Atualmente, já não consigo mais distinguir a
realidade que vivemos daquilo que de fato desejamos. Vivemos aquilo que
desejamos, não no que, necessariamente, cremos como postula filmes, “O
Segredo”, por exemplo. Tenho observado, que as construções e realizações
materiais se dão mediante a força dos desejos. É no contato claro com nossos
desejos que os nossos pedidos, as nossas conquistas são alcançadas, são
realizadas. E já não tenho a menor dúvida em afirmar, que todos os desejos são
atendidos por movimentações de forças e propósitos que escapam a compreensão e
racionalidade. A mentalização criativa, o mantra da prosperidade e outros não
se adéquam a realidade, até que nosso desejo esteja livre para desejar. Sem
neuras, ocupações, preocupações, relações de causalidade. O desejo deseja, e
nós como seres desejantes recebemos aquilo que ele nos proporciona.
Assim, quer me parecer cada vez mais, que o medo
dos Exus e o fascínio que eles provocam advêm da capacidade que eles têm de
internamente aglutinar os desejos e dar a ele forma, nome, cara,
expressividade. O uso que fazemos dessa força é ainda muito moral ou imoral,
mas ressalto que ela é amoral. E sendo assim, quer me parecer que o uso da
lâmpada para fins de caridade e altruísmo, nos moldes cristãos colocados, é
mais uma forma de se manter os gênios impotentes. Similar a domadores de
elefantes que quando ainda novos os acorrentam a árvores maiores que a força
deles e depois de crescidos os mesmos não conseguem e nem tentam romper mais os
laços.
Quero dizer que não há meio termo no uso da
lâmpada, não há concessão no uso da mesma. Ou se tem uma e realizam-se os seus
próprios desejos, ou se cria uma fila na espera da generosidade de Aladim
conceder um pedido. Aqui estou pensando nas filas de atendimento que se realizam
nas giras. Mas perceba que nessa relação, Aladim/médium é também um tolo. Tolo
porque ele não é gênio embora se faça passar por um e ganhe notoriedade. De
todo modo, quero acreditar que o desejo de médiuns devam ser deslocados para
outro sentido. 1 dar novo colorido aos próprios desejos. 2 ensinar as pessoas a
fazerem uso de suas lâmpadas, despertarem o gênio adormecido. Com isso estou
dizendo que seja enquanto médiuns ou não, necessitamos aprender a dar uso mais
consciente a esta força denominada de Exu. Esse gênio da lâmpada possibilita
moldarmos a realidade, a nossa, em especial.
O que denominamos de riqueza é o uso desse desejo,
ou melhor, dessa realização, já que a grande maioria deseja ser rico, no
entanto, fomos catequisados para sabermos que riqueza é a essência espiritual e
não o acessório do material. Mais ainda, poucos de nós estamos de fato abertos
e dispostos a abrirmos mão do controle que já temos de nossas vidas, mesmo que
isso signifique expandir e prosperar para novos horizontes.
É dentro desse quadro que os Exus e os gênios das
lâmpadas ganham face amedrontadora, temível, demoníaca, já que eles representam
a quebra e a ruptura com a normalidade, com o padrão estabelecido, com as
regras postas e dadas. Essas forças representam e simbolizam o que em primeira
instância classificamos como transgressão, desobediência às regras da
sociedade, às normas do status quo. De maneira que nosso desejo de riqueza é
apenas fonte de neurose, de stress e de tensão anímica. Poucos deram as costas
a esta catequização e fazem uso, não das riquezas celestiais, mas das
materiais, que brotam e encontram-se dentro das cavernas e grutas.
Por enquanto, estamos aprisionados pelo mago dentro
da caverna, mas já não é sem hora e sem tempo de mexermos nessa estrutura, de
libertarmos o nosso potencial, de rompermos com a tradição e o padrão que nos
foi dado e nos reencontrarmos com nosso desejo. Longe de sombrio e perverso,
ele é a base, o alicerce que nos garante a transformação do adolescente em
adulto e do alfaiate em príncipe. Libertar o gênio é um trabalho de fricção, um
lidar com nossos desejos, nossas frustrações, nossas batalhas e lutas. É sair
da condição de paz acovardada e ir à busca do bom combate, isto é, sair da
aceitação pacata e resignada e lutar pelo que se deseja e acredita. E não se
faz isso sem desagradar, sem criar tensão, sem produzir atrito, sem deslocar
acomodados para outros lugares, sem feridas que machucam, sem lutas que se
perde.
São nossos desejos na sua elementaridade mais
básica e salutar que nos proporcionam e garantem a conquista material. Sim,
porque para libertar o gênio é necessário força, esforço, trabalho, labor que
pode ser direto ou não. Diretamente é quando se deseja e sabe-se o que se
deseja: enriquecer, prosperar. Indiretamente é quando apenas se trabalha e dele
advém o enriquecimento. Em ambas as vias foram ensinadas pelas tradições
religiosas de forma geral que é uma estultice esforçar-se para garantir posses
terrenas e materiais. O que é uma verdade, já que não se tem controle dessa
força, ela age e atua por mecanismos que desconhecemos e ignoramos.
Mas é bom ficar claro que todas as bases da ciência
de previsão e poder nascem do desejo humano de controlar. E nesse desejo não há
distinção entre a fissão nuclear desenvolvida no mundo da ciência e a pratica
do feiticeiro que faz chover. Em ambos, o que esta se realizando é o uso da
lâmpada, é a realização dos desejos e isso é importante não perdermos duas
coisas de vista: 1- todos os desejos serão realizados; 2 não tem como mensurar
ou comparar desejos entre as pessoas, cada um deles é legitimo por dialogar com
aquilo que se é, no momento em que se deseja. Depois podemos mudar, mas naquele
instante, a manifestação do real, a plenificação da realidade ocorreu da forma
que desejamos.
Finalizando, os gênios atendem pedidos. Exu é um
gênio da lâmpada maravilhosa, de uma força tratora fenomenal e espetacular.
A promessa deles não é a de garantir o reino dos céus e sim o de proporcionar
bem estar e conforto no mundo material. Na mitologia iouruba e tantas outras a
oposição corpo e alma, céu e terra nunca foi pobre, pelo contrário. Os deuses
gregos e romanos cobiçavam, invejavam, guerreavam e comiam como glutões. Os
orixás africanos comem, pedem oferendas, celebram a riqueza do espírito na
demonstração simbólica da matéria: ouro, milho, ovos, mandioca, fubá, pipoca,
outros. Entre nós cristãos esses deuses são imundos e nocivos, são diabólicos.
Até hoje, Exu é visto como sendo e tendo parte com o diabo, mas prefiro pensar
que essa representação nasce de cabeças doentes, como aquelas que desejando um
deus tão puro, tiveram que inventar e criar tantas perversões para seu deus
reinar melhor: judeus, bruxas, negros, índios, tudo o que é diferente entra no
rol do demoníaco.
Dessa forma eles tiveram que criar e culpabilizar
tudo o que dança, tudo o que mexe os quadris, tudo o que ri e se sente feliz,
inclusive, pela risada dada. É nessa ordem que eles ensinaram o medo, a culpa,
a dor, a expiação e o castigo. E nesses ensinamentos aprisionaram todas as
lâmpadas e todos os gênios para eles. A riqueza é condenável para os outros,
eles não vivem sem ela e este é o pior tipo de pobreza conhecido: a que não
consegue dar, a que não consegue compartilhar, a que toma do outro pelo simples
prazer de não conseguir ver o prazer em nada e ninguém.
De modo que o lado temível de exu e do
gênio é o de ao despertar em Aladim a força tratora da prosperidade, ele faça
o pedido de impedir que qualquer outro venha ter um gênio, que qualquer um
outro realize seus desejos, seus sonhos. O gozo dele passa ser a castração e a
inutilização do outro. Nesse ponto quem faz uso da força de Exu para separar
casais, arranjar casais, adoecer pessoas trazer a pessoa amada em três dias é
de uma pobreza que a lama e o lodo nunca se fará ouro e ostra.