevalece. Mesmo a contragosto e a contendo de muitos. É então um momento de mais amor, de mais luz, de mais compreensão. Um momento não de tampar o sol com a peneira e sim de não focar mais o medo do que amor.
Vamos ler Drummond e ouvir depois Mia Couto.
bjs  

domingo, 1 de janeiro de 2012

3-o processo do envelhecimento: educando o corpo para a morte.



 Como a ordem do dia é a eterna juventude, Barbie, Vampiros e tantos outros- a velhice e a morte são esvaziadas. A tradição é perdida e posta de lado, mesmo porque na sociedade da pressa, da ultrapassagem, das invenções e descobertas, qual o lugar do velho? Se tudo é novo, tudo é fast, todo hoje já é ontem. Qual o valor do velho, da velhice?
Ao que parece não há lugar para sabedoria, para experiência acumulada, para anciãos. A memória boa não é a que guarda e sim a que deleta. A memória deve estar aberta para receber novas informações e não ficar guardando conhecimentos, possivelmente desnecessários.
O paradoxo disso é que estamos inseridos numa cultura da morte, justamente porque nada é eterno, nada é permanente, nada é para sempre. É uma sociedade em que tudo esta em constante mudança e até a mudança tem que mudar. O fluxo do tempo não pode ser simplesmente contínuo, ele precisa ser acelerado.
O lado mais latente desse paradoxo é a mensagem indireta que confessa e revela: “tudo é descartável, não se pode prender a nada, a ninguém”. Não se forma elos, vínculos. Há grupos e propósitos movidos por interesses em comum. Quando o interesse é alcançado o elo é rompido, a sociedade, o contrato é desfeito, desmanchado. De modo que de forma geral as relações são descartáveis, estão aí o aumento do número de divórcios que não me deixam mentir. Assim, como as novas relações entre pais e filhos- ninguém se prende a ninguém. Não nos prendemos mais nem as convicções religiosas. Muda-se de religião conforme a conveniência. Quero trair meu marido, mas a igreja falou que é pecado, encontra uma na qual não seja. Os desígnios antes eternos e perenes se adéquam ao meu interesse e vontade momentânea. Chega de acreditar no sofrimento para obter o reino dos céus e chega de ficar esperando tanto tempo por minha casa, meu emprego; mudo de igreja para que as transformações ocorram mais rápido. É um mundo fast.
Tudo isso não é ruim, mas ainda não é bom, já que não se distingue o outro do objeto. Já que não sabemos distanciar ou até mesmo compreender a violência que é ser tratado e tratar o outro como objeto de meu uso e do meu desejo. Objeto de posse, de relação descartável.
Assim, o impasse alcança a sala de aula, afinal a proposta de ensino é voltada para o alimento da alma, ao preenchimento de um vazio que devora todos os humanos. Mas se toda uma sociedade se volta aos valores do corpo, se rendem e devotam tudo ao corpo, um novo deus passa a ser adorado e novos profetas a discursarem sobre as maravilhas do novo reino dos céus. O reinado é consagrado na posse, no ter em detrimento da partilha e do ser. Abre-se, na verdade, alarga-se uma outra forma de evolução. Completamente baseada no corpo, no ter, na aparência, no mercado, na publicidade e propaganda. Na vendagem de si mesmo. A outra linha evolutiva que se deu na partilha, na solidariedade, na cumplicidade, na criação de laços amorosos, na explicitude do ser, no amor ao próximo, no respeito ao outro é paulatinamente, posta a margem. Afinal pra que amar e respeitar o outro?
Esse é o vazio atual. Mais do que um vazio é um dilema, um paradoxo que nos toma e nos preenche. O que nos torna humanos é podermos ser além do corpo. Sermos ele, com ele, mas além dele. Quando nos identificamos ao corpo somos bichos, “animais morais”. E na normatividade selvagem não há nenhuma razão para convivermos com a dor, a velhice e a morte sem devorá-las. Os mais fracos devem ser abatidos e subtraídos. O que nos faz humano, volto a insistir é que diante da dor, da velhice e da morte constatamos a nossa fragilidade diante da natureza. Fragilidade que as conquistas tecnológicas escamoteiam, mas não retiram. Somos frágeis, somos seres que doemos, envelhecemos, morremos e poucos sabem como atenuar essa angústia do corpo, esse apelo para que se de a ele não medo, não regras, mas compreensão e consciência de que ele é parte de uma estrutura maior.
São poucas as escolas que garantem essa formação, esse preenchimento do vazio, mesmo porque, professores não estão imunes a ele. Simplesmente, na busca insandecida pelo gozo do corpo, pela satisfação imediata do desejo, não há o que se ensinar, vivencia-se o ABSURDO no sentido existencialista. Nada se ensina, porque educa-se para as sensações e as mesmas são mutáveis, variáveis, fluidas, inconstantes.  
É um bom momento para se viver, mas também não é ruim morrer depressa. É um momento que apresenta um novo paradigma e como tal precisamos construir, criar nova forma de nos educar, de nos manter equilibrados e em equilíbrio com o todo que nos cerca.
Bjs em todos.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

2- O VIAGRA DE BUDA



Essa cultura que aposta na eternidade do corpo, tenta de todas as formas eternizar o gozo e o prazer do corpo. O que não o satisfaz é decadente, é demonde, é fora de lugar.
No entanto, desde Platão, ou antes, dele sabe-se que a voracidade e a saciedade do corpo são efêmeras. Alimento-me agora, mas daqui a pouco, tenho fome outra vez, bebo agora e daqui a pouco tenho sede de novo. É da natureza fisiológica do corpo não se satisfazer, não se saciar, mesmo porque, os corpos saciados são de espécimes extintos. Num processo evolutivo, a espécie que ficou satisfeita foi superada, ou foi dizimada. O corpo em contato estreito e permanente com a natureza chama e conclama à luta, à batalha pela sobrevivência. Nietzsche já dizia que tudo o que vive quer permanecer. Isso vai da bactéria, a baleia, todo corpo deseja permanecer e entre a permanência do meu corpo e a de outra espécie, dizima-se a da espécie oposta. As leis e regras do corpo são simples: ele deseja sobreviver, sobre quaisquer inteperies e espécies. O gozo e satisfação dele são absolutos. A questão é que o homem saciado é um homem pela metade, vazio, morto, já que os prazeres e a saciedade do corpo não o preenchem por muito tempo. Pelo próprio processo evolutivo, o corpo não pode se saciar e sempre tem que querer mais.
Todavia, acreditar que se ira eternizar o corpo gera vazios enormes, faltas e carências enormes como as que vivenciamos hoje. Como lidar com esse vazio? Como dar conta desse vazio? Música alta? Consumir objetos? Tornar o outro objeto a ser consumido? Fazer-me objeto e me consumir, ou até mesmo me vender?
Essas são questões que revelam, já que deflagra e aponta a falta de uma instância e dimensão que não se pode olhar, ver, entrar em contato. Assim, para o corpo se tem tudo, se tem muito, até sistemas religiosos que oferecem a criptogenia, ou outros métodos tecnologicamente menos sofisticados, mas que prometem o gozo material sem dor ou sofrimento. Sem dúvida a maior invenção do capitalismo foi tê-lo associado à dimensão do desejo, foi tê-lo colocado na dimensão da satisfação do corpo. Isso o faz andar, mesmo que nunca se chegue a nenhum lugar. Ou melhor, chega-se no vazio e nele, a saída é a transcendência pelo corpo, mas não do corpo. Ou de fato alguém acredita que a tecnologia nos fará vampiros? Eternos? Alguém acredita na juventude perene da Barbie?

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

1-a ilusão da imortalidade: Buda x o Viagra.



 São três textos que tentam dialogar entre si, abraços em todos.

Conta o mito, que o rei, sabendo das previsões para seu filho, resolveu mantê-lo dentro do palácio, longe da velhice, da doença e da morte. E conseguiu esse feito por mais de três décadas, quando o próprio pai do príncipe adoeceu e caminhava para o falecimento. Nesse ínterim, diante de uma curiosidade tardia, o príncipe resolve sair dos portões do palácio e nisso descobre a velhice, a morte, a doença. Retorna atordoado, porque sabe que vivia uma ilusão. Pior, sente-se enganado e desesperado, já que não sabe como ajudar o seu povo, não sabe nem como ajudar a si mesmo. O jovem Sidarta, esse era o seu nome, passado algumas noites, despede-se de seu pai, de sua esposa, de seus filhos e parte para fora dos muros do palácio. Peregrina e encontra uns monges ascetas que para se livrarem da morte, da velhice e da doença, meditavam por um lado e negavam o mundo por outro. Anos passam até que ele abandona esse caminho e em sua despedida, sentado debaixo de uma árvore, uma maça cai na sua cabeça, ou terá sido uma figueira? Fato é que ele desperta como Buda, o Iluminado. E a sua iluminação se faz mediante um discurso denominado o Caminho do Meio.
Paro de falar de Buda, mas o trago para pensarmos juntos a sociedade atual, pensá-la por um enfoque, já que há inúmeros outros, graças a Buda.
Numa busca por um entendimento rasteiro, o palácio, a estadia de Sidarta no palácio pode simbolizar o ego na sua identificação com o corpo. A sua saída do palácio, pode simbolizar a busca de alguma coisa que tem em nós. Alguma coisa que deseja a transcendência e sabe, ou não sabe, como a gente a alcança. O encontro dele com o ascetismo pode simbolizar o momento no qual o ego se identifica com o oposto, nega o que se foi, busca, radicalmente, um novo ser. E, finalmente, podemos insinuar, que o despertar ocorre, quando ego, corpo, alma, espírito se integram. A integração longe de ser uma mera fusão e simbiose é o reconhecimento tácito e sutil dos limites de cada componente.
Colocadas essas bases posso fazer a travessia na barca de Hesse e chegar ao século XXI. O corpo não quer morrer, não quer perecer. O corpo deseja a eternidade e a forma lógica com que o corpo pensa o eterno é a tautologia dele mesmo, no caso, a reprodução. Se tiver filhos, eu serei eterno. Este corpo (masculino) então parte para o ataque, quanto mais mulheres ele conseguir melhor. Mas, se este desejo do corpo é infinito, a realidade do prazer é finita. Ele não dá conta de todas as mulheres, de todos os homens, de sustentar e amparar todos os filhos. O desejo dele é insaciável, mas as suas condições são finitas. Pelo menos era assim. Havia um momento na vida humana na qual o corpo não bastava a si mesmo. Diante das limitações que ele imponha e colocava, os seres buscavam uma transcendência. Hoje....
Temos toda uma indústria farmaceutica que busca encapsular a eternidade. Tentam persuadir a todos que a morte é uma falácia, nenhum corpo precisa de morrer e prolonga-se a vida. Ainda que cada vez mais viver perca o sentido, mas vive-se, recusa-se a morrer e o que faz parte da mesma estratégia, recusa-se envelhecer. Assim, na mesma corrente tem a indústria dos cosméticos que sonham em produzir o elixir da juventude. Ser eternamente jovem é a idéia salvifica do corpo que hoje encontra respaldo na tecnologia da ex-tetica. E qual é o símbolo maior da vitalidade humana, senão o sexo.
Assim, também se vende a esperança do sexo eterno. O Viagra é um sucesso. O prazer químico, a excitação química, não importa se não sinto desejo pelo ser que possuo, ao tomar a pílula azul, o pênis fica rijo, endurecido de um desejo que nem carece ser meu e a copula acontece. A salvação de mim mesmo, mediante a reprodução de novos corpos se faz eterna, já se fazia anteriormente com a inseminação artificial, que garante a gravidez para mulheres acima dos 40, dos 50 anos. Mas, agora, ela acontece, pode acontecer pelas vias “naturais” da copulação e não pela frieza tecnológica.
Enfim, a tecnologia quer eternizar o corpo e poderíamos falar ou pensar os atletas, dos dopings e outros casos, mas a idéia é contrastar tudo isso ao esvaziamento da morte, da dor e da velhice. Ambas estão sendo varridas para debaixo do tapete, similar ao que o pai de Sidarta fez com ele para que seu filho nunca fosse Buda, ou alguém imagina Sidarta, o Buda, tomando Viagra? 

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O gênio fora da lâmpada: uma tentativa de controle do mundo externo.




Atualmente, já não consigo mais distinguir a realidade que vivemos daquilo que de fato desejamos. Vivemos aquilo que desejamos, não no que, necessariamente, cremos como postula filmes, “O Segredo”, por exemplo. Tenho observado, que as construções e realizações materiais se dão mediante a força dos desejos. É no contato claro com nossos desejos que os nossos pedidos, as nossas conquistas são alcançadas, são realizadas. E já não tenho a menor dúvida em afirmar, que todos os desejos são atendidos por movimentações de forças e propósitos que escapam a compreensão e racionalidade. A mentalização criativa, o mantra da prosperidade e outros não se adéquam a realidade, até que nosso desejo esteja livre para desejar. Sem neuras, ocupações, preocupações, relações de causalidade. O desejo deseja, e nós como seres desejantes recebemos aquilo que ele nos proporciona.

Assim, quer me parecer cada vez mais, que o medo dos Exus e o fascínio que eles provocam advêm da capacidade que eles têm de internamente aglutinar os desejos e dar a ele forma, nome, cara, expressividade. O uso que fazemos dessa força é ainda muito moral ou imoral, mas ressalto que ela é amoral. E sendo assim, quer me parecer que o uso da lâmpada para fins de caridade e altruísmo, nos moldes cristãos colocados, é mais uma forma de se manter os gênios impotentes. Similar a domadores de elefantes que quando ainda novos os acorrentam a árvores maiores que a força deles e depois de crescidos os mesmos não conseguem e nem tentam romper mais os laços.

Quero dizer que não há meio termo no uso da lâmpada, não há concessão no uso da mesma. Ou se tem uma e realizam-se os seus próprios desejos, ou se cria uma fila na espera da generosidade de Aladim conceder um pedido. Aqui estou pensando nas filas de atendimento que se realizam nas giras. Mas perceba que nessa relação, Aladim/médium é também um tolo. Tolo porque ele não é gênio embora se faça passar por um e ganhe notoriedade. De todo modo, quero acreditar que o desejo de médiuns devam ser deslocados para outro sentido. 1 dar novo colorido aos próprios desejos. 2 ensinar as pessoas a fazerem uso de suas lâmpadas, despertarem o gênio adormecido. Com isso estou dizendo que seja enquanto médiuns ou não, necessitamos aprender a dar uso mais consciente a esta força denominada de Exu. Esse gênio da lâmpada possibilita moldarmos a realidade, a nossa, em especial.

O que denominamos de riqueza é o uso desse desejo, ou melhor, dessa realização, já que a grande maioria deseja ser rico, no entanto, fomos catequisados para sabermos que riqueza é a essência espiritual e não o acessório do material. Mais ainda, poucos de nós estamos de fato abertos e dispostos a abrirmos mão do controle que já temos de nossas vidas, mesmo que isso signifique expandir e prosperar para novos horizontes.

É dentro desse quadro que os Exus e os gênios das lâmpadas ganham face amedrontadora, temível, demoníaca, já que eles representam a quebra e a ruptura com a normalidade, com o padrão estabelecido, com as regras postas e dadas. Essas forças representam e simbolizam o que em primeira instância classificamos como transgressão, desobediência às regras da sociedade, às normas do status quo. De maneira que nosso desejo de riqueza é apenas fonte de neurose, de stress e de tensão anímica. Poucos deram as costas a esta catequização e fazem uso, não das riquezas celestiais, mas das materiais, que brotam e encontram-se dentro das cavernas e grutas.

Por enquanto, estamos aprisionados pelo mago dentro da caverna, mas já não é sem hora e sem tempo de mexermos nessa estrutura, de libertarmos o nosso potencial, de rompermos com a tradição e o padrão que nos foi dado e nos reencontrarmos com nosso desejo. Longe de sombrio e perverso, ele é a base, o alicerce que nos garante a transformação do adolescente em adulto e do alfaiate em príncipe. Libertar o gênio é um trabalho de fricção, um lidar com nossos desejos, nossas frustrações, nossas batalhas e lutas. É sair da condição de paz acovardada e ir à busca do bom combate, isto é, sair da aceitação pacata e resignada e lutar pelo que se deseja e acredita. E não se faz isso sem desagradar, sem criar tensão, sem produzir atrito, sem deslocar acomodados para outros lugares, sem feridas que machucam, sem lutas que se perde.   

São nossos desejos na sua elementaridade mais básica e salutar que nos proporcionam e garantem a conquista material. Sim, porque para libertar o gênio é necessário força, esforço, trabalho, labor que pode ser direto ou não. Diretamente é quando se deseja e sabe-se o que se deseja: enriquecer, prosperar. Indiretamente é quando apenas se trabalha e dele advém o enriquecimento. Em ambas as vias foram ensinadas pelas tradições religiosas de forma geral que é uma estultice esforçar-se para garantir posses terrenas e materiais. O que é uma verdade, já que não se tem controle dessa força, ela age e atua por mecanismos que desconhecemos e ignoramos.

Mas é bom ficar claro que todas as bases da ciência de previsão e poder nascem do desejo humano de controlar. E nesse desejo não há distinção entre a fissão nuclear desenvolvida no mundo da ciência e a pratica do feiticeiro que faz chover. Em ambos, o que esta se realizando é o uso da lâmpada, é a realização dos desejos e isso é importante não perdermos duas coisas de vista: 1- todos os desejos serão realizados; 2 não tem como mensurar ou comparar desejos entre as pessoas, cada um deles é legitimo por dialogar com aquilo que se é, no momento em que se deseja. Depois podemos mudar, mas naquele instante, a manifestação do real, a plenificação da realidade ocorreu da forma que desejamos.

Finalizando, os gênios atendem pedidos. Exu é um gênio da lâmpada maravilhosa, de uma força tratora fenomenal e espetacular. A promessa deles não é a de garantir o reino dos céus e sim o de proporcionar bem estar e conforto no mundo material. Na mitologia iouruba e tantas outras a oposição corpo e alma, céu e terra nunca foi pobre, pelo contrário. Os deuses gregos e romanos cobiçavam, invejavam, guerreavam e comiam como glutões. Os orixás africanos comem, pedem oferendas, celebram a riqueza do espírito na demonstração simbólica da matéria: ouro, milho, ovos, mandioca, fubá, pipoca, outros. Entre nós cristãos esses deuses são imundos e nocivos, são diabólicos. Até hoje, Exu é visto como sendo e tendo parte com o diabo, mas prefiro pensar que essa representação nasce de cabeças doentes, como aquelas que desejando um deus tão puro, tiveram que inventar e criar tantas perversões para seu deus reinar melhor: judeus, bruxas, negros, índios, tudo o que é diferente entra no rol do demoníaco.

Dessa forma eles tiveram que criar e culpabilizar tudo o que dança, tudo o que mexe os quadris, tudo o que ri e se sente feliz, inclusive, pela risada dada. É nessa ordem que eles ensinaram o medo, a culpa, a dor, a expiação e o castigo. E nesses ensinamentos aprisionaram todas as lâmpadas e todos os gênios para eles. A riqueza é condenável para os outros, eles não vivem sem ela e este é o pior tipo de pobreza conhecido: a que não consegue dar, a que não consegue compartilhar, a que toma do outro pelo simples prazer de não conseguir ver o prazer em nada e ninguém.

De modo que o lado temível de exu e do gênio é o de ao despertar em Aladim a força tratora da prosperidade, ele faça o pedido de impedir que qualquer outro venha ter um gênio, que qualquer um outro realize seus desejos, seus sonhos. O gozo dele passa ser a castração e a inutilização do outro. Nesse ponto quem faz uso da força de Exu para separar casais, arranjar casais, adoecer pessoas trazer a pessoa amada em três dias é de uma pobreza que a lama e o lodo nunca se fará ouro e ostra. 

 


O GÊNIO DA LÂMPADA: aprendendo a controlar um mundo interno.




A história de Aladim nos é famosa. Narra desde a desobediência do mortal em seguir a profissão do pai (alfaiate), até o encontro dele com um mago que lhe fala de uma lâmpada maravilhosa. Ilustrativamente simbólico, a estória conta que na procura pelo gênio (djin), ele deve entrar em uma caverna, gruta, um local profundo, escuro, debaixo da terra.
Inesperadamente, aprisionado dentro da gruta pelo próprio mago, tropeça na lâmpada mágica. A mesma encontra-se empoeirada e ao ser esfregada pelo mortal desperta o gênio adormecido de dentro dela, lhe assegurando o direito de fazer três pedidos, quaisquer que fossem. Ele escolhe ser príncipe e se casar com a filha do sultão. Em síntese, ele se apodera de uma vida e de um destino além do dado pelo seu pai e por sua tradição. É também dignamente importante, salientar que a profissão do pai, alfaiate, tem a simbologia do alinhavaamento, similar ao das Moiras.
Em representações mais atuais, o gênio é despertado depois de mil anos e sai de dentro da mesma, com um ar de tédio e preguiça. Um dos significados que podemos dar a isto se relaciona a inconstância do uso que fazemos dessa força, da inabilidade que ela nos provoca e nos remete.
Mas, antes de abordarmos isso, quero falar que a história é mágica e tem muitos sentidos. O que escolho nesse momento, nasce de uma conversa que tivemos com Luís Soares. Nosso amigo quis ver e apontar o gênio da lâmpada como uma das metáforas mais ilustrativas da força dos Exus. Sim, ele comparou exus a gênios da lâmpada. Mas, se a comparação realizada via psicofonia se fez imediatamente clara e evidente, agora, quando tento escrever, tenho que tentar expor as categorias que aproximam um e outro, sucintamente, seria: ambos servem fidedignamente aos seus donos, mesmo que isso possa ser contra o próprio dono. Paradoxal? Sim, o é. Mas é que ambos manipulam, tratam e realizam desejos e algumas vezes, os nossos desejos, nos machucam; o que não impede de tê-los atendidos. Quer me parecer então, que a relação posta por Luis, gravita na dimensão do desejo. No uso, na consciência e inconsciência que temos daquilo que desejamos, queremos, sonhamos. Exus, como gênios da lâmpada, realizam esses nossos desejos esta seria a similitude que abordaremos.
Desejos, geralmente, envolvem aspectos de nossa personalidade, que não gostamos de verificar, de saber que temos: ciúme, raiva, inveja, medo, ódio, rancor, perversão, outros. Desejos que fomos ensinados desde pequenos a não ter, a não sentir, a achá-los feios: cobiça, inveja. Mas, de modo geral, são esses desejos que proporcionam a capacidade atrativa, manipulativa dos exus moldarem o real. É engraçado percebermos sentimentos como energia, mas o são, e esses que tem vibrações mais baixas (enquanto vibração e não moralidade) são os utilizados pelos gênios para transformarem a realidade. Sim, os exus são peritos e especialistas em criar realidades a partir dos nossos desejos. São notórios os casos de bala que mascam, de carros capotados nos quais as pessoas são retiradas de dentro ilesas. Na literatura umbandista diz-se que os realizadores desses e outros feitos, são os exus. Mas não realizam apenas estes. É comum ouvirmos a expressão: “surra de santo” referindo-se as dificuldades que o médium esta passando pelo afastamento, ou não cumprimento de suas obrigações.
No entanto, como poderia um exu congelar a vida de uma pessoa, promover a ruína financeira, sexual dela? E como poderia garantir a pessoa sucesso nesses setores?  Quais forças estão em jogo? Parece que o desejo é a chave de leitura e de entendimento não apenas da força dos exus, mas da sua capacidade de ser utilizado como gênio da lâmpada. Mas estamos prontos para lidarmos com nossos desejos? Sim ou não, seremos e somos atendidos.
De todo modo, os exus nos auxiliam a organizar esses espaços internos da nossa psique. Nos permitem orientar mais sabiamente o universo ao nosso redor. O que não deve fomentar a ilusão de que é devido a oferenda que realizamos, ou ao pedido que recebemos na gira que o sol nasceu na manhã seguinte.
(Continua....)